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Estado de Minas CUSTO DE VIDA

Brasileiros vivem martírio para ter comida à mesa

Inflação atinge os principais produtos alimentícios básicos, obrigando famílias mais vulneráveis a mudar radicalmente os costumes e lutar pela sobrevivência


01/08/2021 04:00 - atualizado 01/08/2021 07:27

(foto: Jair Amaral/EM/D.A press)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A press)

''Vivemos muitas dificuldades, pois são oito pessoas para comer todos os dias. Queria muito dar uma melhor condição para meus meninos, mas a situação nunca permite uma vida mais confortável. Tem dia que ficamos pensando se vamos conseguir sobreviver''

Silvana Aranã, de 42 anos, desempregada


A despensa de alimentos está quase vazia. Comer um pedaço de carne virou luxo e, às vezes, é preciso muito esforço para pôr à mesa tudo o que é necessário para a sobrevivência.

Numa casa com quatro cômodos no Bairro Jardim Castanheira, oito pessoas – sendo seis crianças – vivem sem quase renda nenhuma à espera de que o futuro seja mais próspero, ainda que as perspectivas não sejam animadores na economia brasileira. A chefe da família é a desempregada Silvana Aranã, de 42 anos, cuja a missão de sustentar os seis filhos e uma neta tornou-se um martírio nos últimos dias.

Nesses tempos de pandemia, em que a desigualdade social parece acelerar, a inflação de produtos básicos obriga as pessoas mais vulneráveis a mudar radicalmente os costumes e estabelecer um novo padrão de vida, jamais visto anteriormente.

Entre os mais pobres, o arroz com feijão puro passou a ser a única forma de matar a fome durante a semana. Ovos e pés, miúdos e dorso de frango são mais frequentes no prato dos brasileiros. A inflação atingiu os principais gêneros alimentícios e provocou sequelas na mesa e no dia a dia dos consumidores.

Com o preço do gás de cozinha em alta, chegando a quase R$ 100 o botijão de 13kg na capital mineira, a alternativa criada por Silvana Aranã foi cozinhar a lenha no quintal. Ela praticamente abandonou seu fogão, improvisou uma estrutura com tijolos e uma grelha para fixar a panela e preparar o almoço. É comum a família não ter o que comer. A maioria dos alimentos é doado por grupos religiosos ou associações de bairros.

“Quando faço uma faxina e recebo algum dinheiro, a situação fica menos complicada. Dá para comprar carne e leite para as crianças. Mas os últimos dias têm sido difíceis. Só comemos carne aos fins de semana, quando temos”, conta Silvana.

A alta dos preços dos produtos básicos é mais um obstáculo. “É muito difícil criar os filhos sozinha. Vivemos muitas dificuldades, pois são oito pessoas para comer todos os dias. Queria muito dar uma melhor condição para meus meninos, mas a situação nunca permite uma vida mais confortável. Tem dia que ficamos pensando se vamos conseguir sobreviver desse jeito”, afirma a desempregada, que, além do sustento, ainda tem de arcar com remédios mensais na faixa dos R$ 100 para o filho Gabriel, de 12 anos.

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

''Às vezes, recebemos uma cesta básica, o que nos ajuda muito, mas acaba rápido. Os meus filhos estão desempregados e tudo se complica. Estou muito estressada por causa das dificuldades''

Ana Lúcia Armando, de 65 anos, aposentada


Sem trabalho desde o início da pandemia, Silvana só vê o panorama melhorar se ela e a filha Talita, de 18, arrumarem emprego. "Faço qualquer coisa para trabalhar, mas infelizmente não tenho estudo. Ninguém quer dar emprego para quem é humilde. Mas tenho fé que tudo possa mudar", diz.

Quem também precisou se reinventar na hora de preparar o almoço foi a aposentada Ana Lúcia Armando, de 65, moradora de uma comunidade no Alto Vera Cruz. O salário mínimo que ela recebe quase é insuficiente para quitar as despesas com alimentação e saúde. Nesse sentido, ela passou a preparar mais sopas e consumir ovos nas refeições.

“Quando sobra um dinheiro, compro pés de frango, uma carne moída... Precisamos optar por alimentação mais simplificada para dar conta de sobreviver. Às vezes, recebemos uma cesta básica, o que nos ajuda muito, mas acaba rápido. Os meus filhos estão desempregados e tudo se complica. Estou muito estressada por causa das dificuldades que passamos.”

O autônomo Bernardo Nascimento, de 59, readequou as compras do mês, sobretudo as carnes. Tudo agora é adquirido em quantidades menores. Além disso, ele frequenta açougues da região central da capital para encontrar promoções especiais. Vendido a uma média de R$ 45 nos bairros mais nobres, um quilo de alcatra no Centro, por exemplo, pode custar R$ 32. Já o contra-filé é vendido a R$ 35, bem mais barato que os preços de estabelecimentos da região Centro-Sul.

“Compro, semanalmente, meio quilo de carne de boi. Na maioria dos dias, comemos linguiça ou frango. Com esse preço caro e a falta de emprego, temos de adaptar tudo às nossas necessidades. Por isso, é possível encontrar lugares mais em conta para economizar dinheiro”, afirma.

Outra adaptação feita por ele foi substituir o óleo de cozinha para a gordura de porco, o que ajudou a poupar o produto. O arroz e o feijão são comprados também em quantidades menores. “Temos que habituar ao novo momento. A situação não permite brincadeiras e nem desperdícios.”

(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

''Temos que habituar ao novo momento. A situação não permite brincadeiras e nem desperdícios''

Bernardo Nascimento, de 59 anos, autônomo

PREÇOS DISPARAM

De acordo com o Índice Nacional dos Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, os alimentos de primeira necessidade que mais encareceram nos últimos 12 meses na Grande BH foram justamente o óleo de soja (83,12%), arroz (43,88%), o fubá de milho (22%) e o leite longa vida (9,72%). Em relação ao gás de cozinha, o produto já sofreu seis reajustes em 2021, com aumento de 38% no preço nas 

(foto: Arte/EM)
(foto: Arte/EM)
O coordenador de pesquisa do IPCA, Venâncio Otávio Araújo, explica que houve elevação do preço em vários setores, o que justamente explica a alta inflação no período: “Esse índice está muito ligado a alguns aumentos mais significativos, como o arroz, a gasolina, as carnes, o óleo de soja, que foi o subitem da coleta que mais teve aumento (73%). Temos alguns aparelhos eletrônicos e os móveis, além de automóveis e do leite, que também cresceram de preço. Todos os itens contribuíram para que houvesse esse aumento significativo”.

A alta do dólar contribuiu para a elevação de produtos, como o óleo de soja ou mesmo o preço do barril do petróleo, um dos fatores que determinam o preço dos combustíveis. No caso do óleo, o preço da moeda americana favoreceu o aumento das exportações, o que implicou menor quantidade de produção para o mercado interno.

Segundo Venâncio, a inflação na região metropolitana ficou acima da registrada no Brasil nos últimos 12 meses: “Hoje, o índice na Grande BH é de 9,8% nos últimos 12 meses. No Brasil, é de 8,35%. A pandemia do coronavírus influenciou muito por conta da maior demanda. As pessoas ficaram em isolamento e consumiram produtos”. 


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