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Estado de Minas PESQUISA ESTADO DE MINAS/INSTITUTO OPUS

Com perda de renda, mineiros tiram carne vermelha do prato

Hábitos, após aperto ditado pela crise sanitária, são reforçados pelos aumentos dos preços. Levantamento em parceira do EM mostra que 74% cortaram a proteína


03/10/2021 04:00 - atualizado 03/10/2021 08:58

Etevaldo Pereira (E) analisa preços em açougue de BH: 20% dos mineiros deixaram de comer carne por causa dos aumentos
Etevaldo Pereira (E) analisa preços em açougue de BH: 20% dos mineiros deixaram de comer carne por causa dos aumentos (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Com a renda já comprimida pelos efeitos da pandemia de COVID-19 sobre a economia, os mineiros passaram a reduzir o consumo da carne vermelha e o uso do carro e da motocicleta para fugir dos aumentos persistentes dos preços da comida e dos combustíveis. O aperto financeiro não só cresceu como acentuou a desigualdade social, segundo levantamento feito em parceira pelo Estado de Minas e o Instituto Opus Consultoria & Pesquisa. Enquanto as famílias de menor poder aquisitivo empobreceram, o grupo de abastados ampliou os rendimentos durante a crise sanitária, mas ninguém escapou da inflação elevada no país. Independentemente dos ganhos, 74% dos mineiros estão comendo carne com menor frequência e dois terços usam menos o carro.

 

Para os mais pobres, com vencimento familiar de até dois salários mínimos (R$ 2,2 mil), as dificuldades aumentaram, após 67% desse grupo terem perdido renda por causa da pandemia, de acordo com a pesquisa Estado de Minas/Instituto Opus. Lutando para administrar o orçamento, 84% se viram obrigados a diminuir o consumo de carne ou colocam a proteína na mesa apenas de forma esporádica. Entre os ricos, cuja renda familiar passa de R$ 11 mil, 54% conseguiram elevar os ganhos depois da chegada do coronavírus e 47% mudaram os hábitos.

 

Os pesquisadores ouviram mil pessoas por telefone em 273 municípios de Minas Gerais entre 27 e 30 de setembro. Da amostra, 52% são mulheres, 48% homens e mais da metade (54%) tem a partir de 45 anos. Do ponto de vista do poder aquisitivo, 52% auferem rendimento familiar de até 2 salários mínimos. O grupo de maior renda, por sua vez, inclui 10% que ganham de cinco a 10 salários (R$ 5.500 a R$ 11 mil) e 4% com vencimento familiar acima de 10 mínimos (R$ 11 mil).

 

Aposentada Cirlei Dias reclama dos preços
Cirlei Dias, aposentada, sente saudade do tempo em que podia fazer compras em abundância (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

"A inflação nos atingiu de tal forma que temos de controlar tudo. Antes, era possível comprar mais coisas. Agora, é levar para casa só o básico"

Cirlei Dias, aposentada

 

 

A realidade captada na pesquisa reflete o novo dia a dia da família da aposentada Cirlei Dias, de 65 anos. Ao EM, ela confessou sentir saudade do tempo em que podia fazer compras em abundância e se beneficiava das promoções nos supermercados e açougues para reforçar a dispensa de casa. Com a inflação, foi preciso mudar a rotina. Agora, a preferência é por ovos, pés de frango e suã, com preços mais acessíveis e a renda apertada depois da pandemia.

 

Como Cirlei, outros consumidores aos poucos substituem a carne vermelha, abrindo mão de um prato mais rico. A pesquisa em parceria do EM verificou que 20% dos mineiros deixaram de comer carne. Entre as opções bovinas mais baratas encontradas no varejo, o acém encareceu 30,26% nos últimos 12 meses terminados em setembro na Grande Belo Horizonte, com base na pesquisa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15),  prévia da inflação oficial do Brasil, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse mesmo período, a média geral de preços subiu 10,26%.

 

Na sexta-feira, Cirlei fez compras para os próximos dias no valor de R$ 80 num açougue na região Leste da capital mineira. Ela deixou de fora vários itens, como alcatra, chã de dentro e contrafilé, cujo quilo ultrapassou os R$ 50 na cidade. “Quando venho aqui, tenho comprado carne de segunda. Ou sempre optado por comer ovo ou outras carnes mais baratas, como frango e porco, que são mais em conta”, afirma.

 

Até mesmo o frango deixou de ser alternativa para muitas famílias. O preço do produto subiu 21,42% na Região Metropolitana de BH em um ano até setembro. De acordo com a pesquisa do EM/Instituto Opus, 58% dos mineiros com renda familiar de dois a cinco salários mínimos (R$ 2,2 mil a R$ 5.500) perderam renda durante a pandemia e o consumo de carne diminuiu para 53% desse grupo.

 

A aposentada Cirlei Dias não acredita que o país terá uma melhora rápida e teme que as dificuldades persistam até o fim do ano: “A inflação nos atingiu de uma tal forma que temos que controlar o consumo de tudo. Antes, era possível comprar mais coisas. Agora, temos de levar para casa somente o básico. Pelo visto, o Natal vai ser diferente, mais simples do que imaginávamos”.

Poder público

O economista Matheus Dias, diretor da Opus Consultoria, afirma que todo o contexto vivido pelo Brasil desde março do ano passado contribuiu para uma situação complicada agora: “A pandemia foi muito complicada para as famílias mineiras. O que é mais chocante é que esse fenômeno atinge duas vezes mais os pobres do que os mais ricos, como os que ganham 10 salários mínimos. A pandemia também afetou a renda das famílias e outros fatores sociais, mas deixou os pobres mais pobres e os ricos mais ricos”.

 

Ele afirma que será preciso uma atuação do poder público para evitar novas catástrofes: “Temos que buscar reparar esse dano social que ocorreu nos últimos meses. Vai ser cada vez mais necessário termos um governo atuante e que se preocupe com essas questões. As famílias mais carentes atuam mais na informalidade e são as que têm menos condições de se proteger nesse cenário de adversidade. Agora, com a abertura do comércio, essas pessoas têm oportunidade de emprego, mas são as que recebem salários menores e  mais expostas a essas mudanças econômicas”.

Fim de semana

O comerciante Etevaldo Pereira, de 51, também precisou mudar hábitos para cortar gastos. Acostumado a fazer churrasco nos fins de semana, ele agora opta por uma alimentação mais básica. “Não tem jeito. Um dia é frango, no outro comemos ovos. Ficaremos assim até as coisas melhorarem no país. Passamos a comer carne vermelha somente nos fins de semana, mesmo assim em quantidades menores”.

 

Ele tem uma visão pessimista do futuro no Brasil: “Nada vai mudar. Acho que o brasileiro tem de se acostumar a uma nova realidade. Tudo encareceu e somos vítimas disso. Temos que fazer contas o tempo todo para tentar viver bem. Nós, os mais pobres, sempre seremos os mais atingidos, infelizmente”.

 

 

Carro, só no fim de semana

O Instututo Opus, em parceria com o Estado de Minas, também mostrou na pesquisa que 66% dos mineiros reduziram o uso de carro devido aos seguidos aumentos dos preços da gasolina e do etanol no último ano, motivados pela elevação do dólar e do barril de petróleo no mercado internacional e pela entressafra da cana-de-açúcar. O hábito atingiu justamente os que ganham até dois salários mínimos, dos quais 76% reduziram ou simplesmente deixaram de usar o carro.

 

O eletricista Renildo Pereira Ramos, de 58 anos, decidiu usar o carro apenas nos fins de semana. De segunda a sexta-feira, ele faz todo o serviço usando ônibus, embora tenha de carregar uma maleta pesada com suas ferramentas. Significativa, a economia nos gastos gira em torno de R$ 400 por mês. “Com esse combustível num preço absurdo, não dá para tirar o carro da garagem. A gente costuma demorar 20 minutos para pegar o ônibus de volta para casa, mas não há jeito, infelizmente.”

 

O eletricista Renildo Pereira enfrenta horas em ônibus carregando a maleta pesada de trabalho para evitar gastar R$ 400 com gasolina
Eletricista Renildo Pereira enfrenta horas em ônibus carregando a maleta pesada de trabalho para evitar gastar R$ 400 com gasolina (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

"Faço a maioria das coisas a pé. Com isso, economizo combustível e também estacionamento caro"

Arthur Oliveira, médico

 

 

A inflação dos combustíveis atingiu até mesmo quem recebe salários mais altos. É o caso do médico Arthur Oliveira, de 26, que trabalha na região hospitalar de BH. Ele passou a usar o carro apenas para o lazer ou ir ao supermercado. Diariamente, o motorista do Uber virou seu amuleto. “Agora, faço a maioria das coisas a pé. Com isso, economizo combustível e pagar também por um estacionamento caro. O carro agora só me leva para locais mais distantes”, conta.

 

Os combustíveis estão entre os principais vilões da inflação, de acordo com o IBGE. Nos últimos 12 meses terminados em setembro, o preço da gasolina subiu 39,48% na Grande BH, medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), prévia da inflação oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O etanol encareceu 66,15% ante a média geral de preços que alcançou 10,06% no período. (RD) 

 

 

 


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