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Estado de Minas ONTEM E HOJE

Lavras Novas é ponto de encontro do histórico e do moderno

Animais protagonizam cena pitoresca, que contrasta com pousadas requintadas e áreas de camping


postado em 25/10/2015 11:00 / atualizado em 25/10/2015 10:06

Animais soltos nos gramados fazem parte da cultura local e são soberanos no Centro Histórico, ao menos até o fim de semana, quando têm de abrir caminhos aos forasteiros(foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)
Animais soltos nos gramados fazem parte da cultura local e são soberanos no Centro Histórico, ao menos até o fim de semana, quando têm de abrir caminhos aos forasteiros (foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)

Lavras Novas – Mansinha, Perrengue e Chitada são as vacas preferidas de José Correia Maia. “Eu trato delas com sal grosso. Se não dou, não vão embora pastar. Ficam aí na porta”, explica o bombeiro hidráulico de 61 anos, que trabalha na Prefeitura de Ouro Preto. Os animais protagonizam cena pitoresca. Quando chegam em frente à casa do dono, no fim do dia, batem a cabeça na porta para “pedir” sal e ração. “A criação não fala, precisa dar um sinal”, entende José.
Ele chegou a morar por alguns anos em São Paulo, quando atuou como prensista em uma fabricante de autopeças em Guarulhos, mas voltou para a terra natal após se casar, no início da década de 1980. Em Lavras Novas, segue uma tradição iniciada há décadas pelo pai. Tem 12 vacas, que vivem soltas pelas ruas, e se tornaram uma das atrações do distrito. Tanto que até as lixeiras são representações de lata do gado de José.

“Uma vez, a porta estava aberta e a vaca entrou pela cozinha. Não esbarrou em nada e ainda saiu de ré”, diverte-se ele. A protagonista foi Fumaça, que já morreu (vaca boa, rendeu sete crias, como recorda o fazendeiro). O irmão de José, que mora duas casas ao lado, no Centro Histórico de Lavras Novas, é responsável por criar sete burros e cavalos que também circulam pelas imediações.

A simplicidade da família Maia ajuda a formar a amálgama entre nativos e forasteiros que atrai os turistas a hospedagens de todas as “estrelas”. Desde campings, onde elas só são vistas à noite e a diária sai a R$ 30, até pousadas onde o pernoite pode custar valores na casa dos quatro dígitos.

O artista plástico italiano Paolo Battiston sabe que há um público disposto a pagar por isso. Natural de Veneza, ele foi convencido pela esposa, Maria Aparecida Santiago, de Belo Horizonte, a se mudar para Lavras Novas há cinco anos, para construírem uma pousada. “Meu público é AAA e casais em lua de mel”, explica Maria Aparecida.

PREÇO DOS PRAZERES

Não é para menos. Intitulada de pousada, casa de vinhos e galeria de arte, a Canto dos Prazeres tem uma suíte presidencial cujo valor para o casal no feriado de 12 de outubro foi de R$ 3.480. “É o encontro do Mar Adriático com as montanhas de Minas”, compara Maria Aparecida, referindo-se à decoração do local, idealizada por ela e ornada com quadros do marido.

A pousada tem oito quartos, sendo o maior com duas lareiras, banheira de hidromassagem e quatro travesseiros com pena de ganso acomodados na suíte de 200 metros quadrados. O casal ítalo-brasileiro faz parte da última leva que aportou no sopé da Serra do Trovão. A pousada deles não aceita grupos nem menores de 18 anos. O investimento, segundo a coproprietária, foi superior a R$ 5 milhões.

Já o engenheiro metalúrgico Niveo Roberto Campos, de 68, foi um dos primeiros forasteiros a chegar a Lavras Novas, em 1986. O sogro dele trabalhou na construção de barragens para alimentar de energia elétrica a fábrica de alumínio em Saramenha, distrito industrial de Ouro Preto, na década de 1940. “Ele frequentava muito este lugar e fez amizade com o pessoal. Minha esposa ficou com uma memória de infância, além de ser madrinha de uma moça daqui”, destaca Níveo.

O contato facilitou a compra da casa, perto da igreja. Níveo acredita que as festas que a família fazia na rua durante o réveillon contribuíram para criar a fama do lugar. “Uma vez, minha mulher estava no supermercado, na saída de Belo Horizonte, e uma pessoa disse para ela: ‘Vou passar o réveillon em Lavras Novas. Fiquei sabendo que tem uma mulher doida que faz uma festa na rua’”. A esposa de Níveo ouviu calada. Só quando a “convidada” a encontrou na porta de sua casa, constatou quem era a “doida”.

Níveo também incentivou um compadre a comprar uma casa na cidade. Este trouxe outro e a corrente foi continuando. Depois de quase 30 anos, o engenheiro domina bem o dialeto típico do distrito. “Aqui, o pessoal não fala doente. Diz desinsarado. Também não fala nora. É genra”, diverte-se. Bom contador de histórias, Níveo se lembra de uma boa, dos tempos em que o lugarejo ainda não havia sido invadido pelos turistas, mas por um momento acreditou ser palco de um conflito internacional. “Durante a Guerra do Golfo, havia uma tensão muito grande com o noticiário na televisão. Nunca tinha aparecido um helicóptero por aqui e, logo quando a situação estava bem tensa lá no Golfo, pousou um no campo de futebol do distrito. O pessoal saiu assustado de casa dizendo: ‘O Saddam Hussein vem matar a gente’.”

 

Claudinho e o mais gelado dos índices econômicos, que evapora do freezer a cada tarde de domingo(foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)
Claudinho e o mais gelado dos índices econômicos, que evapora do freezer a cada tarde de domingo (foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)

LUCRO LÍQUIDO E EM CAIXAS

Cláudio Alves Viana, o Claudinho do bar que leva seu nome, tem um indexador interessante para calcular o impacto do turismo em Lavras Novas. Em um dia de semana modorrento, a venda de cerveja não passa de três caixas. Nos fins de semana, principalmente quando há um feriado próximo, como ocorreu em 12 de outubro, o mercado enlouquece: 20 caixas de cerveja evaporam somente no domingo. Quem visita Lavras Novas não pode deixar de comer o sanduíche de pão, linguiça, queijo e tomate, vendido por R$ 6,50 no bar. É, provavelmente, a melhor relação custo/benefício/sabor do distrito.

A reboque dos turistas que chegavam, a possibilidade de ganhar dinheiro com o movimento atraiu muita gente. Nascido em Conselheiro Lafaiete, distante 50 quilômetros do distrito, Rafael Frederico Rodrigues visitava Lavras Novas para praticar rapel. “Há 10 anos não tinha nada de ecoturismo aqui”, lembra-se ele, que decidiu deixar o emprego em empresa mineradora em Congonhas e começou a promover passeios pelas cachoeiras com uma Volkswagen Brasília adaptada com pneus de jipe. Fez tanto sucesso que ampliou a frota para oito quadriciclos, três motocicletas de trilha e dois utilitários 4x4. Além da empresa de Rafael, hoje outras duas oferecem os serviços de aluguel e acompanhamento por trilhas e cachoeiras.

Os primos Itamar Antônio Carvalho e Leonardo Pedro Bispo são sócios em uma agência para receber turistas, acompanhando-os em trilhas e caminhadas. Itamar é técnico em turismo e meio ambiente e Leonardo está fazendo faculdade de turismo. Nascidos no distrito, eles se gabam de serem os únicos nativos no ramo.

Para quem gosta de caminhar, eles indicam três passeios indispensáveis. O primeiro é a Cachoeira dos Pocinhos, com uma caminhada em trilha de dificuldade moderada, a apenas 2,2 quilômetros do Centro Histórico. Outra opção é assistir ao pôr do sol na Serra do Trovão, ou, como os nativos chamam, Serra do Buiéié, uma referência a um andarilho que vivia por aqueles lados. A caminhada é de 40 minutos e a altitude, de 1,6 mil metros. Por fim, o passeio mais longo, que leva um dia inteiro caminhando, para conhecer a Represa do Custódio e as cachoeiras dos Três Pingos, Namorados e Prazeres. O percurso total é de 22 quilômetros.

 

Wederson, Cristina e a 'labra-lata' Bela: fuga para um refresco natural aproveitando a proximidade de BH(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Wederson, Cristina e a 'labra-lata' Bela: fuga para um refresco natural aproveitando a proximidade de BH (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
 

DOS HIPPIES PARA OS NOVELEIROS

O casal de namorados Wederson Gonçalves e Cristina Malta é fã das quedas d’água do distrito. No último feriado, levaram a cadela Bela, uma labra-lata (como definem a ascendência da mistura de labrador com vira-lata) para tomar banho na água gelada da Cachoeira dos Namorados. “Viemos só passar o dia, pois é muito perto de Belo Horizonte. Só uma hora e meia de viagem”, explica Wederson.

Gente de longe, como a peruana Yana Herrera, de Lima, aproveita a proximidade e o movimento para faturar. A jovem, de 20 anos, está morando em Belo Horizonte e foi pela segunda vez a Lavras Novas. Lamenta não ter tempo para desbravar melhor o distrito. “Conheci muito pouco, mas achei massa”, resumiu. Yana vende bijuterias e bolsas de lã peruanas para pagar o cursinho onde se prepara para o Enem e o curso de psicologia. Divide a barraca montada no disputado gramado com a artesã Adriana Maria Souza, que também parte de BH para Lavras Novas nos feriados. “O público aqui mudou muito. Antes, tinha um pessoal que gostava mais do estilo hippie. Hoje, o pessoal que vem aqui só compra aquilo que está na novela”, define Adriana.


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