
Histórias de sofrimento e superação desembarcam todas as manhãs em Belo Horizonte. São levas de pacientes que chegam do interior em busca de tratamento, depois de passar a madrugada na estrada para conseguir chegar antes das 7h. Porém, o que não falta depois do atendimento é tempo para contar seus dramas. Muitos têm consulta pela manhã e aguardam até a noite para voltar para casa. Isso só é possível quando o último passageiro é liberado pelos médicos. Debaixo do sol escaldante da tarde, e contando com a solidariedade de comerciantes para usar o banheiro, a dona de casa Saraíze Israel, de 43 anos, mãe social do pequeno Tiago, de 10 meses, que vive em um abrigo em Pitangui, no Centro-Oeste, faz de tudo para aliviar o calor da criança. Protegidos pela sombra de uma árvore, Saraíze troca as fraldas e alimenta o bebê sentada na calçada, pois a Praça Hugo Werneck, na Região Hospitalar, não tem bancos suficientes para tanta gente doente. “Ele nasceu prematuro e tem convulsões”, conta a dona de casa, satisfeita por ter conseguido consulta para a crian;a no Hospital João Paulo II. “Pegamos a van às 2h30 da madrugada e chegamos aqui às 6h. Ele foi atendido logo que chegou, mas a van só volta depois das 16h.”
A lavradora Maria Terezinha Alves de Moura, de 55, de Curvelo, na Região Central, vencida pelo cansaço, se estirou no gramado. “Tenho câncer de mama e me trato há quatro anos em BH. Planto milho, corto cana e pego até no arado, mas não aguento mais nada e essa viagem é muito cansativa. Muitos conhecidos meus já morreram de câncer lá no interior: na garganta, no pulmão, intestino. Se tivesse mais médico por lá, eles poderiam estar vivos”, avalia.
O cansaço de vir até a capital é só uma dor a mais para muitos desses pacientes. Marta Carla Fernandes de Souza, de 45, doméstica em Ipanema, no Vale do Rio Doce, sofre de lesões nos nervos e na retina ocasionadas pelo diabetes. Ela se emociona ao contar que precisou recorrer ao Ministério Público para conseguir tratamento pelo SUS. “Chorei na audiência com o promotor de Justiça. Eu disse a ele que precisava mais do tratamento do que de comer”, contou Marta. Ela também entrou na Justiça para conseguir remédios e tem audiência marcada para o dia 19.
Outra que recorreu à Justiça, nesse caso para garantir o tratamento do filho, foi a cabeleireira Valdirene de Fátima Gomes, de 41, de Abaeté, Região Central. Lucas Yank, de 6, tem catarata congênita e nasceu com o cristalino opacificado, além de estrabismo. “Meu filho tinha 1% de chance de voltar a enxergar com o olho esquerdo, mas o especialista disse que o tratamento já passou da hora”, lamentou a mãe.
TRANSTORNO E FOME Há quem enfrente o desgaste de sair de casa em busca de atendimento e saber que o calvário está longe do fim. Depois de um ano e 10 meses viajando a Belo Horizonte e voltando para sua cidade, a dona de casa Célia Aparecida Camilo, de 57, de Três Pontas, Sul de Minas, ficou sabendo que a sua cirurgia de redução de estômago só deve sair em fevereiro de 2014. Até lá, ela ainda vai ter que conviver com seus 150 quilos, que afetam a saúde. “Já cheguei a 187 quilos. Mas minha pressão continua muito alta”, disse.
Balconista em Ubá, Zona da Mata, Élcio Dorigueto, de 50, viajou de ônibus para Belo Horizonte e ficou preso na estrada por causa de um acidente. “Duas carretas bateram de frente e pegaram fogo”, disse. A radioterapia no olho direito dele estava marcada para as 12h30, na Santa Casa, mas ele só chegou às 15h45. “Estou me recuperando para fazer outra cirurgia. O problema no olho foi diagnosticado por um médico da minha cidade, mas ele não fez a biópsia. Mexeram tanto que virou um tumor. Agora, posso perder a visão”, lamentou o balconista.
Terezinha da Costa, de 56, lavradora em Simonésia, na Zona da Mata, que há três anos trata dos olhos na capital, se comove com pacientes que ganham o transporte dos municípios, mas não têm dinheiro nem para comer um cachorro-quente em Belo Horizonte. “Quem não tem dinheiro para pagar médico particular sofre muito. E olha que tem gente de Simonésia que fica o dia inteiro com fome, na praça, até a hora de a van voltar.”
A dor de cada um
As principais demandas de algumas das secretarias que precisam buscar em outras cidades socorro para seus pacientes
1) Bambuí
Maiores demandas: endocrinologista e dermatologista
2) Mutum
Maiores demandas: neurologista, otorrino, psiquiatra
3) Conselheiro Lafaiete
Maiores demandas: casos que demandam cirurgia e alta complexidade
4) Curvelo
Maiores demandas: tratamento e suporte a pacientes oncológicos
5) Estrela do Indaiá
Maior demanda: psiquiatra
6) Dores do Indaiá
Maiores demandas: mastologista, cirurgião-geral, ginecologista, neurologista, endocrinologista, neurologista e oftalmologista
7) Moema
Maiores demandas: carência em todas as especialidades e demora para conseguir consultas em outros municípios
8) Barbacena
Maiores demandas: ortopedista, neurologista, pediatra cirúrgico e oftalmologista
9) Quartel Geral
Maior demanda: alta complexidade. Pacientes vão para Abaeté, Dores do Indaiá, Sete Lagoas ou BH
10) Ipanema
Maiores demandas: alta complexidade, cujos pacientes vão para cidades polo mais próximas
11) Simonésia
Maiores demandas: ortopedista, angiologista, cardiologistas e nefrologista. Pacientes são mandados para Manhuaçu, Muriaé
e Belo Horizonte
12) Itaúna
Maiores demandas: clínico-geral, proctologista, psiquiatra e cardiologista
13) Coronel Fabriciano
Maiores demandas: alta complexidade e procedimentos cirúrgicos de ortopedia de média e de alta complexidade eletivos
14) Abaeté
Maiores demandas: atenção primária, oncologista e otorrino
15) Três Pontas
Maiores demandas: neurocirurgião e cirurgião cardiovascular. Cirurgias de alta complexidade são feitas em outros municípios
16) Pitangui
Maiores demandas: tomografia computadorizada, endocrinologista, neurologista, pneumologista e otorrino
17) Inimutaba
Maiores demandas: dermatologista, cardiologista, ortopedista, endocrinologista, psquiatra, otorrino e neurologista. Especialidades são atendidas em Curvelo e oncologia, em BH
18) Materlândia
Maiores demandas: clínico-geral para o PSF. Casos de urgência e emergência vão para Ganhães e Sabinópolis. Alta complexidade é atendida em BH e hemodiálise, em Diamantina.
19) Diamantina
Maiores demandas: otorrino, urologista, oncologista, dermatologista, pneumologista e gastroenterologista
20) Bom Despacho
Maiores demandas: neurocirurgião e ortopedista para maior complexidade; médico para o PSF e leitos de CTI
21) Maravilhas
Maiores demandas: atendimento especializado em geral. Pacientes são mandados principalmente para Sete Lagoas.
22) Piedade dos Gerais
Maiores demandas: psiquiatra, urologista e ortopedista. Casos que demandam atendimento especializado vão para Betim ou BH
23) Barão de Cocais
Maiores demandas: nefrologista, hepatologista e neurocirugião. Cirurgias de alta complexidade são encaminhadas para BH
24) Santa Maria de Itabira
Maiores demandas: atendimento especializado em geral. Pacientes são mandados principalmente para Itabira e BH
25) Perdões
Maiores demandas: ortopedista e dermatologista. Casos mais complexos vão para cidades polo ou para BH
