(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Parentes de brasileiros mortos no Peru amargam três meses sem esclarecimento

Grupo visita área e comprova clima de violência


postado em 05/11/2011 06:00 / atualizado em 05/11/2011 07:13

Sepultamento do corpo do mineiro Mário Bittencourt: erros e omissões de autoridades peruanas revoltam famílias(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Sepultamento do corpo do mineiro Mário Bittencourt: erros e omissões de autoridades peruanas revoltam famílias (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)


Três meses depois da morte misteriosa de dois brasileiros na Amazônia peruana, as investigações pouco avançaram e os suspeitos de assassinato ainda não passam de suspeitos. O engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, de 61 anos, e o geólogo paulista Mário Gramani Guedes, de 57, desapareceram em 25 de julho, quando faziam estudos para a instalação de uma usina hidrelétrica às margens do Rio Marañon, na região de Pión, no Norte do país. Eles foram encontrados mortos dois dias depois, com sinais de envenenamento. O local é palco de manifestações frequentes e até violentas de moradores contrários à construção de usinas. Mas, diante do resultado inconclusivo dos exames toxicológicos feitos em Lima, uma comissão brasileira esteve recentemente no país vizinho, a convite da embaixada brasileira, para cobrar empenho nas investigações, que tiveram prazo prorrogado. Nem mesmo o sigilo telefônico dos celulares dos brasileiros tinham sido quebrados. Somente agora autoridades peruanas decidiram rastrear os últimos passos do geólogo e do engenheiro.

Um dos elementos que causam estranheza à família do geólogo Mário Guedes é o fato de que a filha dele ligou para o celular do pai um dia depois da data em que ele teria morrido, segundo laudo cadavérico, e um homem teria atendido o telefone. O aparelho não foi apreendido dentro do carro em que viajavam os brasileiros e somente foi entregue à polícia local dias depois, por um dos engenheiros peruanos que acompanhavam o grupo. Irmão do geólogo Mário Guedes, Carlos conversou pessoalmente com o responsável pelo inquérito, Cesar Terrones, da Fiscalía do distrito de Cumba, órgão que se assemelha ao Ministério Público. Segundo ele, só agora a polícia vai identificar as ligações feitas e recebidas pelos brasileiros, bem como os locais por onde eles podem ter passado.

“Eu ainda tenho esperanças no bom senso dessa autoridade. Estive também com o médico legista que fez a necropsia dos corpos, mas ele sugeriu por diversas vezes que os dois tiveram morte súbita e não tivemos uma boa impressão. O exame toxicológico, que poderia comprovar o envenenamento, deu inconclusivo porque as amostras não foram armazenadas da forma correta, com refrigeramento, e só foram encaminhadas para Lima nove dias depois. É claro que os tecidos estavam em avançado estágio de decomposição. Mas chega a ser uma piada, um atentado contra a nossa inteligência, dizer que duas pessoas experientes como eram tiveram morte súbida ao mesmo tempo”, afirma Carlos Gramani Guedes.

O inquérito deve ser concluído até 4 de dezembro, já com o prazo ampliado. Ainda assim, a Fiscalía pode solicitar mais 60 dias para as investigações. As autoridades peruanas solicitaram às famílias das vítimas, via Itamaraty, um histórico médico completo. O documento será traduzido pelo próprio Itamaraty e encaminhado à Fiscalía de Cumba. Os dois engenheiros peruanos que faziam parte do grupo de trabalho sobre a instalação da hidrelétrica deverão ser ouvidos novamente. Foram eles que indicaram os suspeitos e informaram os momentos em que os camponeses se encontraram com o grupo.

Um dos suspeitos, de acordo com as investigações, é Juan Zorrilla Bravo, líder comunitário que participou de diversas manifestações contra usinas hidrelétricas. Durante as buscas pelos brasileiros desaparecidos, ele desviou as equipes da polícia, indicando caminhos que levavam para longe de onde os corpos foram encontrados dias depois. Dono de uma barraca no início da trilha, Jésus Sanchéz também é investigado por suposto envolvimento na morte. Amigo de Zorrilla, ele ofereceu água aos brasileiros no início da caminhada. A polícia peruana chegou a fazer uma reconstituição, mas os dois negam as acusações.

VIOLÊNCIA A viagem do grupo brasileiro ao Peru ocorreu há cerca de três semanas e a comissão pôde testemunhar como a situação é arriscada na região. Abordados por milicianos armados, os integrantes precisaram de escolta policial e coletas à prova de balas para deixar o lugar. Um policial federal adido à Embaixada do Brasil no Peru acompanhou o irmão do geólogo e um advogado contratado pelo governo brasileiro para acompanhar a visita. De Baguá Grande, cidade mais próxima de onde os brasileiros foram encontrados mortos e onde tiveram seus corpos examinados, o grupo seguiu para Lonya Grande, a três horas de distância, já na subida dos Andes.

“Numa estrada de terra, fomos parados por uma milícia. Quatro homens armados pediram dinheiro para que a gente pudesse passar. Depois, voltamos em viaturas policiais e com coletes à prova de balas. Ali, a vida não vale nada. A situação é muito precária. Isso é outro indicativo de que há um grande equívoco na avaliação de que eles morreram de causas naturais”, diz Carlos Gramani Guedes.


Entenda o caso


    23 de julho


O engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, de 61 anos, e o geólogo paulista Mário Gramani Guedes, de 57 anos, desembarcaram em Lima e seguiram de avião para Chiclayo, no Norte do país, e de lá, de carro, para Jaén, a 600 quilômetros.

Eles foram fazer estudos de viabilidade para construção de uma usina hidrelétrica na região da floresta amazônica peruana.

    25 de julho

O trabalho de campo começou cedo. A dupla brasileira, um engenheiro e um geólogo peruanos caminharam por uma estrada abandonada por cerca de duas horas e meia. Segundo o depoimento dos peruanos, Bittencourt sentiu dor no joelho e se sentou à beira da estrada.

Guedes e os colegas seguiram por um trecho de subida. Quando voltaram, meia hora depois, o engenheiro mineiro já não estava mais lá. Guedes, então, decidiu esperar no local pelos peruanos, que tentaram acesso por outra trilha para chegar ao Rio Marañon.

Os peruanos contaram à polícia que retornaram uma hora depois e Guedes também não estava no local. Segundo eles, a impressão foi de que os dois brasileiros teriam retornado para o carro e estacionado no início da estrada, onde o motorista os aguardava.

De acordo com o inquérito peruano, os funcionários da SZ Engenharia só perceberam o desaparecimento quando um outro colega, responsável pela logística, levou água aos pesquisadores e comentou que não havia cruzado com os brasileiros na estrada.


    27 de julho

Os dois corpos foram encontrados pela polícia peruana às 8h, a 100 metros da estrada principal, em área de cerrado. A distância entre os dois era de 200 metros. Nada foi roubado e não havia marcas de violência, segundo a polícia.

Segundo o engenheiro e o geólogo peruanos, dois camponeses são investigados pela morte de Bittencourt e Guedes. Um deles, Juan Zorrilla Bravo, é líder comunitário e participou de manifestações contra usinas hidrelétricas. Ele teria atrapalhado as equipes de busca, conforme depoimento dos peruanos. O outro, Jésus Sanchéz, teria oferecido água aos brasileiros no início da caminhada.

Os corpos foram examinados no Peru, mas não havia indícios de violência. A pedido das famílias, amostras foram trazidas para serem analisadas no Brasil. Na semana passada, autoridades peruanas fizeram reconstituição, com a participação de Zorrilla. Os acusados já prestaram depoimento e negam envolvimento nas mortes.

    31 de agosto


O Instituto Médico-Legal (IML) de Brasília divulgou resultado das análises histopatológicas e do exame toxicológico, que não detectou nenhum tipo de veneno para os padrões e dosagens pesquisados. Os testes foram feitos com pelo menos 10 tipos de veneno mais frequentes em casos de assassinato. Venenos de plantas e cobras, por exemplo, não foram testados.

    1º DE SETEMBRO

O Instituto Médico-Legal (IML) de Belo Horizonte confirmou oficialmente que o engenheiro mineiro não morreu de causas naturais. Os exames minuciosos, pedido exclusivo da família de Bittencourt, descartam outros tipos de morte violenta, mas não são conclusivos para análises toxicológicas.

 Peritos do Setor de Antropologia testaram 816 substâncias e não encontraram elementos inorgânicos comuns em envenenamentos, como medicamentos, estricnina, cianureto ou arsênico. O corpo já estava em estágio avançado de decomposição.

 Venenos orgânico – de ervas, répteis e anfíbios, por exemplo – não foram detectados, porque são substâncias que se desintegram com o corpo. Nenhuma mordida de cobra foi identificada.

Segundo o IML, duas hipóteses não puderam ser descartadas: a de envenenamento por substâncias orgânicas e de sufocamento.

   16 de setembro

Os testes laboratoriais feitos em Lima teve resultado inconclusivo. Os exames de sangue tiveram resultados negativos para as substâncias investigadas, assim como das amostras de tecidos estudados – cérebro, fígado, baço, pâncreas, coração, pulmão e rim – porque as células já estavam em decomposição.

Um advogado contratado pela Leme Engenharia enviou as roupas das vítimas para perícia particular, que apontou sangue e vômito, indícios de envenenamento.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)