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Estado de Minas Vida cara

Inflação castiga tira-gosto e pressão transforma cardápios de redutos de BH

Para manter a clientela e a fama da capital dos botecos, cozinhas simplificam receitas, reduzem peso das porções e cortam itens para driblar remarcações


25/10/2021 04:00 - atualizado 25/10/2021 07:07

Luiz Ribeiro observou remarcações, sobretudo, das carnes
Luiz Ribeiro de Oliveira evita pratos sofisticados e mais 'chiques' porque as porções ficam mais caras ou menores (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

A inflação castiga as cozinhas que sustentam a fama dos tira-gostos mais admirados nos bares de Belo Horizonte e que mantêm, no sufoco, o título conquistado pela cidade de capital nacional dos botecos.

Os aumentos de preços de ingredientes essenciais nos pratos, as carnes e legumes, impõem malabarismos para não espantar a clientela, incluindo desde a simplificação das receitas, redução do peso das porções e até mesmo o corte de itens dos cardápios.

Uma das iguarias tradicionais e campeãs dos redutos da gastronimia belo-horizontina, o figado de boi com jiló desafia até os mais organizados na arte de administrar o caixa. A estrela do prato encareceu 13,53% nos últimos 12 meses terminados em setembro, na média nacional, segundo a pesquisa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No mesmo período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 10,30% na Grande BH. O jiló, por sua vez, ficou 10,83% mais caro no último ano no atacado do entreposto de Contagem da CeasaMinas.

Preferência nas mesas dos botecos do Mercado Central de BH, o tira-gosto passou a ser oferecido a R$ 45, na média, aumento de R$ 10 na porção frente ao ano passado, o que significa reajuste superior a 28%. Iomar Antônio de Jesus, de 63 anos, proprietário do bar Casa Cheia justifica que a remarcação foi inevitável. O fígado com jiló é o carro-chefe do cardápio, vendido a R$ 52.

Eliza Fonseca retirou do cardápio iguarias como a costelinha com molho de goiaba e queijo
"'Os preços estão um absurdo. A cada hora em que vou ao açougue é uma caixinha de surpresa", diz Eliza Fonseca, dona do Bar da Lora (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

“Foi preciso ajustar o cardápio em 5%. A carne está um absurdo, o tanto que subiu e que está subindo. Não é só a carne, mas todos os insumos de cozinha. O pacote de arroz custava R$ 9 e agora custa R$ 20.  A picanha custava R$ 40 o quilo, e hoje não sai por menos de R$ 70”, reclama. Ao perceber os aumentos, a clientela não é mais a mesma, lamenta Wellington Onori, funcionário do Bar da Tia, e ele não esconde a preocupação. “’Tem gente pesquisando preço. E muitos estão pedindo mais bebida do que comida’’, conta.

Há também quem não rejeite as porções num dos estabelecimentos considerados cartões postais da cidade, a exemplo do empresário de Fortaleza Dalmo Gomes, de 44, que conheceu o mercado no Centro de BH e retornou. ‘’É a minha segunda vez no Mercado Central. Pedimos, pra começar, uma calabresa com jiló e macaxeira. Percebi que houve uma pequena subida no preço devido à inflação.’’

Evitar pratos mais complexos da gastronomia mineira é estratégia adicional para driblar a inflação do tira-gosto.  “’Percebi o aumento dos preços e, por isso, evito pratos sofisticados e mais 'chiques'. As porções ficam mais caras ou menores’’, diz o coordenador de operações Luiz Ribeiro de Oliveira. No Bar 80, localizado na Savassi, Região Centro-Sul de BH, ele pediu isca de alcatra acebolada e pagou R$ 34. ‘’Tem sido o preço de porções de carne, de fato, meio salgado, mas com o preço das carnes no mercado, não há jeito”,  disse o consumidor um tanto resignado.

O proprietário do Bar 80, Rond Gaspar, conta que o prato era vendido por R$ 26 e que não conseguiu evitar o repasse. “O aumento real dos produtos foi bem acima da inflação,  em média de 20 a 30%. Isso aconteceu por vários motivos, desde a falta ou excesso de chuvas à alta do dólar e exportações, elevando os  preços. Tive de alterar o cardápio com opções que tiveram menos impacto.”

Achatado


As iguarias feitas com a carne bovina são mais afetadas pela inflação. O preço da picanha  sofreu reajuste de 21,40% na Grande BH em um ano até setembro. Outro prato cobiçado é o contrafilé com fritas . A carne usada na receita encareceu  25,33% em um ano e a batata-inglesa ficou 43,09% mais cara no período na Região Metropolitana de BH, de acordo com o IBGE.

“O contra-filé é o mais caro, quase que dobrou (de preço). Eu compro agora por R$ 40 o quilo. Tem que pesquisar muito preço para ver como fazer’’, diz Eliza Fonseca, de 50, proprietária do Bar da Lora.  Ela também precisou retirar alguns pratos do cardápio como, por exemplo, a costelinha com molho de goiaba e queijo. “’Os preços estão um absurdo. A cada hora em que vou ao açougue é uma caixinha de surpresa. O frango era barato e agora o quilo do peito custa R$ 20. Está difícil de a gente trabalhar. E se você for subindo os preços, não tem jeito.Então, a margem de lucro está bem menor’’, reclama.

Custo desafia reinados do torresmo e tropeiro

Dalmo Gomes veio de Fortaleza e visitou o Mercado Central de BH
''Pedimos calabresa com jiló e macaxeira. Percebi que houve pequena subida no preço'', conta o empresário Dalmo Gomes (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Na ginástica diária para não afugentar o consumidor e obter melhor resultado na negociação com os fornecedores, Gircilene Castro, proprietária do Zé Pileque Botequim, no Bairro Buritis, Região Oeste da capital, faz o que pode para manter as pratas da casa, o torresmo de barriga do Zé e o filé com fritas. “A gente continua segurando. Ainda está difícil para todo mundo. Não adianta repassar para o cliente porque acaba perdendo. Então, procuramos manter o melhor preço, achatar o lucro e tornar o cliente fiel’’, afirma.

Nos últimos 15 dias, ela observou farto aumento de preços de vários alimentos. O saco de 50 quilos de batata inglesa foi comprado por  R$ 120, ante os R$ 70 da compra anterior. O quilo do filé encareceu de R$ 49,50 para R$ 62,80. O torresmo sofreu variação de 20% no preço. “Como aumentar o valor do cardápio em tão pouco tempo? Não tem jeito’’, afirma Gircilene.

Os frutos do mar também sofreram alterações nas tabelas do comércio. “Alguns alimentos a gente não conseguia nem comprar para repor por conta do aumento do preço e o valor pelo qual estávamos vendendo. Num dia o valor é um e, no dia seguinte, o fornecedor informa que não é o mesmo preço’’, contou Odair Melo do bar Baiana do Acarajé, localizado na Savassi, também na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. ‘’Se você não repassar algumas coisas, depois de uma pandemia, você fica fechado’’, desabafou.

Assustador


Os ingredientes do tradicional tropeiro encareceram bastante, à exceção da farinha de mandioca, que ficou  2,58% mais cara em 12 meses até setembro, para inflação de 10,30% na Grande BH. Feijão Carioquinha foi remarcado em 6,78%, carne de porco em  5,60%; ovo em 19,54% e linguiça em  14%.

‘’Eu não consegui repassar o meu preço. Tive que diminuir a margem de lucro para poder manter. Não adianta aumentar e não vender. É o mesmo preço desde antes da pandemia. Não tirei nada do cardápio, e a margem é bem pequenininha. Hoje o nosso público está em 70% do que era’’, contou Alessandro Bortolazo, de 50 anos, proprietário do Bar do Antônio.

O prato feito é outra marca do Mercado Central de BH conhecida pela variedade de opções. Até o ano passado, era encontrado por até R $ 19 e hoje custa até R$ 35. As tradicionais refeições do Bar do Mané sofreram reajuste. ‘’Nossos PF variam de preço, e nos assustamos com os preços das carnes, do arroz…Eu comprava por R$ 13 e agora pago R$ 25’’, disse.

Vantuir Silvestre, de 46 anos, é vendedor e ao chegar a BH vindo de São Paulo foi direto para o Mercado Central. Para ele, o valor pago vale a pena.‘’Passar aqui no mercado é tradição. Sinceramente, eu acho um valor justo. Se vier em BH e não passar no Mercado é o mesmo que não ter vindo pra BH’’.

Disparidade


Em levantamento realizado entre 6 e 8 deste mês em 50 bares da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o site de pesquisas de preços Mercado Mineiro comparou os valores cobrados por vários estabelecimentos da capital para petiscos e bebidas, entre refrigerantes, sucos, drinks e cervejas. Em alguns casos, as variações chegam a 230% e. Segundo os pesquisadores, as diferenças se dão devido à localização do bar, posicionamento junto ao público (se é mais tradicional ou não), e o tamanho das porções, no caso das comidas. (LR) 
 

DONOS DO PEDAÇO


Custo e evolução de preços dos tira-gostos mais pedidos nos bares do Mercado Central de BH

Fígado com Jiló - De R$ 35 para R$ 45

Fígado com Jiló é estrela da demanda dos bares do Mercado Central de BH, um dos redutos da gastronomia da capital
Porção de fígado com Jiló passou a ser vendido a R$ 45, R$ 10 a mais que em 2020 (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Reajustes dos preços%*
Fígado - 13,53%
Jiló - 10,83%


Alcatra acebolada - De R$ 26 para R$ 34

Reajustes dos preços*
Alcatra - 27,54%
Cebola - 25,66%%


Picanha na brasa com mandioca cozida - R$ 79,96

Reajustes dos preços*
Picanha - 21,40%
Mandioca - 103,18%
Cebola - 25,66%% 
 


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