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Estado de Minas ENTREVISTA/ SILVIA SCIGLIANO - 43 ANOS, CONSULTORA DE TENDêNCIAS

Olhar para o novo

Curso instiga a pensar 'fora da caixa' e identificar desejos de consumo das novas gerações


postado em 08/08/2019 12:53 / atualizado em 12/08/2019 17:03


Nada é por acaso, ainda mais quando se fala em consumo. O protagonismo da cor rosa, o crescimento dos brechós, a volta dos tecidos naturais, tudo pode ser explicado pelas mudanças de comportamento da sociedade como um todo. E como prever o que está por vir? É preciso olhar para as novas gerações, aponta a consultora de tendências Silvia Scigliano, que traz para Belo Horizonte, de quinta a sábado, curso inédito de coolhunting. São três dias de aulas teóricas e práticas, incluindo um safári urbano, em que os alunos andam pelas ruas para observar negócios e pessoas. “O objetivo do curso é abrir o olhar para novas oportunidades”, avisa.
 
O que é coolhunting?
Ao pé da letra, significa caçar coisa legais. A profissão surgiu nos anos 1990 através dos profissionais de marketing e depois foi se espalhando por outras áreas, como moda e arquitetura. É ter o olhar aberto para o novo; no caso da moda, para novas maneiras de usar saia, de combinar tênis com vestido. A moda, inclusive, inspira outras indústrias. Como ela precisa se renovar a cada seis meses, os profissionais da moda acabaram se especializando em identificar e propor o novo. Por exemplo, a Pantone é uma empresa que surgiu nos anos 1960 catalogando cores, a princípio para o marketing. Hoje é muito conhecida pela cor do ano, que vem das cores mais utilizadas pelos estilistas na New York Fashion Week.

Por que temos tanta necessidade de consumir novidades?
O mundo vai mudando e temos vontade de comunicar algo novo. O movimento hippie, muito importante nos anos 1960, era contra a guerra, tinha a ideia de paz e amor, quebrou regras, pregava liberdade, e tudo isso era refletido na moda. Cabelo mais solto, maquiagem mais leve, roupas mais coloridas. Se olharmos para a moda dos anos 1970, além do movimento hippie, tinha o André Courrèges, que fazia uma moda meio espacial, saias e chapéus pareciam planetas. O homem tinha acabado de pisar na Lua, então tudo o que acontece no mundo reflete no que a gente veste. Por isso, é algo tão importante. Mostra que você está atualizado, é relevante, que basicamente está conectado com o mundo.

E o que tem influenciado 
a moda de hoje?
No curso que fiz em Nova York, em 2008, a professora falava que a grande tendência seria o “verdejar da América”, o que significa sustentabilidade. Essa é a grande preocupação da nova geração. Para ela, o planeta é o mais importante. Não sei se você conhece a sueca Greta Thunberg, de 17 anos. É uma menina extremamente inteligente, bem-criada pelos pais, que decidiu não ir à escola na sexta-feira e ficava sentada na escada do Congresso, dizendo: para que vou à escola se não vamos ter recursos naturais nem planeta em 50 anos? Ela criou o movimento “Friday strike” ou “Friday for the future” e hoje várias crianças não vão à escola às sextas para se manifestar. Isso até já chegou ao Brasil. Na moda, vemos o uso de materiais e cores mais naturais. Se olharmos a maneira como a nova geração se veste, eles estão sempre com roupas sem muita afetação, simples, calça, blusa e tênis, muitas vezes de brechó. Isso está crescendo demais. Pesquisas mostram que a revenda, seja em loja ou on-line, vai ultrapassar as vendas do fast fashion, que hoje é o grande mercado da moda, em 10 anos. Estou vendo isso debaixo dos meus olhos, porque tenho um filho de 11 anos. Eles acham mais legal comprar uma roupa que já foi usada do que uma roupa nova, é questão de preferência. Tem a ver também com a necessidade de parecer mais único, e não massificado. O mundo tende a isso.

Se estamos num momento de rever escolhas, reaproveitar o que já temos e comprar roupas usadas, como vamos consumir moda no futuro?
Falo para os meus clientes que o mundo não precisa de mais uma marca. As faculdades de moda, historicamente, ensinam o aluno a fazer coleção e desfile de moda, e nem sempre é disso que precisamos. Acabei de trabalhar com uma startup de Brasília que revende roupa para grávidas.

Como se posicionar no mercado para atender esse novo consumidor?
Você pode até produzir roupa nova, mas tem que ter uma cara vintage. Outras ideias são pensar em aluguel – vemos muitas lojas como a Urban Outfitters, nos Estados Unidos, que tem um corner de aluguel de roupa – e no movimento circular. Se você cansou da sua roupa, traz ela de volta à loja que vamos te dar desconto ou vamos customizar a sua peça. Existem várias maneiras de ressignificar a moda sem precisar produzir mais. As marcas de fast fashion estão se movimentando para conseguir se comunicar com essa nova geração. Os negócios mais lucrativos na moda são de revenda on-line, como a The RealReal. Não é um brechó com coisas vintage, cheiro de naftalina. Só aceita peças de extrema qualidade e no máximo cinco anos de uso. Esse é o brechó que agrada a essa nova geração, por isso está crescendo absurdamente e já tem loja de varejo. Algumas lojas centenárias de departamento estão fechando, porque estão com dificuldade de ser relevantes para a nova geração. Falo que são transatlânticos, que não conseguem acompanhar os movimentos de hoje.

O que está por vir na moda?
Falando do verão, estamos vendo muitas sapatos com tiras bem finas e salto mais baixo. A mulher hoje tem uma vida superatribulada, trabalha, cuida da casa e não dá mais para usar salto. Claro que cada uma pode usar o que quiser, mas hoje existem mais opções, inclusive o tênis. Tênis representa o mesmo de quando a Chanel tirou o espartilho e a mulherada podia usar calça. Também vejo muito vestido longo, com mangas e tecidos naturais, como linho e algodão, e manga. São vestidos com cara de escapismo, parece que a mulher comprou em uma viagem ao México, por exemplo. Tenho visto muitos tons de rosa, vermelho, terrosos e laranja, que está muito em alta. Mais tons quentes que frios.

O homem também entra 
nas pesquisas?
Assim como existe uma nova mulher, existe um novo homem, que participa mais das atividades da casa, cozinha, cuida dos filhos. Isso reflete na maneira de se vestir com o uso da cor rosa, bordados, estampas florais e na busca pelo conforto.

O que mudou para a mulher?
Por que a cor rosa virou o novo preto? Por causa do movimento feminista e da presença da mulher no mercado e trabalho. Por que a mulher está usando mais saia mídi? Ela entendeu que pode ser sensual e sexy sem mostrar tanto o corpo, diferentemente da minissaia, que virou símbolo da liberdade sexual nos anos 1960. Falo sobre tendência, mas trago o comportamento que está por trás dela.

Como você se envolveu 
com o coolhunting?
Sempre gostei de moda, mas na minha época, anos 1980, não existia muita faculdade de moda. Todos os testes vocacionais apontavam para uma certa facilidade com empreendedorismo e números e fui fazer administração. No fim do curso, caí em banco. Sou da geração que queria trabalhar em banco e ganhar dinheiro rápido. Depois de um tempo vi que não era o que gostava. Mas as pessoas em geral entendem que a indústria da moda é muito fútil, infelizmente, o que não é verdade. Você pode contar a história do mundo a partir do que as pessoas estão vestindo.

Por onde você começou na moda?
Quando comecei a me envolver com moda, você tinha a opção de ser modelo ou estilista. Mas existem várias outras maneiras de trabalhar com moda. Tive marca própria, trabalhei com varejo e atacado. Tudo isso me serviu para entender como o mercado funciona, mas não era o que queria, queria me aprofundar mais. É difícil para quem tem confecção e loja, naquela correria de ter que criar uma coleção incrível, parar para entender o comportamento do consumidor. Você fica tentando fazer mais do mesmo e às vezes deixa passar uma oportunidade. O período em Nova York me fez ficar com as antenas ligadas. Manhattan tem gente do mundo inteiro. É uma cidade razoavelmente pequena, onde as pessoas assumem comportamentos sem medo de ser julgadas, respeitam suas raízes, mas têm mente aberta para o novo. É uma cidade que tem muitos artistas, pessoas criativas. Ter morado lá foi uma grande inspiração para perceber a moda de maneira diferente. Comecei a olhar pela visão comportamental.

Como treinar o olhar para 
as tendências?
Sempre falo para não ter preconceito. Não torça o nariz para o que ver de novo ou estranho, pare para pensar. A Gucci desfilou um sapato cheio de pelo e você já fala “nossa, horrível”, mas pode ser muito confortável. Ah, não gosto de brechó, não gosto do feminismo, mas você não precisa ser feminista para estar inserida no movimento. Observe muito as novas gerações, o que elas fazem de diferente do que você fazia, as respostas estão nelas. O meu filho chega em casa e fala para fechar a torneira, apagar a luz. Quem mora em São Paulo passou pelo menos três anos com medo de não ter água. Isso na formação de uma criança é importantíssimo, não é exclusivo de uma classe social. Os millennials são a primeira geração que acumula menos riqueza que os pais. Para eles não é importante ter, já está ótimo andar de carro com Uber, viajar pelo Airbnb e ter patinete elétrico ou bicicleta na rua. Por que acumular se posso compartilhar? Isso também tem a ver com propósito, querem fazer o que gostam, não querem uma profissão só para ganhar dinheiro, que seja bom para mundo.

O você acha desse momento em que as redes sociais são protagonistas das histórias e das conexões?
Tem o lado da Fomo (“fear of missing out”), ansiedade gerada pelas redes sociais. Os jovens têm medo de estar perdendo alguma coisa. São tantas informações, o amigo está viajando, a amiga está escrevendo um livro, que eles sentem que a vida está passando e eles não estão fazendo nada. Outra questão é o distanciamento dos relacionamentos. Há pesquisas que dizem que a frequência escolar diminuiu nessa geração, que a frequência sexual está baixando, assim como o consumo de drogas e bebidas, porque eles não vão mais a festas, preferem os relacionamentos virtuais. Mas existe o lado bom, para mim, que é a diversidade. Hoje, todas as pessoas têm voz através da internet, antes tinham que aceitar o que a revista falava, o que a atriz usava na novela. A Gucci contratou uma diretora de diversidade depois de se envolver em um caso de racismo. Hoje as pessoas vão para a internet, reclamam, e isso vira uma bola de neve muito ruim para as marcas. As minorias, como têm mais voz, acabam influenciando as maiorias também. Quando voltei de Nova York para São Paulo, em 2012, vi numa palestra de um bureau de tendência uma antropóloga dizendo que o Brasil ia viver uma série de manifestações sociais. Não esperava que isso fosse acontecer, mas logo em São Paulo teve o protesto dos R$ 0,20. Hoje os grupos se movimentam e conseguem ter voz.
Como isso influencia o consumo?
Países da África e da América Latina estão fazendo muito sucesso, até em reação ao preconceito de Donald Trump. Na moda, o decote ombro a ombro, os babados, as mangas bufantes, tudo isso vem da moda latina. Já os turbantes, da moda africana, também estão em alta.

A figura do digital influencer vai continuar a existir?
Os influencers começaram como blogueiros. Era algo mais real, mais natural, eles usavam a roupa que tinham, o que gostavam, por isso ganharam tanto espaço. Hoje isso está um pouco exagerado, então acho que só os que têm conteúdo vão ficar. Pensando nos influenciadores ao longo da história, nos anos 1920 temos a Chanel; nos anos 1960, os hippies; nos anos 1980, as bandas de rock; nos anos 1990, os modelos, e agora estão vivendo a era dos youtubers. Engraçado que cheguei a essa conclusão quando estava conversando com o meu filho. Os astronautas eram o zeitgeist (palavra alemã que significa espírito do tempo) da minha época, eu queria ser astronauta quando pequena. E hoje, o que as crianças querem ser? Jogador de futebol ou youtuber. Já existe curso de youtuber, isso é profissão nova. Se vai durar, tenho minhas dúvidas, mas é a realidade, não podemos ter preconceito.

As tendências são mesmo globais, ou existem especificidades para cada país?
Sempre falo que o que está na moda em Nova York pode não estar aqui. É preciso treinar o olhar para os movimentos locais, o que agrada aos mineiros. Estão falando de casacos longos e cores neuras, isso funciona na Dinamarca, mas no Brasil não. Não é igual para todo mundo. Temos que abrir o olhar para o regionalismo, temos que valorizar iniciativas locais, o que fazem na sua comunidade, no seu bairro. A Vert Shoes é uma empresa francesa que resolveu abrir uma marca de tênis no Brasil porque é o único país do mundo onde encontrou materiais sustentáveis. A gente está aqui e não enxerga isso.

Comprar local é uma tendência?
Sim, incluo na macrotendência de voz e diversidade. Sou vice-presidente da Associação Internacional dos Consultores de Imagem (Aici) e convidei a presidente mundial, que é holandesa, para um seminário. Ela olhava rótulo de água, de cerveja, e não entendia: por que tomar uma cerveja que atravessou o oceano, que poluiu o meio ambiente, se existem cervejas maravilhosas feita na esquina?. Vemos que países na Europa estão muito envolvidos nessa questão. Faço passeios culturais por São Paulo e as pessoas nem acreditam que é Brasil. Temos que prestar atenção no local e valorizar. 
 
 


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