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Estado de Minas

Famílias de jovens mortos em BH cobram punição para responsáveis

No dia em que enterraram os filhos, mães de Matheus Salviano, morto por ladrões,e Leandro Trindade, atropelado quando trabalhava, pedem punição dos responsáveis


postado em 10/02/2014 06:00 / atualizado em 10/02/2014 09:32

(foto: Reprodução Facebook)
(foto: Reprodução Facebook)

As famílias do estudante Matheus Salviano Botelho de Morais, de 21 anos, e do motorista Leandro Trindade do Nascimento, de 29, provavelmente nunca se encontraram ou tiveram qualquer tipo de contato. Mas na manhã de ontem, no mesmo horário, separados por alguns quilômetros,  as mães de Matheus e Leandro, confortadas por amigos, compartilharam a dor de enterrar seus filhos, vítimas de dois tipos de violência cada vez mais comuns: a criminalidade e a imprudência no trânsito.

Matheus foi assassinado a tiros por dois assaltantes que roubaram seu carro, na noite de sexta-feira, no Bairro Gutierrez, na Região Oeste de Belo Horizonte. Leandro morreu atropelado na manhã de sábado na Avenida Raja Gabáglia, no Bairro Estoril, na mesma região, pelo motorista Germano Pinheiro Stein Pena. Leandro trabalhava no momento em que foi atropelado, entregando pães. Já Germano admitiu aos policiais ter bebido antes de dirigir, mas se recusou a fazer o teste do bafômetro.

Ontem, no Cemitério Parque da Colina, onde o corpo de Matheus foi sepultado, e no Cemitério da Paz, onde ocorreu o enterro de Leandro, além da tristeza e da impotência diante da violência, as famílias das vítimas tinham em comum o clamor por justiça e punição dos responsáveis pelas mortes.

Ontem teve jogo do Cruzeiro no Mineirão, mas ninguém da turma do Colégio São Paulo foi. Os jovens tiveram que enterrar o mais fervoroso dos torcedores celestes, que, aliás, tinha lugar cativo no estádio e iria à partida contra o América. Indignados, eles se despediram de Matheus, baleado, mesmo sem reagir, por dois ladrões que levaram seu carro e sua vida na sexta-feira, às 22h, quando saía da casa de um amigo no Bairro Gutierrez. Com Matheus, foram embora o sorriso largo, os sonhos de um intercâmbio no exterior, o aprendizado de alemão e a conclusão do curso de engenharia de produção.

O corpo de Matheus foi sepultado por volta das 10h, no Cemitério Parque da Colina, no Bairro Nova Cintra, na Região Oeste, acompanhado por um cortejo de centenas de pessoas, a maior parte jovens. Na hora do enterro, os pais pediram somente para abrir o caixão e dar o último beijo no rosto do filho. “Quero que Deus me ilumine para eu saber por que Matheus morreu dessa forma”, disse a mãe, Ângela da Fonseca, 51 anos. Os amigos puxaram uma salva de palmas para homenagear o garoto, muito ligado à família, e lembrado pelo seu jeito pacífico. “Ele era o certo da turma, muito inteligente, brincalhão, nunca bebia quando dirigia, era especial”, contou o amigo de infância Caio Bessa, de 21.

Apaixonado pelo Cruzeiro, Matheus cursava o 4º período de engenharia de produção no Ibmec e namorava a colega de sala Luciana Tobias desde o ano passado. Morava com a mãe e o irmão no Bairro Grajaú, também na Região Oeste. Com os amigos, planejava uma viagem de dois meses para os Estados Unidos, em julho, provavelmente. Também pretendia aprender alemão. Prestativo, era quem levava o irmão mais novo, Gabriel, de 13, ao colégio todos os dias.

Além do sorriso, a solidariedade era uma das marcas do estudante. “Fiz uma cirurgia de correção da miopia e o Matheus, espontaneamente, quis vir me visitar. Saiu quase 22h da minha casa, e 10 minutos depois escutamos viaturas e soubemos que tinha sido baleado por assaltantes”, contou, emocionado, Victor Lage, de 21, amigo de Matheus desde os 3 anos. Assaltado outras duas vezes, Matheus nunca reagiu a nenhum dos crimes e manteve a postura pacífica no momento em que foi morto.

O assassinato de Matheus ocorreu na esquina das ruas Almirante Tamandaré com Estácio de Sá, a alguns quarteirões do Comando da 4ª Região Militar do Exército. Os dois ladrões deram três tiros no jovem e levaram o veículo, um Fiat Punto. “Já roubaram retrovisor, quebraram vidro de carro, mas nunca tinha acontecido nada assim lá perto. Estou indignado, o Matheus nunca fez mal a ninguém”, afirmou Victor. Para homenagear o estudante, os amigos fizeram uma camiseta com os dizeres “A dor de ter perdido não supera a alegria de um dia ter possuído”.

Justiça

O tio e padrinho de Matheus, o empresário Benedito Rezende, de 58, afirma que a expectativa da família agora é uma investigação firme da Polícia Civil para que os assassinos sejam encontrados e punidos. “Queremos justiça para que isso não aconteça com outras pessoas”, diz. Benedito mora em um prédio próximo ao local do crime e disse que as câmeras do edifício mostram Matheus indo buscar o carro e, depois, o veículo passando em alta velocidade. “A diferença entre um momento e outro é de um minuto. Mas nas imagens não conseguimos identificar os assaltantes”, lamentou. De acordo com a Polícia Civil, o caso começa a ser investigado hoje.

Buritis
Em 28 de janeiro, o advogado e funcionário da Câmara Municipal de Belo Horizonte Christiano D’Assunção Costa, de 34 anos, foi morto por assaltante dentro do seu carro quando saía de uma academia no Bairro Buritis, na Região Oeste da capital. Foi abordado por um homem armado, que teria batido no vidro e ordenado sua saída. Segundo a PM, com base em relatos de testemunhas, o veículo se movimentou e dois tiros foram disparados. Um acertou a nuca e outro a cabeça do rapaz. Os assaltantes não levaram nada. A polícia, até o momento, não prendeu ninguém pelo assassinato de Christiano.

 

Para evitar mais mortes

Em meio à tristeza e à descrença na condenação do estudante de economia Germano Pinheiro Stein Pena, de 22 anos, que atropelou e matou o motorista Leandro Trindade do Nascimento, de 29, sábado de manhã na Avenida Raja Gabaglia, na Região Oeste de Belo Horizonte, pais e amigos da vítima fizeram questão de afirmar que a Justiça deve prevalecer, mesmo achando que o fato de Germano ser de uma família de classe média alta pode impedir que ele seja punido. “Pelo que a gente vê aí, acho que ele fica pouco tempo na cadeia. Com dinheiro tudo pode, né? Quero que ele pague pelo crime. Se sair livre, pode fazer a mesma coisa: beber e atropelar outra pessoa”, disse a mãe de Leandro, a agente comunitária de saúde Anete Trindade do Nascimento, de 59.

O corpo de Leandro foi enterrado ontem às 10h, no Cemitério da Paz, no Bairro Caiçara, Região Noroeste de Belo Horizonte, e enquanto consolavam os parentes do rapaz, seus amigos lembravam a vida difícil do motorista, que era solteiro, sem filhos e tinha dois empregos, tudo para ajudar a família. Trabalhava como entregador de uma padaria das 5h às 13h, de segunda a sexta-feira. Recebia R$ 796,60 por mês, salário registrado em sua carteira de trabalho. Das 14h às 18h, era motoboy de uma agência franqueada dos Correios, com remuneração de R$ 804,32. Na padaria, também trabalhava nos fins de semana, sábado ou domingo, das 4h40 às 13h. No sábado, quando foi atropelado, estava fazendo a segunda entrega do dia na companhia de outro motorista, Tiago dos Santos, de 31. “Era para ele estar de folga, mas trocou com um colega”, informou Tiago.

O rapaz fez a troca porque planejava levar a mãe ontem para visitar um irmão, internado em uma clínica para dependentes químicos para se livrar da bebida. Leandro era muito carinhoso com os pais, com quem sempre morou no Bairro Guarani, Região Norte. “Ele nos apoiava muito em casa, inclusive financeiramente”, atesta Anete. Começou a trabalhar na infância, ajudando de graça um amigo carregador de um depósito de material de construção. Para contribuir com a renda familiar, largou a escola após concluir o 1º ano do ensino médio. Aos 15, conseguiu o primeiro emprego remunerado: empacotava correspondência para uma franqueada dos Correios.

A carteira profissional só foi assinada em 2009, quando se tornou operador de produção em uma fornecedora de carrocerias e peças da Fiat. Precisou largar o emprego porque voltou a sentir dor nas articulações, sintoma bastante frequente dos 7 aos 18 anos, quando tomou remédios controlados para se tratar de febre reumática. Fez um curso técnico de vigia, função que exerceu apenas uma vez, em um restaurante. A participação de Leandro nos gastos da família se tornou ainda mais importante a partir de 2007, quando o pai, Ivaldo Monteiro do Nascimento, hoje com 56 anos, se aposentou por invalidez por causa de uma artrite reumatoide.

Por causa da doença, Ivaldo, com quem Anete teve outros quatro filhos, ex-ajudante em um depósito de material de construção, precisa tomar remédios caros, cujos custos eram em parte bancados por Leandro. O rapaz era alegre e carismático, segundo parentes e amigos. “Ele nunca fumou nem bebeu. A maior diversão era jogar futebol e videogame. Era amigo demais, brincalhão, só sorrisos. Qualquer coisa que a gente precisasse, ele ajudava na hora”, descreve o amigo André Sellara. A mãe diz que o filho já tinha pedido demissão do emprego na padaria para tocar o próprio negócio. “Eu arrumei um dinheiro emprestado para que ele e um primo iriam vender sorvete e instalar um chaveiro. Estava construindo um sonho”, diz Anete.

Soltura

No fim da noite de ontem, Germano Pinheiro deixou o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) da Gameleira, Região Oeste. O advogado do estudante, Rogério Flores, informou à tarde que já havia pedido o relaxamento da prisão do seu cliente. As despesas do velório e do enterro de Leandro foram pagas pela família do atropelador, que subia a Raja Gabaglia no sentido BH Shopping no volante de um Hyndai Ix35 quando atingiu Leandro, que estava rente à porta de um Fiorino que usava para entregar pães.

“Pagar o enterro era o mínimo que tínhamos de fazer. Vamos manter contato com a família (de Leandro) para construir uma solução”, diz o advogado de Germano, referindo-se à possibilidade de a família do preso entrar em um acordo com os parentes da vítima. Flores evita informar qual medida judicial foi tomada para tentar a soltura de seu cliente. “Estamos tomando as providências que a lei permite e são cabíveis nesse caso”, informa. A pena para homicídio com dolo eventual varia de seis a 20 anos de prisão. No sábado, o pai de Germano negou que o filho tivesse bebido.


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