
Os doceiros querem a volta do tacho de cobre e da colher de pau no fogão a lenha para produzir suas delícias. Os dois utensílios estão com o uso restrito.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) restringiu o uso de utensílios de cobre na produção de alimentos, baseada na Resolução 20, de 22 de março de 2007. De acordo com a RDC 20, a absorção excessiva do cobre provoca desordens neurológicas e psiquiátricas, danos ao fígado, rins, sistema nervoso, ossos e perda de glóbulos vermelhos.
Há controvérsias. A resolução só permite o uso dos tachos de cobre se eles forem revestidos com ouro, prata, níquel ou estanho. A mais importante vantagem do uso do tacho na fabricação dos doces mineiros, talvez seja o quanto o utensílio é um elemento simbólico e cheio de significados. São gerações e mais gerações de doceiras que se formaram assim, na prática.
“Em 2007, a Vigilância Sanitária tornou lei a proibição de cobre (suposto tóxico) e a colher de pau. Eles tiram a mineiridade da gente, as doceiras estão parando de fazer doce. A Anvisa começou a multar e as doceiras pararam de fabricar. O alumínio é tóxico; o inox é muito caro. Estão mexendo com a herança de um povo, nós queremos ser guardiões. Sou da terceira geração de doces da minha família. Nós vamos brigar por isso ao logo do tempo porque ela é uma lei que não é justa”, diz Gláucio Peron, de Poços de Caldas, produtor rural.
Ele produziu o maior doce de abóbora com coco do mundo (duas vezes no Guinness Book - em 2015, com 551kg, e, em 2017, com 633kg) e é membro idealizador do movimento de reconhecimento e valorização da doçaria mineira.
Clariane Vilela Brandão mora em Belo Horizonte e revende os doces cristalizados de Carmo do Rio Claro na capital. “Estou em defesa do ofício das doceiras e a patrimonização dos doces do Carmo, além da liberação do tacho”, conta ela, que tem família na cidade.
“Minha questão com os doces de Carmo veio depois que eu cursei a disciplina de cozinha brasileira na faculdade com a chef Rosilene Campolina. É um compromisso com a preservação e valorização desse ofício dos doces de Carmo. E, posteriormente, acabei fazendo o curso de doces oferecido pelo Senar, onde pude entender mais a fundo como é o processo dos doces bordados da cidade”, conta Clariane.
Irene Silva é doceira há mais de 30 anos na cidade e produz doces de figo, mamão, entre outros, e está preocupada com o rigor da fiscalização. “Se não tomar um jeito, a atividade pode acabar. A tradição está ameaçada, precisamos de incentivo”, disse. Irene garante que o figo preparado fora do tacho de cobre fica marrom e não verde.
Tradicionalmente conhecida pelos doces cristalizados que ganharam o mundo, Carmo do Rio Claro, com 21.268 habitantes, no Sudoeste Mineiro, vê, gradativamente, o número de doceiras diminuindo e saindo a atividade.
Para ajudar a reverter esse quadro, o Sistema Faemg/Senar/Inaes realizou um curso de doces cristalizados para moradores da cidade, no ano passado. A proposta foi o resgate cultural das tradições de formar mão de obra, inserindo novas pessoas na atividade.
