Muita gente define a experiência como nascer de novo, mas sobreviver a um acidente de trânsito não é sinônimo de batalha encerrada. Pessoas que resistem à violência do tráfego nas cidades e rodovias estão apenas nos primeiros passos de um longo caminho em busca da reabilitação e retomada de funções simples, como andar, falar ou executar tarefas corriqueiras do dia a dia. E o número de vítimas com esse desafio não para de crescer, lotando hospitais e representando uma pesada conta para o sistema de saúde. Somente de janeiro a novembro de 2011, 4.729 pessoas ficaram internadas em unidades de saúde de Belo Horizonte para se recuperar de traumas provocados por acidentes, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS). O balanço de 11 meses do ano passado, referente ao último dado disponível, já é 17% maior do que todas as 4.054 internações de 2010 e supera em 44% as de 2009, quando 3.289 vítimas precisaram ficar internadas após desastres de trânsito. Para além dos números estão histórias de pessoas que lutam para superar sequelas físicas, traumas psicológicos e frustrações pela perda da capacidade de produzir.
Da mesma forma, o número de acidentes se acelera. Dados do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) mostram que os 16.822 acidentes registrados na capital em 2010 (dado mais recente disponível) superam em 7% os dados de 2008, quando foram registradas 15.719 ocorrências. Explicações para o fenômeno são muitas, de acordo com o diretor do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues Júnior. “Obviamente, houve crescimento da população e da frota, mas vejo que o trauma provocado pelos acidentes de trânsito, considerados uma doença epidêmica, é negligenciado pelo governo. Faltam fiscalização e punição severas, além de investimento em educação para as questões de mobilidade, que devem ser trabalhadas desde a infância”, afirma.
Dirceu Júnior lembra ainda como o aumento da frota de motos e dos acidentes com esses veículos têm influenciado na elevação das internações. “O crédito para a compra da moto está cada vez mais facilitado. Além disso, as regras para obtenção da carteira de habilitação A, para motociclistas, não traduzem a realidade do trânsito nas ruas. Despreparados, eles se envolvem cada vez mais em acidentes”, completa o especialista, alertando também para a falta de transporte público de qualidade, levando cada vez mais gente a optar pelo deslocamento sobre duas rodas.
Epidemia
O que se vê nas ruas se reflete em serviços como o do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, onde o atendimento prestado a vítimas de acidentes de trânsito envolvendo moto cresceu 50% no ano passado. “Trabalhávamos com uma média de 500 vítimas por mês no início de 2010 e, em 2011, chegamos a aproximadamente 750 motociclistas mensalmente”, afirma o cirurgião-geral do setor de Emergência, Paulo Carreiro. Um deles, o técnico em eletrônica Magnum de Souza Martins, de 25 anos, não vê a hora de fazer a última das quatro cirurgias às quais terá de se submeter e voltar para casa. “Sei que ainda precisarei de muita fisioterapia, pois ainda não há estimativa de quando voltarei a andar. Já tive dias de desespero, chorei muito e estou arrependido do que fiz, porque foi pura imprudência. Mas estou confiante. Minha recuperação está sendo muito boa”, contou o rapaz, internado em um dos leitos do Hospital Maria Amélia Lins, na Região Centro-Sul da capital.
Ao falar do acidente, na madrugada de 13 de novembro, ele se emociona. “Eu havia ido ao aniversário de uma amiga e exagerei na bebida. Perdi a noção. Quando voltava para casa, acho que cochilei e bati em uma caçamba de entulho parada na rua. Quebrei todo o meu lado direito”, disse. Magnum teve fraturas no joelho, fêmur e bacia, braço e tórax. Teve ainda perfuração no pulmão e guarda uma grande cicatriz no lado direito do peito. “Às vezes a gente acha que pode contar com a sorte, que somos homens de ferro. Precisei me arrebentar todo para aprender a lição”, disse.