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Estado de Minas

Seis meses de silêncio e indignação sobre mortes no Peru

Até hoje não foram esclarecidas as mortes dos dois brasileiros que trabalhavam no país andino


postado em 25/01/2012 06:00 / atualizado em 25/01/2012 06:34

Cláudio Bittencourt (D) no sepultamento do corpo do irmão, o engenheiro mineiro Mário, um dos dois brasileiros mortos em circunstâncias nebulosas(foto: cristina horta/em/d.a press - 2/8/11)
Cláudio Bittencourt (D) no sepultamento do corpo do irmão, o engenheiro mineiro Mário, um dos dois brasileiros mortos em circunstâncias nebulosas (foto: cristina horta/em/d.a press - 2/8/11)


Passados seis meses do suposto assassinato de dois brasileiros na Amazônia peruana, o mistério sobre as circunstâncias das mortes continua. As famílias do engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, de 61 anos, e do geólogo paulista Mário Gramani Guedes, de 57 anos, pediram nova prorrogação da investigação sobre o caso, que não evoluiu para a prisão de suspeitos e nem sequer resultou até agora em laudo sobre a causa da morte. Angustiados com a falta de respostas, parentes dos profissionais mortos a trabalho passaram a conduzir apuração paralela do crime, que envolveu a contratação de perito independente e até a ida ao Peru, apoiada pela empresa Leme Engenharia, onde ambos trabalhavam na área de projetos de usinas hidrelétricas.

Segundo Liliana Guedes, viúva de Mário Guedes, em conversa com os familiares das vítimas, o legista peruano indicou que iria concluir o laudo apontando “morte natural” de duas pessoas, simultaneamente, provavelmente em 25 de julho, durante trabalho de prospecção para a construção de usina hidrelétrica em acordo bilateral Brasil-Peru. “É uma vergonha. Está faltando empenho do governo brasileiro em mandar apurar em que circunstâncias morreram dois de seus cidadãos que estavam trabalhando lá fora”, protesta.

Entre as discrepâncias encontradas pela família está a falta de uma das fotos da máquina de Mário Bittencourt – que pode ter sido apagada –, a falta do cruzamento das ligações dos telefones celulares e incongruências nos depoimentos dos investigados. Principal suspeito, o líder comunitário Juan Zorrilla, que participou de manifestações contra a instalação de usinas hidrelétricas, teria estado na sede da empresa peruana SZ Engenharia, em 22 de julho, na sexta-feira anterior à segunda em que os dois desapareceram. A SZ era a empresa contratada pela brasileira Leme Engenharia para conduzir os trabalhos no país vizinho.

O embarque dos familiares ao Peru contou com a participação da Fiscalía de Cumba, misto de promotoria e delegacia de polícia peruana, encarregada das investigações, departamento que agora ganha novo prazo, até 12 de fevereiro, para encerrar o inquérito. Durante o encontro, o legista afirmou que os dois teriam morrido em função de um golpe de calor. “É impossível, pois naquele dia a temperatura estava em 24 graus centígrados e era inverno no Peru. E essa declaração contraria também a primeira hipótese deles, que era de hipotermia (consequência da exposição a baixas temperaturas). Depois, chegaram a falar que eles morreram em função de remédios, o que só foi descartado depois de mandarmos as receitas médicas dos medicamentos para pressão alta que os dois tomavam, o que é normal na faixa dos 60 anos”, completa a viúva. Segundo ela, há registros de fotos tiradas nas máquinas fotográficas dos dois até duas horas antes da morte. “Ninguém morre de golpe de calor e fica tirando fotos duas horas antes”, afirma.

“É um esculacho. Parece que há interesse em encobrir as coisas e não em descobrir. O legista peruano é médico, mas também é inca e a cultura deles lá é diferente. A proteção à natureza é um dogma para eles”, comenta o engenheiro Cláudio Bittencourt, irmão de Mário Bittencourt. Ele critica o fato de as roupas que os brasileiros usavam no dia não terem sido incluídas no inquérito. “Havia indícios de suco gástrico e de fezes. Vômito e diarreia são indícios claros de envenenamento”, compara.

Segundo ele, a comunidade peruana é claramente contrária ao acordo bilateral com o Brasil para a construção de diversas barragens no país vizinho. “O acordo é bom para o governo peruano, que vai receber royalties, e é bom para o Brasil, que terá energia limpa sem alagar as próprias terras. A população peruana é que fica com o passivo de inundar as terras agrícolas e as comunidades indígenas para a construção das represas. Eles não querem essas represas”, lembra.

 Apuração e mistério em terras peruanas

Em busca de informações que ajudassem a esclarecer o mistério que cerca a morte dos brasileiros, o Estado de Minas desembarcou no Peru pouco mais de 10 dias após a descoberta dos corpos. Em reportagem publicada em 7 de agosto, depois de levantamentos em cidades e na zona rural da região onde trabalhavam o engenheiro e o geólogo, o EM já mostrava a descrença de parentes em relação às hipóteses oficiais e ao andamento dos trabalhos. A apuração revelou também que o próprio Ministério Público local levantou elementos que levaram a promotoria a trabalhar com a hipótese de homicídio e a investigar dois camponeses pelas mortes. A falta de conclusões, tanto nos levantamentos realizados no país vizinho como em exames feitos no Brasil, passados seis meses do episódio, mostra que os temores dos parentes das vítimas eram mais do que justificados.



Falhas em série


Novos questionamentos levantados pelas famílias

» A falta de uma das fotos da máquina fotográfica de Mário Bittencourt, que pode ter sido apagada, não foi investigada

» Não foi feito o cruzamento das ligações dos telefones celulares

» Incongruências nos depoimentos dos suspeitos não foram exploradas

» O principal suspeito, o líder comunitário Juan Zorrilla esteve na sede da empresa peruana SZ Engenharia no dia 22 de julho, na sexta-feira anterior à segunda-feira, 25 de julho, dia em que os dois brasileiros desapareceram. A informação não consta nos autos

» O legista peruano levanta hipóteses seguidas para a morte: primeiro de hipotermia, depois de ingestão de remédios para pressão alta e a última de golpe de calor

» As roupas que os brasileiros usavam no dia não foram incluídas no inquérito. Havia presença de vômito e diarréia, possíveis indícios de envenenamento

Entenda o caso

  2011

  23 de julho


O engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, de 61 anos, e o geólogo paulista Mário Gramani Guedes, de 57 anos, desembarcam em Lima e seguem de avião para Chiclayo, no Norte do país, e de lá, de carro, para Jaén, a 600 quilômetros. Eles foram fazer estudos de viabilidade para construção de uma usina hidrelétrica na Amazônia peruana.

  25 de julho

O trabalho de campo começa cedo. A dupla brasileira, um engenheiro e um geólogo peruanos caminham por uma estrada abandonada por cerca de duas horas e meia. Segundo o depoimento dos peruanos, Bittencourt sentiu dor no joelho e se sentou à beira da estrada.

Guedes e os colegas seguem por um trecho de subida. Ao voltar, meia hora depois, já não encontram o engenheiro mineiro. Guedes, então, decide esperar no local pelos peruanos, que tentaram acesso por outra trilha para chegar ao Rio Marañon.

Os peruanos contam à polícia que retornaram uma hora depois e que Guedes também não estava no local. Segundo eles, a impressão foi de que os dois brasileiros teriam retornado para o carro estacionado no início da estrada, onde o motorista os aguardava.

O inquérito peruano indica que os funcionários da SZ Engenharia só perceberam o desaparecimento quando um outro colega, responsável pela logística, levou água aos pesquisadores e comentou que não havia cruzado com os brasileiros na estrada.

  27 de julho

Os dois corpos são encontrados pela polícia peruana às 8h, a 100 metros da estrada principal, em área de cerrado. A distância entre os dois era de 200 metros. Nada foi roubado e não havia marcas de violência, segundo a polícia.

Segundo o engenheiro e o geólogo peruanos, dois camponeses são investigados pela morte de Bittencourt e Guedes. Um deles, Juan Zorrilla Bravo, é líder comunitário e participou de manifestações contra usinas hidrelétricas. Ele teria atrapalhado as equipes de busca, conforme depoimento dos peruanos. O outro, Jésus Sanchéz, teria oferecido água aos brasileiros no início da caminhada.

Os corpos são examinados no Peru, mas não são detectados indícios de violência. A pedido das famílias, amostras são enviadas para análise no Brasil. Autoridades peruanas fazem reconstituição, com a participação de Zorrilla. Os acusados prestam depoimento e negam envolvimento nas mortes.

  31 de agosto

O Instituto Médico Legal (IML) de Brasília divulga resultado das análises histopatológicas e do exame toxicológico, que não detecta nenhum tipo de substância tóxica para os padrões e dosagens pesquisados. Os testes foram feitos com pelo menos 10 tipos de veneno mais frequentes em casos de assassinato. Venenos de plantas e cobras, por exemplo, não são testados.

  1º de setembro

O Instituto Médico-Legal (IML) de Belo Horizonte confirma oficialmente que o engenheiro mineiro não morreu de causas naturais. Os exames minuciosos, pedido exclusivo da família de Bittencourt, descartam outros tipos de morte violenta, mas não são conclusivos para análises toxicológicas.

Peritos do Setor de Antropologia testam 816 substâncias e não encontram elementos inorgânicos comuns em envenenamentos, como medicamentos, estricnina, cianureto ou arsênico. O estágio avançado de decomposição do corpo dificulta as investigações. Venenos orgânico – de ervas, répteis e anfíbios, por exemplo – são substâncias que se desintegram com o corpo. Nenhuma mordida de cobra é identificada.

Segundo o IML, duas hipóteses não podem ser descartadas: a de envenenamento por substâncias orgânicas e de sufocamento.

  16 de setembro

Testes laboratoriais feitos em Lima têm resultado inconclusivo. Os exames de sangue tiveram resultados negativos para as substâncias investigadas, assim como os das amostras de tecidos estudados – cérebro, fígado, baço, pâncreas, coração, pulmão e rim – porque as células já estavam em decomposição.

Advogado contratado pela Leme Engenharia envia as roupas das vítimas para perícia particular, que aponta traços de sangue e vômito, indícios de envenenamento.

  4 de dezembro

Inquérito que deveria ser concluído nesta data é prorrogado até 12 de janeiro


  2012

  12 de janeiro


A conclusão do inquérito é prorrogada de novo, desta vez para 18 de fevereiro


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