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Estado de Minas ENTREVISTA

'A classe média está fugindo do Brasil', afirma economista

Baixo crescimento econômico e qualidade de vida ruim estão expulsando, sobretudo, jovens mais qualificados, do país, diz a especialista


11/07/2022 15:06 - atualizado 11/07/2022 15:15

Entrevista com Sandra Utsumi
Diretora executiva do Haitong diz que o desarranjo das contas públicas no Brasil tira toda a efetividade de reformas importantes como a trabalhista e a da Previdência Social (foto: Vicente Nunes/CB/D.A Press)

Lisboa, Portugal — Radicada há 16 anos em terras lusitanas, a economista brasileira Sandra Utsumi, diretora executiva do Banco Haitong, é hoje uma das referências no mercado português. Com uma visão sem paixões, pragmática, da realidade, ela diz ver com tristeza o fato de o Brasil estar se transformando em um grande exportador de mão de obra qualificada por não oferecer condições de vida adequadas, sobretudo, aos mais jovens.

"Muitas empresas da Europa estão contratando jovens brasileiros que não têm boas perspectivas em seu país. O Brasil está exportando capital humano, sua melhor mão de obra. Vejo muitos professores universitários, jovens recém-formados, vindo trabalhar em Portugal, abrindo pequenas empresas, atuando no setor de tecnologia", diz a executiva. 
 
E acrescenta: "Há uma fuga da classe média do Brasil, que cada vez menos vê perspectivas de crescimento econômico, se depara com qualidade de vida que não avança. Por isso, prefere arriscar uma vida em outros países, mesmo que mais modesta".

Pelas projeções do Banco Haitong, o Brasil crescerá apenas 0,8%, neste ano, e 0,3%, em 2023, nada muito diferente do que se viu na última década, quando o Produto Interno Bruto (PIB) avançou, em média, 0,3% anualmente. 

"É muito pouco para uma economia com o potencial da brasileira", diz Sandra. Ela acredita que o país não conseguirá se livrar da recessão que o mundo já contratou, que deve se estender entre o último trimestre de 2022 e o primeiro de 2023. A contração econômica será combinada com inflação ainda alta e juros subindo. A conta, enfatiza a executiva, será paga pelos consumidores, que verão o desemprego aumentar e a renda, cair.

Num momento em que o Congresso está prestes a sancionar mais uma farra fiscal a favor do governo, com a PEC Eleitoral, a diretora executiva do Haitong diz que o desarranjo das contas públicas no Brasil tira toda a efetividade de reformas importantes como a trabalhista e a da Previdência Social. Para ela, é preciso reduzir o tamanho do Estado na economia e melhorar os indicadores de produtividade. Esse é o caminho para que os investidores elejam o país como porto prioritário para seus negócios e o crescimento da atividade seja sustentado. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio:

Em menos de um mês começam, efetivamente, as campanhas eleitorais no Brasil, que está totalmente polarizado. Como os investidores estrangeiros estão vendo o país?

Os investidores estrangeiros olham o Brasil como olham para toda a América Latina. Sofrem com um problema de crescimento instável e, institucionalmente, com as mudanças. Há uma onda um pouco à esquerda na região. Não se sabe o que vai ocorrer no Brasil, e eu me abstenho de comentar questões políticas. Mas a percepção é de que, neste momento, independentemente da situação política, com o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e a iminência de recessão global, uma boa parte dos países emergentes deixa de ser atrativa.

Como se diferenciar neste momento?

Sempre há necessidade de uma segurança institucional, um país que promova reformas e siga toda aquela cartilha macroprudencial que nós ouvimos falar há décadas no Brasil. Sem esse tipo de agenda, é difícil se sobrepor a outros competidores. O Brasil tem uma grande vantagem, num momento em que as commodities (agrícolas e minerais) são necessárias, em que o custo de energia afeta a todos. O país tem uma capacidade de geração de energia própria bastante vantajosa, comparado às nações desenvolvidas, e uma das maiores plataformas de agribusiness do mundo. Portanto, tem possibilidade de atrair capital nos segmentos que vão crescer nesta fase que o mundo vive.

Nos últimos 10 anos, a média de crescimento do Brasil foi de 0,3% ao ano. Isso não é muito pouco?

Realmente, é uma taxa de crescimento muito baixa. O Brasil deveria crescer, em termos reais, acima de 2% ou 3% ao ano. O avanço que o país viveu no boom do início dos anos de 1970 e na época do Plano Real é algo pouco esperado. Mas, estruturalmente, o Brasil deveria, para competir com outros países emergentes, crescer consistentemente.

O Brasil conseguiu avançar e fez algumas reformas, como a trabalhista e a da Previdência Social. Mesmo assim, o crescimento não decolou. Por quê?

Essas reformas mitigaram uma parte do que é o custo Brasil. Mas a estrutura produtiva do país carece de uma mão de obra qualificada. Há uma defasagem muito grande em termos de educação, que prejudica a produtividade da economia. Os custos relacionados aos investimentos em infraestrutura são elevados. Um arcabouço consistente de crescimento ao longo do tempo ainda não está completo. Portanto, por mais que se façam reformas, o desenvolvimento que se vê no Brasil ainda é focado em regiões específicas. Não há um crescimento generalizado no país.

E o que é possível fazer, de mais curto prazo, para que o país consiga deslanchar? Uma reforma tributária, por exemplo, para reduzir essas desigualdades regionais?

Creio que há necessidade de reformas do ponto de vista tributário, do ponto de vista de agilidade de contratos, seja jurídico, seja administrativo, seja de redução do tamanho do Estado na economia. Enfim, se formos olhar aqueles indicadores de competitividade que o Fórum Econômico Mundial faz, o Brasil não tem avançado como outros países emergentes para gerar um ambiente de investimento e desenvolvimento mais sustentado nos médio e longo prazos.

Esperava-se que essas reformas ocorressem com mais velocidade em um governo dito liberal, como o que está no poder no Brasil. A agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, estava toda nessa linha. O que falhou?

O que se viu, apesar de avanços, como marco regulatório do saneamento básico, foi que tivemos a pandemia da covid. Isso eliminou uma boa parte do que poderia ter sido investimentos no país nos últimos dois anos. Além de tudo, o Brasil foi apanhado por um custo de investimento muito alto pelos próximos dois anos, pelo menos, quando se olha para o movimento de alta mundial das taxas de juros. Ou seja, a relação custo-benefício encestou o Brasil e qualquer outro país emergente que esteja exposto a um contraciclo global. Mais: o impacto de uma reforma não é imediato. Demora alguns anos para se refletir em produtividade da economia. Faz-se a reforma de um lado, mas há o sucateamento da economia em outros aspectos. A deterioração fiscal é um indício de que não adianta fazer somente uma reforma se, de uma forma global, não são abordadas as ineficiências do Estado brasileiro.

Dentro dessas ineficiências está a educação, cuja qualidade no Brasil é baixa, basta ver a posição do país nos rankings mundiais que medem o conhecimento dos estudantes. É possível ver avanço nesse sentido?

Em todos os países da Ásia houve um avanço muito grande da educação nos últimos anos. No caso brasileiro, realmente, não houve melhoras. Há alguns pontos isolados, como o aumento do número de horas em que as crianças ficam nas escolas, mas isso, para se refletir em aumento da produtividade da economia, não é de um dia para o outro.

A senhora vê a educação como prioridade no Brasil?

Em qualquer país, se não houver aumento do número de anos estudados, não há crescimento sustentado da economia. Todas as pesquisas mostram que, a cada ano adicional de estudo, há um incremento de renda familiar, especialmente no caso da educação feminina. Então, há a necessidade de o Brasil abordar, cientificamente, de olhar todos os casos no mundo em que houve investimento em educação, reter os estudantes no ensino fundamental e médio e melhorar o acesso ao ensino superior.

Esse é o caminho para reduzir as desigualdades sociais, com crescimento, certo?

Exato. O que vemos, muitas vezes, e, agora, com o baixo crescimento da economia do Brasil: muitas empresas da Europa estão contratando jovens brasileiros que não têm boas perspectivas em seu país. O Brasil está exportando capital humano, sua melhor mão de obra. Vejo muitos professores universitários, jovens recém-formados, vindo trabalhar em Portugal, abrindo pequenas empresas, atuando no setor de tecnologia. Há uma fuga da classe média do Brasil, que cada vez menos vê perspectivas de crescimento econômico, se depara com qualidade de vida que não avança. Por isso, prefere arriscar uma vida em outros países, mesmo que mais modesta.

O presidente do Banco Central disse, recentemente, que o pior da inflação no Brasil já passou, até porque o país fez um movimento antecipado de aumento de juros. Como vê isso?

O consumo das famílias perderá força no segundo semestre, quando os juros mais altos começarão, efetivamente, a fazer efeito na economia. Normalmente, o aperto monetário se propaga na economia ao longo de seis, nove meses. Então, até o fim deste ano, vamos ver, principalmente, o crédito ao consumo ser mais modesto, o crédito às empresas ser mais seletivo por parte dos bancos. Isso tira pressão sobre a inflação. É importante lembrar que esse ciclo de inflação que vivemos no mundo, neste momento, é de oferta. Existe pressão por parte do consumo, porque o desconfinamento trouxe a demanda para os níveis pré-pandemia. Nos últimos dois anos, tivemos uma depreciação da capacidade produtiva. Ou seja, voltamos aos níveis pré-pandemia no consumo, mas não temos a mesma infraestrutura produtiva, pois as empresas deixaram de investir, e o que existia, depreciou. Globalmente, o consumidor é confrontado com uma cadeia de suprimentos apertada. As empresas não conseguem fazer face aos níveis de consumo pré-pandemia. Até que ocorra o ajuste entre demanda e produção, demora. Então, o que estão fazendo os bancos centrais? Aumentam os juros para que o consumo seja mais modesto.

Além da pandemia, que ainda não acabou, há a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que pega a questão alimentar e de energia. Como lidar com isso?

Pensar que Rússia e Ucrânia respondem por um quinto da produção de grãos do mundo, é muita coisa, principalmente para nações que dependem da importação de alimentos. Há vários países africanos que não cumprirão às sanções econômicas impostas à Rússia e vão comprar alimentos de lá, porque precisam suprir a população.

Já se fala em uma crise humanitária sem precedentes. O Brasil, por exemplo, voltou ao mapa da fome...

Eu espero que não enfrentemos essa crise humanitária. Globalmente, o mundo tem estoques reguladores. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos faz um levantamento bastante amplo dos estoques globais de grãos e, para os próximos seis a 12 meses, o mundo consegue aguentar essa guerra. Agora, se esse conflito se prolonga por mais um ou dois anos, sim, vamos ter uma situação bastante dramática do ponto de vista de fome no mundo.


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