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Estado de Minas

Morte de brasileiros no Peru completa um ano sem respostas

Mistério ainda cerca o ocorrido com engenheiro mineiro e geólogo paulista


postado em 24/07/2012 06:00 / atualizado em 24/07/2012 07:30

Mário Gramani e Mário Augusto faziam levantamento em área próxima ao Rio Marañon, em Pión, onde seria instalada uma hidrelétrica que desagradava os arrozeiros da região(foto: Paulo Henrique Lobato/EM/D.A Press - 5/8/11)
Mário Gramani e Mário Augusto faziam levantamento em área próxima ao Rio Marañon, em Pión, onde seria instalada uma hidrelétrica que desagradava os arrozeiros da região (foto: Paulo Henrique Lobato/EM/D.A Press - 5/8/11)


A morte do engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt e do geólogo paulista Mário Gramani Guedes completa um ano amanhã e o mistério sobre o que aconteceu na floresta amazônica peruana ainda está longe de chegar ao fim. A pedido das famílias e com apoio da Embaixada do Brasil em Lima, o prazo de encerramento do inquérito foi ampliado por mais 180 dias, período que vence no final de agosto. Se não fosse assim, o caso teria sido arquivado por falta de provas em fevereiro. Dois camponeses da região foram indiciados, mas o irmão de Mário, Carlos Gramani Guedes, suspeita do envolvimento dos dois peruanos que acompanhavam os brasileiros na trilha à beira o Rio Marañon, na cidade de Pión – José Antonio Suazo Bellacci e Fausto Edurino Liñan Turriate. Os quatro faziam levantamento na área para a construção de uma usina hidrelétrica.

“Houve pouco avanço. Acordo e durmo pensando nisso. Não temos paz. Eu quero saber o que aconteceu com meu marido. Fico revoltada com a incompetência e a irresponsabilidade da empresa. A Leme diz que está fazendo, mas não mostra resultado. Meu marido não queria ir. Tinha estado no Peru uma semana antes e comentou que o clima estava ruim. Minha sogra ouviu uma conversa dele, dizendo que não havia necessidade daquela viagem, que estava indo obrigado. Demore o tempo que for, vou correr atrás de uma resposta”, promete a viúva Fátima Bittencourt, esposa de Mário Augusto.

Liliana, mulher de Mário Guedes, viajou ontem para os Estados Unidos para passar a data longe de casa. “Faz um ano que a gente vive nessa luta. É um absurdo tratar a morte de dois brasileiros que viajaram a trabalho dessa forma”, desabafa.

Telefonemas

Segundo Carlos Gramani, o advogado indicado pela Embaixada que representa as famílias e acompanha as investigações solicitou à Justiça a quebra do sigilo telefônico dos brasileiros e dos funcionários da empresa local SZ Engenharia. Guedes diz que os dois prestaram depoimentos inverossímeis para justificar o fato de terem abandonado os brasileiros na mata. Há alguns anos, a região vinha sendo palco de manifestações contrárias à instalação da usina, inclusive com a morte de policiais e camponeses, produtores de arroz, durante confronto. Geólogo da empresa peruana, Liñan foi obrigado a deixar o lugar sob pedradas um ano antes. Apesar disso, porém, os funcionários da SZ Engenharia dispensaram um guia para acompanhá-los nos trabalhos.

“Existe aí uma omissão dolosa. As pessoas sabiam do risco e eles foram sem proteção nenhuma. Como dispensaram o guia, os peruanos eram os responsáveis pelas vidas do engenheiro Bittencourt e do meu irmão. Houve uma omissão com intenção. O inquérito está sendo direcionado para os dois camponeses, mas eles têm um álibi muito forte. O fato é que os dois brasileiros foram enviados ao Peru de maneira negligente, sem um plano de trabalho, e foram deixados a própria sorte”, afirma o irmão do geólogo paulista. “Dizer que eles tiveram morte natural ou golpe de calor é um absurdo, um insulto.”

Carlos diz que os depoimentos dos funcionários peruanos não fazem sentido. À polícia, Suazo e Liñan contaram que Bittencourt sentiu dores no joelho com cinco quilômetros de caminhada e decidiu se sentar na estrada. Os dois peruanos e Guedes teriam continuado o trajeto e, no retorno, já não teriam mais encontrado o engenheiro brasileiro. Neste momento, Guedes também teria decidido ficar sozinho, à espera dos peruanos que desceram até a beira do rio para fotografar. Na versão dos funcionários da SZ Engenharia, quando voltaram, Guedes também havia desaparecido.

“Eles eram muito experientes e jamais se deixa ninguém para trás, assim, na mata. Enquanto eles estavam desaparecidos, segundo a polícia, alguém usou o telefone do meu irmão e fez ligações para os camponeses suspeitos e para os funcionários peruanos. Mas o próprio Suazo disse em depoimento que os telefones ficaram na caminhonete, no início da estrada. Ele entregou os aparelhos para a polícia dias depois. Não acreditamos que isso tenha acontecido. Eles não deixariam os telefones no carro sabendo que ali tinha sinal”, acredita. “O GPS poderia indicar a localização, mas a Justiça negou”, lamenta Carlos. À polícia, os peruanos disseram suspeitar de dois camponeses da região: Juan Zorrilla Bravo e Jésus Sánchez.

Encontros

A Embaixada do Brasil em Lima diz que o caso é acompanhado por gestões de alto nível e que o embaixador já esteve com os ministros peruanos da Justiça e do Interior, responsável pela polícia. O ministro da Justiça do Brasil, José Eduardo Cardozo, esteve há dois meses naquele país e também reforçou aos ministros locais que a sociedade brasileira espera uma resposta. A ampliação do prazo do inquérito é avaliado por diplomatas como uma vitória, mas a esposa de Bittencourt vê lentidão e falta de interesse em concluir as investigações. O caso foi assumido pela Fiscalía Provincial, autoridade máxima de investigação que se assemelha ao Ministério Público.


Advogado recorreu à presidente

Durante um ano de muitas dúvidas e poucas respostas, a única certeza das famílias é de que Mário Augusto e Mário Guedes foram assassinados. Ainda assim, um funcionário da Embaixada do Brasil em Lima que acompanha o caso e pediu para não ser identificado diz que ainda não há provas contundentes disso. Segundo o irmão de Mário Guedes, Carlos Gramani, o corpo de Bittencourt foi encontrado longe dos óculos que ele usava, o que, para ele, causa estranheza. A máquina fotográfica do engenheiro mineiro registra o início da caminhada, mas teve a penúltima foto apagada. Nos pedidos encaminhados à Justiça pelo advogado peruano que representa as famílias, apenas a perícia no equipamento foi determinada. Ele já recorreu à presidente Dilma Rousseff por carta, sem retorno. “Conto com a sensibilidade dela porque dois trabalhadores brasileiros foram mortos a serviço no Peru, quando ela estava lá, inclusive”.

Carlos Guedes pede ajuda à Leme Engenharia e quer que a empresa, com filial no Peru, use sua estrutura para solicitar novamente a quebra dos sigilo telefônicos - uma vez que os números estavam registrados em seu nome - e digital, mostrando a troca de e-mails entre os brasileiros e pessoas envolvidas com o projeto de construção de uma usina hidrelétrica na selva peruana. “Sozinho fica muito difícil. As investigações correm a passos de cágados e a impressão que dá, depois da má vontade do perito peruano, é de que eles querem deixar rolar até a gente desistir, o que não vai acontecer. Quero saber quem matou meu irmão”.

Por nota, a Leme Engenharia informou que o presidente da empresa, Flávio Campos, esteve na Embaixada do Brasil em Lima no dia 11 de julho para cobrar “efetividade, agilidade e máximo empenho nas investigações”. A empresa ressalta que não tem como intervir diretamente na apuração porque apenas os suspeitos e as famílias das vítimas são tidas partes e, assim, têm acesso ao processo. No entanto, a nota afirma que a empresa acompanha o caso e que está analisando os celulares, máquinas fotográficas e roupas usadas pelos brasileiros. A Leme disse ainda que forneceu à Fiscalía o mapa da região com anotações em GPS dos principais pontos mencionados nos depoimentos.

A empresa também contratou um perito norte-americano para analisar amostras de tecidos em um laboratório dos Estados Unidos e o relatório está em fase de conclusão. A família do engenheiro Mário Bittencourt não autorizou a análise por considerar que não haveria resultado diferente do que já foi divulgado por perícias no Brasil tanto tempo depois.

Entenda o caso

• 23/7: O engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, de 61 anos, e o geólogo paulista Mário Gramani Guedes, de 57, chegam no Peru para fazer estudos de viabilidade para construção de uma usina hidrelétrica na amazônia peruana.

• 25/7: A dupla acompanhada de um geólogo e um engenheiro peruanos – José Antonio Suazo Bellaci e Fausto Liñan Turriata – começam os trabalhos. Bittencourt sente dores no joelho e os colegas seguem em busca de ajuda. Na volta, meia hora depois, o engenheiro mineiro não estava mais lá. Guedes ficou no mesmo local e os peruanos seguiram na tentativa de chegar ao Rio Marañon. Quando retornaram, após uma hora, Guedes também havia desaparecido.

• 27/7: A polícia peruana encontra os corpos dos dois brasileiros às 8h a 100 metros da estrada principal. Nada foi roubado e não havia marcas de violência. Dois camponeses são investigados: Juan Zorrilla Bravo, líder comunitário que participou das manifestações contra usinas hidrelétricas, e Jésus Sanchéz, que teria oferecido água aos brasileiros no início da caminhada. Eles negaram envolvimento.

• 31/8: O Instituto Médico Legal (IML) de Brasília divulgou que os exames patológicos e toxicológicos não detectaram nenhum tipo de veneno para os padrões e dosagens pesquisados. Os testes foram feitos com pelo menos 10 tipos de veneno mais frequentes em casos de assassinato.

• 1º/9: O IML de Belo Horizonte confirmou que o engenheiro mineiro não morreu de causas naturais. Peritos analisam 816 substâncias e não encontram elementos comuns em envenenamentos, como medicamentos, estricnina, cianureto ou arsênico. Segundo o IML, duas hipóteses não puderam ser descartadas: a de envenenamento por substâncias orgânicas e sufocamento.

• 16/9: Os testes laboratoriais feitos em Lima tiveram resultado inconclusivo. Um advogado contratado pela Leme Engenharia enviou as roupas das vítimas para perícia particular, que apontou sangue e vômito, indícios de envenenamento.

• 4/12: Data de conclusão do inquérito é prorrogada para 12 de janeiro

• 12/1: Conclusão do inquérito é prorrogado mais uma vez, para 18 de fevereiro.

• 2/2: Familiares pedem quebra do sigilo telefônico dos pesquisadores peruanos que acompanharam os brasileiros na caminhada. Os dois trabalham na SZ, empresa peruana contratada pela Leme Engenharia para dar suporte a Guedes e Bittencourt.

• 6/2: Familiares de Mário Guedes têm acesso a contas do celular corporativo e constatam oito ligações um dia depois de ele e o engenheiro Mário Bittencourt serem encontrados mortos, aumentando a suspeita de emboscada

• 18/2: Fim do inquérito é prorrogado pela terceira vez

• 5/5: Promotoria de Cumba, no Peru, concede prazo extra de oito meses para conclusão do inquérito alegando complexidade no caso.


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