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Estado de Minas ONTEM E HOJE

Lugarejo tranquilo, Lavras Novas vai da calma ao caos quando chegam os turistas

Saiba o que há por trás do lugarejo bucólico onde a população até sextuplica em feriados. As noites podem ser mais agitadas que na Savassi e a hospedagem varia dos R$ 30 aos R$ 3 mil


postado em 25/10/2015 11:00 / atualizado em 26/10/2015 11:14

Em alguns momentos, Lavras Novas é um paraíso adormecido(foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)
Em alguns momentos, Lavras Novas é um paraíso adormecido (foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)

Lavras Novas – Sentado na soleira da porta, proseando sem pressa e observando o mar de montanhas, o morador de um dos 12 distritos de Ouro Preto vive em um lugarejo raro. Em um momento, é capaz de testemunhar o andar preguiçoso das vacas e burros buscando o verde que brota por entre as pedras na rua. Por sobre o lombo dos animais, vislumbra uma história secular, que remonta ao final do século 17. Em poucas horas, porém, o lavras-novense pode ver os ares do interior serem sacudidos por uma espécie de horda de modernidade, que enxota as sombras do passado como um bando de pássaros assustados. O gado tem de dar espaço a veículos de luxo, que chegam abarrotados de turistas. Tomam seu lugar sobre a grama, espalhados em dezenas de cadeiras e mesas, consumindo cerveja com uma sede que, esta sim, parece histórica.

Atônitos, os mais antigos dos menos de mil moradores veem quartos de pousadas refinadas, de chalés singelos e até os campings espartanos transbordarem gente, sextuplicando a população em feriados prolongados – e enchendo os bolsos dos nativos que botaram o espanto de lado para lucrar com a algaravia. Por trás desse cenário de contradições, o Estado de Minas foi buscar as verdadeiras atrações desse lugar. Além da natureza, descobriu um tesouro de histórias: o morto que fugiu do caixão, uma ameaça de invasão internacional, hospedagem com ar estrangeiro e pacote de R$ 3,5 mil, o cavaleiro da meia-noite e até um dos portais do inferno. Tem muito mais, na verdade. Mas a maioria nem sabe.

 

 

O PARAÍSO ADORMECIDO

Lavras Novas tem cavalos caminhando soltos, vacas que aprenderam a roçar as portas de casa dos donos para pedir ração e dezenas de cachorros de rua que andam sem pressa pelo trecho que corresponde a uns 400 passos, entre o cruzeiro acima do gramado e a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, limites do Centro Histórico.

Todos por lá conhecem a história de Fábio Francisco Rosa, de 74 anos, que há 50 foi velado por 20 horas, mas se levantou do caixão antes do enterro e arrastou por muitos anos a fama de assombrado. O grande tesouro do distrito são as memórias de moradores do lugarejo, que guarda mais de 300 anos de história e é habitado majoritariamente por descendentes de escravos.

Todos os moradores – Fábio incluído – pagam uma mensalidade de R$ 5 para um dia, finalmente, serem enterrados no cemitério do distrito. O dinheiro é entregue à Mesa Administrativa, nome dado à parte gerencial da Irmandade de Nossa Senhora dos Prazeres que administra o território do distrito. “Terras da santa”, é o que dizem por lá.

São quase 17h de uma quarta-feira. A única movimentação nas ruas do distrito se dá em torno de casa perto da igreja. Muita gente na porta, outros assentados e um silêncio sepulcral – adjetivo sem exagero e tentadoramente apropriado. Era o velório da dona Geralda.

Às 8h30 do dia seguinte, os moradores acompanham o enterro. O sol ainda é tímido e a maioria veste blusas de frio. Um menino sai da cerimônia de corpo presente. Vai atender ao celular. Usa moletom, com o capuz tampando a cabeça e a palavra “Los Angeles” no peito. Já a caminho da sepultura, o cortejo vê se descortinar o horizonte, enquanto os fiéis entoam: “No céu, no céu, com minha Mãe estarei”.

Terminado o sepultamento, o sino para, pessoas tiram os casacos e Antônio Alvarenga cuida de pintar uma paisagem no poste em frente à sua padaria. Chegou ao distrito há 25 anos. Era funcionário público em Contagem, de onde partiu em busca de sossego. “O que me atraiu foi o clima. E as montanhas”, diz. A explicação é interrompida bruscamente. Não se trata de compromisso urgente: Antônio, que também faz pinturas em louças, precisa correr para afugentar a vaca que se coça no arbusto em frente ao estabelecimento.

 

Mas o paraíso acorda e passa por grande transformação quando chegam os turistas(foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)
Mas o paraíso acorda e passa por grande transformação quando chegam os turistas (foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)
 

A TRANSFORMAÇÃO

Fins de semana e feriados prolongados espantam as vacas de Lavras Novas. O gado se afasta com resignação do gramado do Centro Histórico, onde só os cachorros sem dono se mantêm de plantão. Estes aprenderam que, com as levas barulhentas de turistas, chegam carinhos e tira-gostos que não costumam cair dos pratos em outras épocas. Às 12h15 de domingo, o trânsito na rua principal, batizada Nossa Senhora dos Prazeres em homenagem à antiga dona do povoado, é caótico. Carros chegam a ficar parados por até 20 minutos, à espera de avançar alguns metros.

O engarrafamento faz motoristas desligarem os motores. Os veículos da moda entre os forasteiros são os utilitários esportivos – SUVs, na sigla em inglês. Muitos exibem na traseira o estepe, geralmente coberto com uma capa com mensagem que louva a preservação da natureza.

Antônio, o da padaria, pintava o poste para que servisse de moldura para um jornal. Uma das charges da publicação mostra uma turista apresentando ao filho o gramado do local. O menino observa as filas de carros estacionados e pergunta: “Gramado?”.

O turismo em Lavras Novas começou para valer em meados dos anos 1990. O que atraiu os visitantes foi o clima ameno, a sensação de distanciamento da cidade grande e, principalmente, a paisagem.

Parece que muito disso já virou história. Mas o escritor Bernardo Guimarães (1825-1884), autor do clássico Escrava Isaura, descreveu assim o local, em livro de 1871: “Oferece uma das mais aprazíveis e soberbas perspectivas. Esta povoação, quase desconhecida e que não tem a honra de figurar nas cartas geográficas, está colocada no alto de uma serra que é uma ramificação, ou antes um contraforte, do núcleo colossal do Itacolumim”.

Na tarde de domingo, o que no século 19 era uma soberba perspectiva está tomado de carros, motos e turistas que pagam por uma cerveja mais do que desembolsariam em uma casa da Savassi, ponto nobre do agito em Belo Horizonte. Questionado sobre o que o atrai em Lavras Novas, um turista-padrão – chapéu-panamá, óculos de aviador, camisa casualmente desabotoada, bermuda rosa- claro, sapatênis e uma garrafa long-neck envolta em um guardanapo – resume: “Aqui é top. Top demais”.


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