Wagner Penna
Com crescimento acanhado em 2019, o varejo fashion brasileiro prepara-se para vencer as diversas barreiras que travam seu avanço econômico e alcançar números mais expressivos em suas vendas de 2020. E não foi apenas a conturbada e recessiva fase de transição para uma nova economia que gerou esse quadro.
Mais que as expectativas econômicas, uma profunda mudança conceitual na criação e comercialização do produto fashion levou a um momento novo no setor e à busca de soluções pragmáticas (e urgentes) para um quadro inédito no segmento. Para alguns, um período de perplexidade – mas para as novas gerações, uma oportunidade de experimentar propostas inovadoras junto ao mercado.
CONEXA E foi para revelar parte dessa profunda mudança de perspectivas que o espaço-conceito Conexa foi idealizado e reuniu um grupo diverso na produção fashion (roupas, calçados, bolsas, joias, cosméticos e outros) e apresentado aos varejistas do setor como uma experiência viva do que pode ser feito no aperfeiçoamento de suas relações com a consumidora e o consumidor final.
Organizada durante a Feira do Empreendedor, promovida pelo Sebrae-MG, teve também a novidade da inclusão do setor de beleza no espaço, respondendo a uma das três maiores demandas de potenciais investidores que consultam a entidade. As outras duas mais requisitadas são moda e panificação.
No caso da moda, a criatividade é o elemento essencial para avançar nas vendas de todo produto que o setor entrega ao mercado – de roupas a sapatos, passando por bolsas, joias, bijuterias e mil outros acessórios. Feito isso, a etapa seguinte é decifrar as mensagens, sempre complexas, enviadas pelo mercado e respondê-las com alta eficiência e métodos eficazes.
Nesse aspecto, o varejo fashion enfrenta mudanças sísmicas em seu conceito e desenvolvimento – sendo o e-commerce e os novos valores considerados por uma nova geração na hora de efetuar a compra as inovações mais visíveis. Para Juliana Orsetti, coordenadora do setor de moda do Sebrae-MG, para se integrar aos novos tempos “a moda atual deve se apoiar no conceito de compartilhamento produtivo e propósito conceitual”. E foram exatamente esses dois pontos que nortearam a montagem do Conexa.
Além disso, a associação com segmentos correlatos (moda + beleza cosméticos, por exemplo) contribui para ampliar o principio de collab no setor. Voltada para o varejo, a loja-conceito realmente conseguiu uma interação entre as diversas vertentes fashion e/ou atividades afins.
Ela lembra, também, que nos negócios de moda é preciso que os investidores tenham em sua mira “novas experiências, conexões e possibilidades para o varejo”. Acrescentou que o objetivo do seu trabalho de mentoria tem sido “levar inspirações e ideias para o empreendedor, alinhadas aos conceitos mais urgentes do mercado: sustentabilidade, colaboração, e-commerce e omnichanel ( variados canais de vendas).”
CURADORIA Esses princípios resumem bem a nova linguagem de conversação entre quem vende e quem compra moda – e foram eles que nortearam a curadoria da Conexa. Assim, as marcas que ocuparam as vitrines e araras das lojas-conceito levaram para o ambiente a energia da ebulição criativa dos criadores, inclusive em segmentação especifica – como a moda agênero (serve para homem ou mulher), linha feminina para quem tem maisde 60 anos e outros.
Porém, o importante é que esses produtos foram pensados e elaborados a partir de propósitos definidos sob ponto de vista social, cultural e ecológico (desde a chamada economia circular até o consumo consciente), desenvolvidos dentro do conceito de compartilhamento de informação, saberes e inter-relação setorial (collab), ofertas de produtos de segmentos diferentes dentro de um mesmo espaço (varejo híbrido), mostruário físico para pedidos virtuais (guide shop), vitrines virtuais e várias outras inovações.
Para o consultor setorial Rodrigo Cezário (que fez a curadoria das marcas), “as grifes participantes do Conexa revelaram que os empreendedores estão cada vez mais atentos às necessidades mais urgentes da sociedade, desenvolvendo uma visão sustentável para seus produtos e também para os processos produtivos”.
Considerou, ainda, que “as empresas estão mais atentas às dificuldades de seus clientes e priorizam soluções que possam impactar positivamente o mercado. A qualidade torna-se indispensável, assim como estar conectado a um propósito”.
Estiveram lá as marcas Diwo (bolsas de couro), Áurea Lúcia (moda para mulher 60 ) , Estúdio NHNH (calçados) , Ronaldo Silvestre/Instituto ITI (vestuário), Libertees (vestuário), Rosa Tolentino (bolsas de contas artesanais) , Cerra D’Ouro (joias), Loris (moda agênero), AHorta (cosméticos orgânicos), Memoro Ateliê (papelaria artesanal), Not Equal (vestuário) e Plural (vestuário). O circuito da beleza foi representado pela Clip Barbearia e pela One Beleza.
CIRCULAR
Entre os participantes, a estilista Luisa Grillo, proprietária do Estúdio NHNH (que produz sapatos), lembrou que seu diferencial está na adoção da economia circular na produção dos calçados, feitos a partir de sobras de materiais usados em persianas (reciclados na estrutura dos modelos), assim como na forração das peças , onde entram fios conseguidos a partir de garrafas PETs.
No setor de vestuário, o estilista Ronaldo Silvestre levou seu trabalho com o Instituto ITI (de Itabira) e suas propostas diferenciadas. Já consagrado entre os criadores mais brilhantes de sua geração, ele diz que a experiência no evento foi importante para perceber melhor o mercado. Acrescenta, ainda, que os principais formas de vendas dos seus produtos são o e-commerce e a exportação. Ele é um dos profissionais mais ativos na chamada economia circular.
Um dos projetos mais interessantes foi apresentado pela marca Cerra D’Ouro, que produz joias a partir de flores do cerrado mineiro. Depois de passar por um processo especial, as plantas são recobertas de ouro e transformam-se em elementos para criação de colares, brincos, pulseiras e outros. Para seus proprietários, Euler e Cláudia Lima, o respeito ecológico e a valorização de algo regional são dois diferenciais da marca.
xxA preocupação com o reaproveitamento de produtos vindos de outros setores (upcycling) foi, inclusive, tema dos bate-papos promovidos no espaço Conexa, onde o público se mostrou receptivo às propostas de preservação ambiental e comércio consciente ali propostos.
VAREJO
O varejo de moda no Brasil, está, cada vez mais, aberto ao chamado ‘consumo consciente’. Isso quer dizer uma compra realizada a partir da avaliação do processo usado na produção (sem exploração de trabalho, por exemplo), sua conexão com a preservação ambiental e eliminação de estágios que provoquem poluição – além de muitas outras considerações subjetivas.
Essa nova consumidora ou consumidor (integrantes das chamadas gerações y e z (os millennials), isto é, entre 18 e 30 e poucos anos, representa atualmente cerca de 68,8 milhões de pessoas no país.
Em termos gerais, o setor de moda representa algo como 10,3% do comércio total, que, por sua vez, tem peso de 12,3% no PIB nacional. O comércio varejista, especificamente, corresponde a 43% das operações totais de vendas no país. O setor de vestuário e calçados é responsável, também, por 17,7% do pessoal que trabalha no comércio varejista (dados 2014).
Com previsão de crescer 2% em 2020, o varejo espera contemplar o segmento de moda com um percentual um pouco maior do que esse – em razão do reaquecimento da economia, sinalizado nos últimos meses.