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Estado de Minas

Belo Horizonte tem déficit de leitos para receber acidentados e tratar sequelas

Situação pode pôr a perder esforço feito no socorro às vítimas e no atendimento de emergência


postado em 17/01/2012 06:00 / atualizado em 17/01/2012 07:33

 

"A gente se torna mais prudente e paciente depois de ser vítima de um desastre, passa a ter outras atitudes. Contratempos para os quais antes se dava grande importância se tornam coisas pequenas e que não incomodam mais. Também passamos a aproveitar a vida de forma mais saudável", Saturnino Pinheiro Neto, de 49 anos, advogado, com a mulher, Rosana e o filho, Pedro (foto: marcos vieira/EM/D.A PRESS )

A crítica é de quem está na ponta do atendimento e enfrenta a correria na rotina de socorro aos acidentados no trânsito. Para o cirurgião-geral do Hospital João XXIII Paulo Roberto Carreiro, faltam leitos para reabilitação de traumas provocados pelo trânsito em Belo Horizonte. “A reabilitação é um trabalho negligenciado na capital. Muitas vezes o paciente consegue sobreviver, mas todos os recursos e empenho adotados no pré-hospitalar (resgate) e no atendimento no hospital se perdem em muitos casos, porque a vítima não tem uma reabilitação bem feita e acaba ficando com sequelas”, diz o médico. A situação é reconhecida inclusive pela Secretaria Municipal de Saúde, que afirma haver déficit de 500 leitos gerais na cidade e que cerca de 10% das internações vêm do trauma.

Suprir esse déficit de vagas, na avaliação de Carreiro, é medida urgente. “O número de feridos no trânsito cresce cada vez mais. São pacientes que têm internação prolongada e que às vezes ocupam leitos do João XXIII porque não têm lugar para ir. O hospital é voltado para atendimento de urgência e não de reabilitação”, diz. Apesar de reconhecer a falta de leitos para reabilitar as vítimas, a secretária municipal-adjunta de Saúde, Susana Rates, afirma que a capital conta com os hospitais Maria Amélia Lins e Paulo de Tarso para prestação do serviço a pacientes com seqüelas mais graves. Ambos são conveniados com a rede SUS. “Foram poucos os encaminhamentos de pacientes para reabilitação vindos do João XXIII que não pudemos atender. Os casos simples são tratados na atenção básica”, afirma Susana.

 Ainda segundo ela, mesmo a construção de um hospital específico para reabilitação não está entre as diretrizes prioritárias da Secretaria de Saúde. “Trabalhamos para construir hospitais gerais, com suporte para trauma, porque isso otimiza o atendimento. Se houver um paciente infartado precisando do leito, ele pode usar. As demandas são flutuantes”, afirma. Segundo ela, a capital está pleiteando recursos junto ao governo federal para reabrir leitos de internação hoje desativados.

Longa espera

O quadro é um agravante para quem precisa enfrentar o mais rápido possível a batalha de se reabilitar. Uma luta que o advogado Saturnino Pinheiro Neto, de 49 anos, conhece bem. Ele esperou um longo tempo para voltar a andar e retomar a vida normal, depois de ter sido vítima de acidente de trânsito em 2008. Era tarde de domingo e a viagem estava tranquila, mas em um trecho de reta da BR-262, na altura de Luz, na Região Central de Minas, o carro em que o advogado seguia, com a mulher, o filho e o sogro, bateu na traseira de uma carreta-cegonha. “Várias cegonheiras seguiam em comboio e estavam parando no acostamento. De repente, os carros na minha frente frearam. Para não bater, desviei para a direita e bati em uma carreta. Daí para a frente, a vida da minha família virou pelo avesso”, contou.

O filho e o sogro de Saturnino tiveram apenas cortes leves na cabeça. A mulher fraturou a perna. Mas o advogado teve politraumatismo nos membros do lado direito. “Aí começou minha via-crúcis”, lembrou. Na unidade de terapia intensiva (UTI) foram 15 dias, além de mais um mês no hospital. Após a alta médica, ficou um mês deitado em casa, passou três em cadeira de rodas, mais um mês usando andador, outros três de muletas e ainda mais três de bengala. Durante todo esse tempo, muita fisioterapia para retomar os movimentos do braço fraturado na altura do punho e da perna, quebrada no fêmur, joelho e na estrutura óssea do quadril que se articula com a cabeça do fêmur.

Recuperado, ele fala do trauma que enfrenta uma vítima de acidente de trânsito. “Em um segundo, tudo muda e a vida, virar de pernas para o ar. O acidente gera uma fragilidade, quando a gente percebe que não tem domínio sobre a própria vida. E é aí que a passamos a ver as coisas por outro ângulo: passamos a viver de forma mais regrada, mas simples e de forma mais paciente. Se já era prudente no trânsito, passei a ser ainda mais, porque todo o cuidado é pouco”, aconselha Saturnino.

Luta para superar um dia de horror

Depois de quase duas horas presa às ferragens de uma van na BR-040, em acidente ocorrido em 12 de dezembro, Naielle Cristina Alves da Silva, de 21 anos, ainda vive momentos difíceis. Após ficar internada por 16 dias no Hospital Maria Amélia Lins, ela passou por cirurgia para correção de uma fratura no fêmur direito. Enquanto estava na unidade hospitalar, ficou todo o tempo com a perna imobilizada. “Minha esperança é ficar bem e sair logo, porque depender dos outros é muito ruim. Trabalhava o dia inteiro, tinha uma vida agitada e agora não posso nem mesmo sair do lugar. Isso é muito ruim”, contou a jovem, emocionada, 10 dias depois do acidente.

(foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press %u2013 12/12/11)
(foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press %u2013 12/12/11)
Com os olhos cheios d’água, Naielle falava do filho, Nicollas, de 2 anos, e da saudade de casa. “Na hora do acidente, só pensei nele. Chorava de dor e de medo de acontecer algo comigo que me obrigasse a deixá-lo só. Quero muito voltar para casa”, disse, na época. O Natal ela passou na unidade hospitalar, longe da família e do filho. Mas a virada do ano chegou com um pouco mais de felicidade. Depois de fazer a cirurgia no dia 28, ela pôde retornar para o réveillon em casa, onde já consegue andar com a ajuda de muletas.

 

Palavra de especialista
Feridas não são apenas físicas
Sylvia Flores
psicóloga e professora do Centro Universitário Newton Paiva

A vítima de um trauma provocado por uma tragédia de trânsito pode entrar em um ciclo obsessivo de lembranças sobre o acidente, enfrentando uma espécie de prisão psíquica. Aquelas que sofrem sequelas físicas e perdem movimentos ou passam a ter outras limitações podem vivenciar até mesmo cinco estágios no processo de recuperação. Inicialmente, a pessoa passa pelo processo de negação, quando, ao tomar consciência do fato, pode não aceitar, pedir outros exames, outros pareceres médicos. Em seguida, constatada a situação, ela passa a sentir raiva, demonstrar agressividade, que pode ser dirigida ao médico, a um familiar ou a pessoa próxima. Nessa fase, o indivíduo pode começar a fazer barganhas do tipo ‘Se eu me comportar, vou ficar bem’, ou passa a fazer promessas. Passado o tempo, o paciente pode entrar em quadro de depressão e apresentar prostração, isolamento e tristeza profunda. Somente depois de tratado é que pode encontrar aceitação para a sequela que o acidente deixou, seja ela psíquica ou física. Isso não significa que  essa pessoa vá tomar uma atitude cômoda e passiva, mas que passa a entender todas as consequências que a situação trouxe. E, apesar de muito cansada pelos obstáculos, começa a encontrar a paz. Isso também não exclui a esperança de melhorar, mas o indivíduo passa a não ter mais a angústia, o sofrimento intenso pelo acidente.

 

 


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