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Estado de Minas entrevista/Sandra Regina Goulart de Almeida - 56 anos, Professora

Competência, integridade e dedicação

Reitora da UFMG é a primeira mulher a ocupar a presidência da Associação de Universidades Grupo Montevidéu


10/10/2021 04:00

Reitora da UFMG
Sandra Regina Goulart de Almeida (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
 
A atual reitora da UFMG está afastada do cargo desde 14 de setembro e ficará assim até 11 de novembro, mas por um bom motivo. A comunidade pediu que ela se candidatasse para um novo mandato e foi a única chapa inscrita, formada por ela e por Alessandro Fernandes Moreira, que subsidiará a escolha do reitorado da UFMG para a gestão 2022-2026. A chapa foi homologada em 21 de setembro e aguarda decisão do presidente da República. Sandra foi uma das primeiras professoras a concluir o doutorado no exterior e foi responsável pela implantação da pós-graduação da UFMG, além de se dedicar com afinco ao CNPq. Sandra teve sua gestão investigada pela Polícia Federal e na semana da entrevista recebeu a notícia de que a Câmara do Ministério Público Federal, em Brasília, acatou o parecer do procurador e arquivou todo o processo, tanto o inquérito civil quanto o inquérito penal, por não terem encontrado nada que desabonasse a UFMG e sua gestão. Esta entrevista foi feita em 6 de setembro, quando a reitora ainda estava em atividade.
 
De onde você é?
Nasci em Pains, cidade muito pequena, mas mudamos muito porque meu pai era bancário. Mas ía muito lá porque minha avó materna e eu éramos muito próximas. Ela era muito estudada, tocava piano, violino e violão. Ela me influenciou muito e me ensinou o amor pela literatura. Passei a maior parte da adolescência em Uberaba, só vim para BH para fazer faculdade.

De onde veio o interesse por letras?
Sempre fui apaixonada por literatura, mas para mim era só um hobby, não imaginei que poderia fazer disso minha profissão. Gostava muito de português e de inglês. Comecei a dar aulas de inglês muito cedo,  sempre tive facilidade com línguas. Queria ser médica. Quando fiz vestibular, escolhi o que eu mais gostava, com o pensamento de que se não gostasse, mudaria, e acabei optando por letras. Passei  em segundo lugar, e gostei muito do curso. Queria fazer pesquisa e estudar outras coisa.

Como foi essa sua ida para o exterior?
Tem uma história interessante. Como disse, sempre fui muito curiosa. Aos 12 anos, já tinha lido tudo de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Agatha Christie. Li tudo no original. Fui aluna da Ana Lúcia Gazola, que foi muito importante na minha vida. Em 1986, quando estava me formando, ela me perguntou o que eu ia fazer da minha vida. Estava pensando em fazer mestrado em linguística,  aqui na UFMG. Ela disse que eu era muito boa em literatura. Para mim era um hobby. Ela questionou o porquê de o meu lazer não poder ser minha profissão, e que eu era muito boa para ficar no Brasil. Achei engraçadíssimo, e pensei que ela era maluca. Disse que ia me mandar para o exterior para eu fazer mestrado e doutorado, porque o Brasil precisava de mim,  precisava de doutores para formar a pós-graduação aqui. Que se eu ficasse aqui levaria 10 anos para concluir tudo. Lá fora seria bem mais rápido e eu voltaria para ajudar o país. Esqueci da conversa. Formei-me, viajei com minhas colegas, e quando voltei minha mãe disse que tinha uma professora que estava louca atrás de mim porque tinha conseguido uma bolsa para eu fazer mestrado nos Estados Unidos. Fui conversar com ela e disse que não sabia se queria ir. Ela disse na maior tranquilidade que eu poderia voltar se não gostasse.

Gostou?
Gostei muito. Fui para Chapel Hill (EUA), trabalhar com literaturas brasileira e inglesa, meu doutorado foi em literatura comparada sobre Clarice Lispector, Virginia Wolf e com uma escritora portuguesa chamada Teolinda Gersão, em 1994. Fiz dois pós-doutorados, pela Universidade Columbia, em New York, em 2000-2001, e outro, em 2008, pela UFSC.

Quando voltou, como foi o reencontro com a professora Ana Lúcia Gazolla?
Foi muito feliz porque aconteceu exatamente o que ela tinha dito. Abriu o concurso para a pós-graduação, fiz, passei, e pude usar todo meu aprendizado na criação de cursos de pós-graduação na universidade. Também me tornei pesquisadora do CNPq. Quando Ana Lúcia foi reitora, me convidou para ocupar o cargo de diretora de Relações Internacionais, em 2002.

Realmente se empenhou nas pesquisas?
Sim, e o reconhecimento veio hoje. Acabei de receber a notícia de que um grupo da USP fez um mapeamento que gerou a compilação das 50 mulheres no Brasil que mais formaram cientistas e pesquisadores no país, e estou entre elas. Fiquei muito feliz, são cinco da UFMG e sou uma delas. Quer dizer que cumpri a missão que me deram quando fui para o exterior.

É a primeira mulher a assumir a presidência de uma associação de universidade?
Sim. Tomei posse no final de junho como presidente da Associação de Universidades Grupo Montevidéu (AUGM), entidade criada em 1991 para congregar universidades públicas de seis países da América do Sul – Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile. É uma das ações das mais importantes, são só universidades públicas desses países que têm uma atividade de interação muito grande com intercâmbios de estudantes e de professores, pesquisa conjunta etc. É uma atuação muito forte nessa região aqui da América do Sul em todos os sentidos. Quando falamos de reitores e reitoras, é uma área muito masculina – em 69 universidades, se 14 são mulheres é muito, mas na América do Sul, principalmente, são muito poucas. Eu sou a primeira presidente mulher em 30 anos de uma associação pela qual tenho enorme respeito.

Você desbravou um caminho para mulheres. Como foi sua trajetória e como é isso hoje?
Vou voltar na minha avó. Ela falava com a minha mãe para me deixar estudar em vez de ficar querendo me ensinar coisas de casa. Sempre gostei de estudar, fazer minhas coisas, e procuro dar essa abertura para outras mulheres. Acabamos servindo de modelo para outras mulheres. Na minha área, somos em maior número, mas na engenharia, nas ciências exatas o número de mulheres é muito reduzido. Sou a terceira reitora da UFMG, não conheço nenhuma outra universidade brasileira que já teve três mulheres reitoras. A UFRJ elegeu o ano retrasado sua primeira reitora em 100 anos. Aqui já estamos bem mais avançados. Isso fica no imaginário coletivo, é algo que se torna comum. A filha de 17 anos de uma amiga pediu para visitar meu gabinete porque queria ver como era o gabinete de uma mulher reitora. São coisas que têm um impacto para as mulheres. Elas têm e devem ocupar seu espaço de forma igualitária. É um lugar que eu sempre gostei de ocupar, de dar força para as mulheres, para aquelas que querem seguir uma carreira acadêmica e também servir, de uma certa forma, de modelo. É como a Adélia Prado fala em uma de suas poesias: “Inaugurando linhagens, criando histórias”.

Como está a UFMG atualmente?
Queria falar um pouco da redução da verba e do contexto em que ela ocorre. Em 2009, houve um projeto muito importante de expansão para as universidades públicas. O Brasil ainda patina muito na inclusão dos adultos de 18 a 24 anos que deveriam estar no ensino superior. Temos menos de 20% de pessoas nessa faixa etária nas universidades e a maioria dos países mais desenvolvidos têm cerca de 40% ou mais. O Plano Nacional de Educação previa aumento de vagas no ensino superior, antes da pandemia, o Brasil é o país em que o ensino superior dá maior mobilidade social para pessoas, então o impacto no nosso país é maior que em qualquer outro. Percentualmente falando, é uma diferença de 400%, por isso precisamos trazer as pessoas para a universidade. Em 2009, há 12 anos, começou o projeto de expansão das, naquela época, a UFMG tinha 30 mil alunos e hoje  temos 50 mil. Quase dobramos o número de estudantes, ampliamos os cursos, e campus. Estamos bem localizados no estado, expandimos muito. Nosso espaço físico é quase o dobro do que era antes. Somos considerados a melhor universidade federal do país pela avaliação do Inep, que é ligado ao MEC, e também por outros institutos internacionais, como o Times Higher Education (THE), que nos classificou como a 5ª melhor universidade da América Latina. 

Como manter tudo isso com o corte orçamentário que as universidades federais vêm sofrendo?
É uma conta que não fecha. Quase dobramos de tamanho e o orçamento vem diminuindo sistematicamente. Hoje, estamos com o orçamento que tínhamos em 2009. Tem sido muito difícil lidar com isso, e têm sido cortes em cima de cortes, o que dificulta a manutenção da infraestrutura, a manutenção dos estudantes. Nós estamos mais inclusivos, em 2012 começou a Lei das Cotas, 50% do nosso alunado vem de classes baixas, a maioria dos estudantes das cotas vem de famílias com renda de 1 a 1,5 salário mínimo, e precisam de apoio para permanecer na instituição. Estamos melhores, maiores, mais inclusivos e com um orçamento menor. É uma conta que não fecha, essa é nossa grande preocupação. Tem sido muito difícil lidar com o orçamento. Recebemos o prêmio de universidade que mais tem depósito de patentes, trabalhamos muito na inovação, isso gera recurso próprio, mas dependemos muito dos recursos do governo federal. Este ano foi um ano especialmente difícil, começamos com um corte de 26% no orçamento, depois um bloqueio em cima desse corte. Conseguimos o desbloqueio, mas os gastos de manutenção, energia elétrica, etc. não diminuem e fica muito complicado gerir tudo isso, é um enorme desafio. Como fazer planejamento sem saber com qual valor poderá contar no ano? Temos trabalhado muito junto ao Congresso Nacional, ao governo, mostrando a importância das universidades. 

Você foi a única reitora a conseguir uma verba expressiva do presidente este ano?
Conseguimos, isso foi o que nos ajudou o ano passado. Ele criou uma verba para o Ministério da Educação investir em projetos de universidades públicas para o enfrentamento da COVID-19. A UFMG foi a única a conseguir R$ 21 milhões da Secretaria de Educação Superior do MEC. A UFMG conseguiu apresentar projetos como o de telemedicina, o de construção de respiradores, de produção de álcool em gel – distribuímos álcool em gel para todos os hospitais do SUS. Estudos de vacinas foram apoiados, tanto que uma das vacinas surgiu justamente de várias dessas pesquisas, com apoio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Temos sete candidatos vacinais contra COVID-19, uma delas está mais adiantada que as outras, conseguimos também apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia, da Prefeitura de Belo Horizonte, de deputados estaduais e federais. Vamos transformar o centro de vacinas da UFMG em um centro nacional de vacinas, não apenas contra COVID-19, mas contra outras enfermidades, como por exemplo zika, chikungunya. Isso se deve aos esforços da comunidade da universidade. Conseguimos mostrar a importância da UFMG neste momento da pandemia.

O que vocês fizeram especificamente no trabalho contra a COVID-19?
São três vacinas brasileiras que estão à frente que serão lançadas, uma delas é a nossa. Temos um trabalho pioneiro sobre a presença da COVID-19 nos esgotos. Temos vários medicamentos que estão sendo testados e analisados; desenvolvemos um produto que protege contra COVID-19 por 24 horas. A UFMG foi a instituição que mais fez testes no estado de Minas Gerais, 1/3 dos testes RT- PCR da COVID-19 foi feito por nós; desenvolvemos testes rápidos e passamos para o estado e para o município. Doamos 20 mil testes para o estado usar nos hospitais. Testamos a CoronaVac  e a Janssen .

Ano que vem, a Lei de Cotas completa 10 anos. Existe diferença de rendimento entre cotistas e não cotistas?
Temos dados que mostram que não tem diferença no rendimento entre cotistas e quem entra em ampla concorrência. Às vezes, costuma ter quando eles entram, mas assim que tomam pé da situação a diferença some. Mesmo assim, a diferença é ínfima e em alguns cursos é simplesmente inexistente, como é o caso da medicina, um curso muito concorrido e quem entra no primeiro lugar passa com 10 e quem entra no último lugar passa com 9,9. Um dado muito importante: quem entra por meio das cotas se mantém muito mais na universidade do que aqueles que entram em ampla concorrência. A evasão dos cotistas que recebem apoio para permanecer é bem menor, o que mostra que temos que dar condições de permanência a essas famílias, dar apoio para compra de material. Por exemplo, a odontologia é um curso que demanda um material muito caro. Se não tem apoio para aquisição de equipamentos a pessoa não pode fazer o curso. Então, essas pessoas que entram por cota recebem esse apoio por meio da nossa fundação e pelo programa do governo de apoio aos estudantes.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal estão investigando a universidade e sua gestão. Como  está o andamento do processo?
Acabamos de receber a notícia de que a Câmara do Ministério Público Federal, em Brasília, acatou o parecer do procurador e arquivou todo o processo, tanto o inquérito civil quanto o penal, porque não encontraram nada que nos desabonasse. Recebo essa notícia com muita tranquilidade e muita serenidade, foi muito importante esse arquivamento, algo que a UFMG tem dito desde o início. Fizemos também uma comissão para averiguar as denúncias que foram apresentadas e de fato esperávamos esse resultado. Foi importante para a instituição esse processo ser arquivado por não ter encontrado nada, porque foi um processo muito doloroso, e todas as questões têm que ser averiguadas mesmo. Ficou comprovado o que nós sabemos: que a UFMG é uma instituição séria, que preza pela correção, pela transparência das suas ações. Essa foi, para nós, uma notícia muito importante mesmo e, sem dúvida alguma, mostra a correção da universidade, que temos falado sempre. 


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