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Estado de Minas

Trotes humilhantes continuam acontecendo apesar de proibição das universidades

Mesmo proibida, prática resiste nas universidades federais e desafia instituições de ensino a acabar com atitudes que expõem calouros a situações constrangedoras


postado em 02/06/2013 07:01 / atualizado em 02/06/2013 09:51

Estudantes da UFMG humilhados em atos impostos por veteranos no câmpus da Pampulha e na Faculdade de Direito(foto: Reprodução Facebook)
Estudantes da UFMG humilhados em atos impostos por veteranos no câmpus da Pampulha e na Faculdade de Direito (foto: Reprodução Facebook)

Dois incidentes envolvendo estudantes que participavam de trotes em universidades federais mineiras comprovam que, embora proibida, a prática persiste no ambiente acadêmico. Um deles ocorreu em março com alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e teve repercussão nacional com fotos divulgadas nas redes sociais. As imagens mostram uma estudante com o corpo pintado com tinta preta, acorrentada e puxada por um veterano. Ela ainda carregava uma placa com os dizeres “caloura Chica da Silva”, em referência à famosa escrava que viveu em Diamantina no século 18. Em outra imagem, um calouro está amarrado a uma pilastra enquanto três veteranos fazem uma saudação nazista. Há poucos dias, a situação se repetiu, dessa vez com alunos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), nos Campos das Vertentes. Vinte e três veteranos foram presos, acusados do crime de constrangimento ilegal contra calouros que foram pintados e levados às ruas para pedir dinheiro.


Os dois exemplos são uma demonstração de que os alunos veteranos resistem a acabar com o trote e continuam a expor os calouros a situações vexatórias e abusivas. A justificativa para essa resistência é que se trata de um rito de passagem do ensino médio para o superior e um momento de integração entre calouros e veteranos. E a desobediência às determinações da direção das instituições de ensino é generalizada. Levantamento feito pelo Estado de Minas em 191 dos 502 cursos superiores oferecidos por univeresidades públicas no estado mostra que o trote ainda persiste em 137 deles, o que representa 71% do total. Enquanto calouros e veteranos acham a prática normal e descontraída, representantes das universidades veem o trote como algo violento, vexatório e humilhante. Nesses eventos, os calouros são submetidos a situações como o corte de cabelo forçado, pintura no corpo e mendicância nas ruas, entre outras.

Diante da desobediência dos universitários, uma pergunta: por que é tão difícil barrar o trote? Para especialistas, a manutenção da prática é uma questão cultural. É o que explica um dos membros da Diretoria Executiva da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o reitor da Universidade Federal de Alfenas Paulo Márcio de Faria e Silva. “Entendo como uma questão de cultura dos jovens que chegam e inclusive acham que têm o direito de receber o trote, sob pena de não serem acolhidos pelos alunos que já estão estudando”, diz. Por outro lado, afirma Silva, “os veteranos veem a prática como uma demonstração de poder por terem chegado antes à universidade”.

A faixa etária dos alunos – a maioria entre 17 e 20 anos – e o consumo exagerado de bebida alcóolica estão entre os fatores que reforçam a repetição da situação, como lembrou o especialista. Segundo ele, a maior parte dos calouros está saindo da adolescência e deixando o ambiente familiar pela primeira vez. Vão morar sozinhos ou em repúblicas, como é o caso daqueles que se mudam de cidade para estudar. “São meninos que querem experimentar o sentimento de liberdade e encontram, fora de casa, um cenário que oferece as condições para que isso ocorra”, afirma o diretor da Andifes.

Paulo Silva fala do esforço conjunto das instituições em frear o trote universitário e diz que Minas não tem situação diferente do restante do Brasil. “A questão ligada ao trote ocorre indistintamente em todo o país. Cada entidade tem autonomia para criar suas regulamentações, mas o repúdio a essas manifestações de violência física ou moral é um sentimento comum a todas”.

FORA DOS PORTÕES Se nos câmpus já é difícil impedir os trotes, nas ruas das cidades onde as universidades estão instaladas é praticamente impossível. Em Alfenas, no Sul de Minas, a universidade proibiu a prática em 2008. “Mas ainda não conseguiu impedir que os calouros sejam levados às ruas com o corpo pintado e os cabelos raspados pelos veteranos. Também são colocados em fila para marchar e obrigados a pedir dinheiro no semáforo para financiar festas para os veteranos”, conta o reitor. A cidade convive com um caso trágico de trote. De acordo com Silva, há cerca de 20 anos um estudante se feriu em uma praça da cidade durante o trote e ficou paraplégico. Há seis anos, houve abertura de um processo para apurar um desses eventos. Imagens de vídeo foram analisadas, mas ninguém foi identificado nem punido.

Em São João del-Rei, onde um trote violento virou caso de polícia nos dias 22 e 23 de maio, quando alunos de zootecnia e de engenharia elétrica da universidade federal da cidade foram presos, acusados do crime de constrangimento ilegal contra calouros, a proibição da prática está em vigor desde 2009. Há ainda uma lei municipal, aprovada no ano passado, que também considera a prática ilegal. O pró-reitor de graduação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) Marcelo de Andrade, explica que o veto foi uma forma de barrar as manifestações, que para ele são consideradas uma exposição dos alunos e um desrespeito à dignidade humana. Trotes solidários, como a arrecadação de alimentos para doação, são bem-vindos na instituição, segundo o reitor.

Palavra de especialista

Quezia Bombonatto, psicopedagoga e presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia ( ABPp)

AGRESSIVIDADE EM ALTA

“Para os estudantes que entram na universidade, o trote representa um rito de passagem, o marco para um novo ciclo da vida. Só que, ao longo dos anos, esses ritos tomaram uma dimensão de agressividade, se tornaram cada vez mais violentos. O que antes se resumia em uma acolhida com atividades como pintar o rosto e cumprir metas atualmente tem conotação sádica marcada por uma relação de poder. Então, para ser aceito, o calouro precisa aguentar as exigências dos veteranos, fazer pedágio nas ruas para financiar festas e passar por tantas outras situações humilhantes e vexatórias. A idade dos praticantes e dos que recebem o trote também influencia. São adolescentes que acham que podem tudo e que cada vez mais têm limites menos rígidos em casa e na sociedade. Eles acham que limite é sinônimo de repressão e vivem a era do hedonismo, em que o que mais importa é o prazer. As drogas e o álcool dão uma dimensão ainda maior a esses atos e a impunidade dentro das instituições dificulta a extinção do trote estudantil.”


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