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Estado de Minas SUFOCO FINANCEIRO

Para fugir de juro alto, consumidor precisa renegociar e conter gastos

Com a taxa Selic de mais de dois dígitos, crédito deve ficar mais caro em todas as modalidades. As saídas vão da troca de dívidas à seleção das despesas


07/02/2022 04:00 - atualizado 07/02/2022 16:58

Adriana Nice, costureira
Com receio de se endividar em cenário desfavorável de juros mais altos, a costureira Adriana Nice preferiu adiar planos para adquirir apartamento (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Para tentar driblar o custo mais alto do dinheiro nos empréstimos dos bancos, financeiras e operadoras de cartões de crédito, o brasileiro terá de redobrar o fôlego e aprender a arte da negociação, diante da taxa básica de juros da economia superior a dois dígitos, arrocho anunciado esta semana pelo Banco Central (BC) e que o país não via desde meados de 2017.

É tarefa para ser cumprida também dentro de casa, num exercício obrigatório de selecionar os gastos, e saber usar o crédito muitas vezes necessário para fechar as contas no fim do mês sem alimentar compromissos que se tornem impagáveis mais à frente.

A corrida será por troca de dívidas mais caras pelas opções que oferecem os juros menores, convencer a família a limitar as despesas no cartão de crédito e recorrer ao cheque especial apenas em períodos curtos e emergenciais, evitando o uso desse perigoso instrumento nas compras à vista, como alertam especialistas ouvidos pelo Estado de Minas.

“Para quem está numa posição devedora, vale a pena correr atrás de tentar reduzir ao máximo esse passivo, seja renegociando ou tentando vender essa dívida para um outro banco, corretora ou aplicativos de empresas financeiras, que estão em abundância no mercado. Logo, pode conseguir reduzir os juros do passivo para obter uma dívida mais barata", afirma o economista e pesquisador Matheus Peçanha, da Fundação Getulio Vargas.

Outro problema está na capacidade que a inflação, hoje, elevada no Brasil, tem de corroer as parcelas dos financiamentos, destaca o economista Fábio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). “Ninguém quer inflação alta, mas ela está aí. Se o consumidor puder parcelar uma compra sem juros, preferencialmente, ou com juros baixos, é o melhor. Em algumas modalidades de crédito, isso é possível, como no automotivo”, diz.

Sonho de consumo de milhares de brasileiros, comprar um carro se tornou necessidade para o motorista de aplicativo Wesley Silva Leite, de 33 anos. As opções de modelos usados são fartas no mercado, mas ele não finalizou a compra em virtude dos altos juros cobrados pelas concessionárias ou financiadoras. Outros consumidores vivem o mesmo drama e adiam desejos, em virtude do momento de insegurança que o país atravessa, reflexo direto da crise agravada pela pandemia do coronavírus.

Nesta semana, o Comitê de Política Econômica (Copom), do BC, elevou a taxa básica de juros para 10,75% ao ano. O aperto já era esperado, como remédio amargo para conter o aumento do custo de vida e da taxa de câmbio. O efeito colateral é que a chamada Selic, que remunera os títulos do governo no mercado financeiro e serve de referência para as operações nos bancos e no comércio, inibe os investimentos no setor produtivo e o consumo, trazendo à tona o medo e a insegurança num cenário de desemprego também elevado.

“Impossível”

O motorista Wesley Silva desejava trocar o carro por outro de modelo popular, a partir de R$ 40 mil, para realizar viagens diárias por aplicativos de transporte. Com os juros mais altos, o veículo seria adquirido por valores acima de R$ 55 mil. Depois de verificar todas as formas de financiamento, ele optou por adiar o sonho.

“Estamos chegando a um ponto em que é praticamente impossível financiar veículo. A taxa de juros está muito alta. Antes da pandemia, conseguíamos comprar um carro com 10% ou 20% de entrada, além de pagar um valor justo. Trabalhávamos e conseguimos viver. Mas, hoje, tudo está muito caro, em virtude dos juros altos no financiamento, o preço do combustível e o custo de vida elevado”, afirma.

De acordo com a última pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead), vinculada à UFMG, o consumidor de Belo Horizonte pagou em janeiro encargo de 2,16% ao mês, em média, para financiar um carro por meio de bancos e financeiras.

Outras modalidades também aparecem com juros muito altos. No cartão de crédito rotativo em atraso,  o juro cobrado era de 12,74% ao mês, em média. No cheque especial, o consumidor pagou taxa de 7,66%, enquanto no crédito pessoal não consignado teve de pagar 4,15% mensais.

“Em vias de regras, num ambiente de Selic alta, o consumidor não pode ter uma posição devedora. Se ele estava planejando fazer um consumo a longo prazo e necessitaria de um crédito mais oneroso e mais a longo prazo, não é o momento ideal. Para quem estava se planejando para fazer um consumo mais longo, como um carro ou apartamento, é bom adiar”, explica Matheus Peçanha, da FGV/IBRE (Instituto Brasileiro de Economia).

A recomendação será seguida pela costureira Adriana Nice Rocha, de 47 anos, que preferiu aguardar cenário menos desfavorável dos juros para comprar um apartamento.
 
Wesley Silva, motorista
O motorista Wesley Silva reclama da combinação entre financiamento caro e inflação dos combustíveis (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
 

Consumidor paga 45%, em média, ao mês

Antes mesmo da elevação da taxa básica de juros de 9,25% para 10,75% ao ano, o sufoco financeiro do consumidor já era uma realidade. O encargo médio pago pelo brasileiro subiu de 37% em dezembro de 2020 para 45% em dezembro último, pelas estimativas com as quais trabalha o economista Fábio Bentes, da CNC. Ele observa que com a alta da Selic, qualquer nova dívida que for contraída tende a impactar ainda mais o orçamento nos meses subsequentes.

Há opções de crédito mais barato, como microcrédito e o empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento, mas o pressuposto básico da negociação é que o consumidor tenha noção exata das condições de pagamento as quais poderá honrar.

A costureira Adriana Nice Rocha, de 47, desejava trocar de apartamento e depois de carro, mas preferiu fugir dos financiamentos.  Por enquanto, a decisão foi adiar a aquisição de bens até que o panorama econômico tenha uma reviravolta. “Infelizmente, tive de adiar esses sonhos, já que tudo está mais caro. O que mais afeta a gente é o preço da gasolina e da luz. Negociei o aluguel do meu espaço de trabalho durante a pandemia por causa dos altos preços, mas a situação continua complicada”, afirma.

O pesquisador Matheus Peçanha, da FGV, acredita que a disparada da taxa básica de juros neste momento é uma tentativa de o governo antecipar cenário que pode ser pior a partir de julho: “No primeiro semestre, devemos ter um bom caminho para a inflação esfriar bastante. No segundo semestre, porém, entram outros fatores críticos de pressão. A própria corrida eleitoral pode impactar o câmbio e isso pode respingar na inflação. Nesse sentido, o motivo de o Banco Central elevar a Selic remete para tentar segurar o segundo semestre”.

Confiança

A elevação dos juros decorre ainda de uma crise de confiança que o Brasil enfrenta e que, em ano eleitoral, tende a se agravar. Os desequilíbrios das contas públicas costumam levar à piora das expectativas dos invetidores sobre o desempenho do país e compõem a mistura ideal de ingredientes da receita que produz a desvalorização do real frente ao dólar.

Outro fator é que a inflação, de fato, vem preocupando vários países e o Brasil fica em posição desfavorável quando outras nações usam o mecanismo dos juros altos para atrair investidores aos seus títulos negociados no mercado financeiro. Enquanto os Estados Unidos e a Zona do Euro passam a conquistar esses recursos, países como o Brasil perdem a chance e têm de pagar prêmios bem maiores para manter ou ser a opção desses dólares.

PASSO A PASSO

  • Verifique a sua capacidade de pagamento, quer dizer, o valor do qual pode dispor todo mês, para propor acordo ao credor. É preciso, nesta hora, estabelecer prioridades, definindo os gastos que devem ser pagos ou renegociados inicialmente. Em geral, são as contas mais caras e que resultarão em penalidades se não forem acertadas, a exemplo da taxa de condomínio, contas de luz, água e telefone

  • O objetivo na renegociação será refazer o parcelamento com prestações baixas, sem juros ou com juros menores e, ainda, em condições de pagamento que possam ser cumpridas

  • Compare orçamento, salário e gastos. Mudanças de hábito podem ser necessárias. Regras simples para a saúde financeira podem ter sido negligenciadas, como não gastar mais do que se ganha, evitar ao máximo o uso de cheque especial e cair no rotativo dos cartões de crédito

  • Cheque especial só deve ser usado por períodos curtos e emergenciais, evitando o seu uso em pagamentos à vista. Em contrário, o melhor é fazer empréstimo pessoal na instituição financeira para liquidar essa modalidade

  • Há opções de crédito mais barato, como microcrédito, penhor de joias da Caixa Econômica Federal, e crédito consignado com desconto em folha de pagamento

  • Procure parcelar compras em menor tempo possível para evitar juros compostos

  • É preferível adiar uma compra, poupar dinheiro e então pagar à vista pelo respectivo produto ou serviço

Fonte: especialistas e Associação Nacional de Executivos (Anefac)

 
 


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