
Para se ter uma ideia dessa devastação, os satélites da ONG calculavam que no rastro da avalanche de detritos acumulados por mais de 30 anos estavam pelo menos 374,81ha de cobertura florestal ciliar, a maioria composta por espécies de mata atlântica, bioma que tem proteção federal por ser o ecossistema mais ameaçado do Brasil e um dos mais frágeis do mundo. Apenas em mata ciliar, é como se uma área maior que a do Parque das Mangabeiras tivesse sido arrancada de uma só vez, pelas raízes, deixando de fornecer estabilidade às margens dos rios, alimento aos peixes e abrigo a espécies da fauna nativa. Ambiente que era conservado, já que, nos últimos cinco anos, apenas 1,51ha havia sido derrubado na região.
O cenário mais devastador ocorreu no Rio Gualaxo do Norte, onde o tsunami de lama chegou depois de destruir Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana em que pelo menos duas pessoas morreram, três estão desaparecidas e 600, desabrigadas. Ao todo, até a noite de ontem, eram 11 pessoas procuradas, oito mortos identificados e quatro corpos sem identificação. Só no Gualaxo, a área total atingida foi de 381ha, o que corresponde a 77,4% de toda a extensão de calha e matas ciliares desde a nascente, em Ouro Preto, à foz, no Rio do Carmo, em Barra Longa. Mesmo com o acesso ao povoado restrito a bombeiros e policiais militares, devido à instabilidade de duas outras barragens (Santarém e Germano), a equipe do Estado de Minas retornou a Bento Rodrigues para mostrar a dimensão da catástrofe ambiental sobre mananciais e matas.
TURBILHÃO A onda de lama foi tão forte que, ao entrar no leito, chegou a subir rio acima, vencendo a correnteza por mais quatro quilômetros, derrubando a ponte que levava ao distrito de Camargos e abrindo um cânion dos dois lados da estrada. A energia e o volume dessa massa de rejeitos e água invadindo o rio ficaram impressos no trecho próximo à estação de bombeamento de água da Samarco, no fundo do vale do Gualaxo. O edifício de concreto e metal ficou completamente desfigurado e os postes de energia foram revirados com cabos e equipamentos.

EXTINÇÃO EM MASSA Na região, ninguém mais vê traço dos lambaris, traíras, mandis, acarás e tilápias que antes eram fisgados pela comunidade. Para muitos pescadores, a lama extinguiu todos, já que não foram mais vistos espécimes na zona atingida, nem mortos nas margens. “Agora está tudo destruído, acabado. Pescaria aqui, de novo, quem sabe daqui a uns 15 anos, se é que ainda vou estar vivo para ver. Quem sabe meus netos”, lamenta o servente e pescador José Antônio de Paula, de 49 anos, morador do distrito vizinho, Santa Rita Durão.
A tristeza para ele é maior, porque, entre os barrancos para pescaria, tinha predileção pelos de Bento Rodrigues, para onde ia todos os sábados. Tinha até pontos preferidos nas margens do Gualaxo do Norte, onde sabia que os peixes “mordiam mais”. “Uma vez, um colega meu viu uma traíra grande, bitelona mesmo. Combinamos de ele armar o anzol em cima (no alto do rio) e eu mais embaixo. Na hora que senti a fisgada, vi só o olhão dela pulando. Uma alegria, rapaz, pegar aquela bitela de 1,2 quilo.” Emoções e locais que agora existem apenas na memória do pescador, que nem consegue mais reconhecer os antigos pesqueiros, sepultados debaixo de tanta lama.
