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Estado de Minas Entrevista - Artur Moreira - empresário, artista plástico e ativista humanitário

Por um mundo melhor

Mineiro que mora nos Estados Unidos dedica sua vida a trabalhos humanitários em vários países


13/06/2021 04:00

(foto: Arquivo Pessoal )
(foto: Arquivo Pessoal )
 

"Apesar de não estar no Brasil, sou muito patriota e acho que o Brasil tem jeito. Queria ter tido oportunidade no meu país"

Artur Moreira,Empresário, artista plástico e ativista humanitário

Trabalhar, juntar dinheiro, comprar casa e construir um patrimônio. Esse é o caminho natural da vida para a maioria das pessoas. Não para Artur Moreira. O mineiro de Governador Valadares descobriu cedo que sua missão no mundo era ajudar o próximo e, mesmo como empresário nos Estados Unidos, nunca quis acumular fortuna. Há anos, ele destina pelo menos 20% da sua renda para apoiar causas em que acredita. “O que tenho feito a vida toda é pensar sempre na coletividade, e nunca num individuo só. Se for benefício para todos, estou junto”, diz o dono de marcenaria em Newak, que também desenvolve um trabalho artístico com madeira. Artur já participou de ações humanitárias nos Estados Unidos, Haiti e Gana, mas o seu projeto do coração é em Nova Era, cidade onde cresceu.

Como começa a sua história?
Meu pai é de Governador Valadares e a minha mãe, de Nova Era. Eles se conheceram na construção da ferrovia Vitória-Minas. Sou o mais velho de cinco irmãos. Nasci em Valadares, mas cresci em Nova Era. Desde os anos 1960, sempre tinha alguém da família do meu pai, que era muito grande, que emigrava para os Estados Unidos e fui crescendo ouvindo a história dessas pessoas. Sempre questionava meus pais sobre por que morar em Nova Era, uma cidade pequena e sem muito recurso. Falava: quando crescer, vou embora deste lugar. Fugi de casa quando tinha 13 anos, fui para Valadares e o meu pai me deixou ficar um ano na casa da minha tia. Depois, voltei. Com 15 anos, estava conversando em um trailer de sanduíche que ficava na estrada e parou um cara de BH em um fusquinha com uma antena. Eu, curioso, me aproximei e ele me disse que era um aparelho de rádio para se comunicar com os caminhoneiros que estavam vindo. Eles eram de um parque de diversão. Perguntei: posso ir embora com vocês?. Eram umas 23h. Peguei algumas roupas, coloquei na mochila e fui embora. Não avisei para ninguém.

O que você queria para a sua vida?
Mais oportunidade. Imagina estar em cidade pequena, olhar para o lado e não enxergar oportunidade. Todo mundo da família que quis estudou, mas tinha limite. Terminou o ensino médio, tinha que ir embora e não via aquilo como uma promessa boa para mim. Queria ter mais oportunidade, estar em um lugar maior, onde poderia conviver com pessoas diferentes.

Como foi a experiência de trabalhar em um parque de diversão?
Na primeira semana, foi interessante. Montamos os brinquedos em Valadares e me colocaram para ligar e desligar um deles. A próxima cidade era Maceió, e tive que ajudar a desmontar o parque todo, era um peso danado. Não era o que queria e decidi voltar para estudar. Liguei para o meu pai pedindo dinheiro e ele falou: do jeito que você foi, volta. Então, não vou voltar. Vou conhecer mais as pessoas e usar isso a meu favor. Comecei a ajudar a escrever carta para a família dos funcionários, com o pouco de escolaridade que tinha, tirava foto, e eles começaram a me disputar. Aí o encarregado não me colocou mais para carregar ferro. Depois comecei a trabalhar com fibra de vidro e consertar os brinquedos. Vi uma oportunidade de ganhar dinheiro e o meu salário aumentou. Esse foi o meu primeiro e último trabalho fichado. Já estava no segundo ano quando o pessoal do parque anunciou que ia entrar no Paraguai para fugir da Justiça brasileira. Peguei um avião em Cuiabá e voltei para Minas.

Nessa época, você continuava com vontade de sair do Brasil?
Sim. Fiquei muito amigo do Maurício, que era encarregado de transporte do parque e empresário em Brasília. Passei dois meses em Duque de Caxias consertando brinquedos para ele. Quase no fim do serviço, fomos fazer um lanche e falei: vou pegar o acerto do parque e vou embora para os Estados Unidos. Vou ficar lá dois, três anos, ganhar dinheiro, comprar carretas e vamos montar um parque. Um senhor ouviu a nossa conversa, falou que tinha uma agência de turismo e que podia me ajudar a entrar nos Estados Unidos. Como sou de Valadares, não conseguia visto, então estava decidido a pagar para ir pela fronteira. A minha história mudou de direção nesse lanche. O senhor falou: por que você não vai para a Europa primeiro? Comecei a me lembrar das aulas de história e geografia e escolhi Londres.

Como foi morar em Londres?
Peguei o avião no Rio e fiquei uma semana na Suíça para dar a impressão de que estava fazendo turismo. Depois cheguei em Londres. Fui para um hostel e comecei a procurar trabalho. O verão estava se aproximando, me lembrei da época do parque e comecei a fazer língua de sogra para vender. Nunca tinha trabalhado como palhaço, mas precisava me reinventar. Nisso conheci o pessoal de uma igreja protestante e gostei dessa história de missão. Pus na minha cabeça que queria ser missionário e comecei a estudar a “Bíblia” para poder viajar. Queria ir para a África. Nesse meio tempo, voltei para o Brasil. Quem sabe não consigo visto para os EUA? Vou eu e meu primo para o Rio, eu consigo o visto, ele não. Então, pensei: se consegui o visto, é porque tenho algo para fazer lá. Apesar de querer ir para a África, tinha 19 anos e sentia um despreparo para ser missionário. Você tem que ter uma estrutura emocional forte. Voltei para a Inglaterra e no fim do ano vim para Newak, no estado de Nova Jersey, onde vivem três gerações da minha família. Um primo que morava aqui há muitos anos me arrumou trabalho na construção civil. Fiquei dois anos nesse trabalho juntando dinheiro para comprar os brinquedos para o parque.

Quando você começou a trabalhar com madeira?
Fui trabalhar para um grego que fazia acabamento das casas em madeira, colocando porta, rodapé, janela. Ele viu que eu tinha habilidade manual e me colocou para trabalhar com um marceneiro italiano, que fazia estantes e outros móveis diferentes. Aí comecei a gostar de marcenaria. Chegava aos lugares, olhava para a parede e já imaginava uma estante. Juntei dinheiro para montar a minha marcenaria e levei um capixaba, que era marceneiro antigo, para trabalhar comigo. Depois de um ano, comecei a ter muito trabalho e a ganhar muito dinheiro. Tinha 25 anos. Coloquei como prioridade me legalizar e tinha duas opções: casamento ou contrato de trabalho. Fui a um advogado, estava disposto a resolver minha situação, e passei a empresa para o nome de outra pessoa e a empresa me legalizou. Já estava aqui havia 10 anos. Aí veio a crise e a falta de experiência me levou para o buraco. Fui gastando toda a minha economia até ficar sem dinheiro de novo. Entreguei a casa e comecei a morar na oficina. Quando fiquei sem trabalho, criei móveis doidos, todo tortos. Não ganhei muito dinheiro, mas comecei a participar de feiras de arte e isso abriu portas para o meu trabalho como artista. Passado um ano e meio, comecei a ganhar dinheiro de novo. Não como antes, mas dava para me manter. Fui investindo em trabalhos únicos e caros e fiquei conhecido pelas adegas (já fiz de até oito mil garrafas). Virei referência em marcenaria.

E o seu envolvimento com causas humanitárias?
Um grupo de mulheres com câncer me procurou para ajudar em uma campanha. Fiz umas camisetas e saí vendendo nos bares. Aí comecei a me conectar com trabalhos voluntários e descobri meu papel. Fui para o Haiti quando aconteceu o primeiro terremoto e fiz campanha junto com a Cruz Vermelha para levantar fundos na comunidade. Ajudei também os atingidos pelo furação Katrina e pelo Sandy. Me envolvia em todas as tragédias. Sempre largava o que estava fazendo para ajudar. Nisso me propus a doar 20% do meu lucro para ajudar causas que achava interessante. Construí mais de 50 casas no Nepal com o dinheiro da comunidade. Depois veio Bento Rodrigues, em Mariana. Levantei dinheiro aqui para fazer o projeto Arte na Praça. Um artista de lá ensina arte barroca para as crianças. Desde então, financio todo ano. Já reformei duas escolas e construí laboratório para computador em Gana, na África.

Conte sobre o projeto de revitalização do bairro onde seus pais moram em Nova Era.
Numa das minhas viagens a Nova Era, encontrei o Colina, bairro onde cresci, todo bagunçado. Era mato para todo lado, lixeiras enferrujadas, a passarela estava toda destruída, meninos usavam como ponto de droga. E eu vivendo nos EUA, que diferença. Nos dias em que estava lá, comecei a olhar o entorno e vi que poderia ajudar: estou fazendo coisas em várias partes do mundo, vou ter que fazer alguma coisa para Nova Era. Da mesma forma que olhava para a parede e enxergava móveis, comecei a olhar para o bairro e enxergar um parque cheio de esculturas e flores. Meus irmãos falavam: você é doido, a prefeitura não vai te ajudar. Mas sentia que podia mudar a história daquele lugar. Fiz um projeto de iluminação, irrigação, plantio de flores, queria iluminar a passarela, colocar granito e corrimão na escada. Imaginei que ia gastar R$ 1 milhão e, como não tinha o dinheiro todo, projetei fazer tudo em 15 anos. Por causa da pandemia, adiantei o projeto em três ou quatro anos. Quando a pandemia começou, estava em Nova Era ajudando na reconstrução de casas no Bairro Praia Grande, atingidas por uma chuva forte, e decidi não voltar para os EUA. Adiantei o projeto do Colina e fizemos o Arte na Praça e o Natal Luz. A cidade tem 13 mil habitantes e, no livro de visitas, temos registrado que 17 mil pessoas visitaram o bairro. Agora, falta o fim da rua, onde vamos fazer um mirante. Estamos esperando autorização do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Como surgiu a ideia de projetar um novo trevo para a entrada da cidade?
Há 15 anos, duplicaram a estrada no trecho de Nova Era e separaram dois bairros, o Colina e o Bairro de Fátima, da cidade. Quando acontece um acidente e a estrada fecha, o acesso para moradores fica muito difícil, eles precisam andar cinco quilômetros a mais. Sempre pensei: por que não fazer um viaduto?. Como fiquei lá no ano passado, contratei arquiteto e engenheiro e apresentei um projeto para um novo trevo. Falaram que seria bom ter um abaixo-assinado. Aí tive a ideia de sair em caravana pelo Nordeste. Todo mundo que vai para o Nordeste passa por aqui. Desde criança, via ônibus indo para Fortaleza, Salvador, Teresina. Em 40 dias, rodamos 15.700 quilômetros, fomos a 175 cidades e conseguimos coletar quase 900 assinaturas. Entregamos os documentos para a prefeitura em março e ainda não tivemos resposta.

Qual é a sua motivação para ajudar? 
Mostrar para as pessoas que existe um caminho, uma possibilidade. Apesar de não estar no Brasil, sou muito patriota e acho que o Brasil tem jeito. Uma das coisas de que mais tenho tristeza é não ter podido ficar no Brasil, queria ter tido oportunidade no meu país. Mas acho que posso ajudar muito. Para que juntar fortuna, ter mansão e carro, se onde vivemos não tem estrutura? Quero que todo mundo viva bem. Tenho mais dinheiro investido em gente do que na minha própria vida. A minha motivação é ajudar as crianças. Tenho certeza de que elas têm chance de ir mais longe do que eu fui.

Você tem vontade de voltar a estudar?
Talvez sim, apesar de não ser tão essencial mais para mim. Mas sempre incentivo quem está começando. Acho a escola extremamente importante. Todo mundo tem que passar por lá, não deve pular essa fase. A escola nos prepara para a vida, nos credencia para o futuro. Você encurta muito o caminho. A minha história tem uma combinação de garra e sorte, e não é todo mundo que vai conseguir criar essas mesmas oportunidades.

Quais são os seus planos?
Tenho vontade de montar uma fundação onde possa ensinar crianças sobre arte barroca, policromia, esculpir, tecer com palha, trabalhar com pedra- sabão. E também dar continuidade ao projeto Arte na Praça em outros lugares. Hoje tem em Mariana, Nova Era e São José da Lapa.

Você pensa em voltar para o Brasil?
Penso. Hoje sou cidadão americano, mas aqui não é a minha casa. Acho que tenho muito mais a contribuir aí do que aqui. Não posso negar que aqui ganhei as ferramentas para fazer tudo o que tenho feito, mas amo o Brasil. Talvez se tivesse sido mais bem compreendido na infância, não teria ido embora. De uma coisa tenho certeza: quero continuar fazendo o que faço, me encontrei neste mundo ajudando outras pessoas a melhorar. Não é que elas vão ficar ricas, mas não vão depender do poder público. Você não escolhe onde nasceu, mas escolhe o seu futuro. Comecei a dar oportunidade para meninos no Colina que mexiam com droga e estou vendo que eles estão pensando diferente. Não falo o que é certo ou errado, falo sobre a oportunidade de ter uma vida diferente.

E o sonho de ter um parque de diversão?
A minha vida é um parque. O que ficou do parque é o Natal Luz, as esculturas, este meu lado artístico. Acredito muito na arte como comunicação. Acho que o parque foi trampolim para mim.

Como você enxerga o mundo ideal?
Acredito que podemos ter mais coletividade. Se todos nós, independentemente da classe social, fôssemos mais participativos, poderíamos viver melhor. Deveríamos escutar o que o outro tem a falar, vejo isso como parte da solução. A palavra que me move muito é atitude. O que tenho feito a vida toda é pensar sempre na coletividade, e nunca num individuo só. Se for benefício para todos, estou junto. Quero ser lembrado como uma pessoa que ajudou o coletivo, que usou sua influência e conhecimento para ajudar os outros. Não estou aqui para dar arroz e feijão, estou aqui para abrir caminhos, dar oportunidades. Hoje, as pessoas têm orgulho de morar no Colina, um bairro todo arborizado, que não é pichado, que tem as artes e ninguém mexe, que não tem lixo no chão. E o mais legal, esse movimento está se espalhando pela cidade, moradores estão adotando praças. Tenho muita esperança de que o Brasil vai ser um país melhor. Não estou preocupado em ver essa mudança que eu sonhei com 15 anos, mas sei que estou trabalhando para isso.

Você diz que não gosta de ser chamado de artista. Como se define?
A minha essência é de artista, o meu ganha-pão é como empresário, mas a palavra que mais me identifica é humanitário. Sou uma pessoa que trabalha para o mundo. Gosto de fazer negócio, porque tenho a oportunidade de conhecer pessoas que têm gana, vontade de construir. O meu lado artista me dá sensibilidade, vejo beleza numa flor. Já o meu lado humano me leva a fazer projetos em prol das pessoas.


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