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Estado de Minas ENTREVISTA/TIAGO ALVES

Energia sem fio nem tomada

Futuro é dos tecnológicos filmes fotovoltaicos orgânicos para eletricidade à luz solar


postado em 01/03/2020 04:00

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press %u2013 22/1/20)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press %u2013 22/1/20)

A iniciativa é daqui, a tecnologia desenvolvida é brasileira, temos de ter muito orgulho disso%u2019

A próxima geração de energia é a habilitadora, ou seja, aquela que permite a você acessar outros produtos ou serviços, sem fio, buraco na parede e tomada – pode, por exemplo, alimentar a quinta geração da telecomunicação móvel (5G) e conectar dispositivos por meio da internet das coisas (internet of things, ou apenas a sigla IoT). Isso, com custo próximo de zero e de forma sustentável. Se você já não paga mais uma conta de telefone fixo para a sua residência, talvez num breve futuro também deixe de receber o boleto da conta de luz. Como é possível? Por meio de filmes fotovoltaicos orgânicos (OPV – do inglês organic photovoltaic), combinado com outras tecnologias.

“É a alternativa mais limpa para produção de energia solar e oferece como diferencial a flexibilidade para aplicação em superfícies de qualquer tamanho, formato e ângulo”, disse Tiago Alves, CEO da mineira Sunew. O pernambucano já passou pela empresa de tecnologia da informação IBM, operadora de telefonia Claro e uma das maiores companhias de propriedade intelectual do mundo, a ARM. Depois de um curso em administração de negócios (MBA) em Cambridge, no Reino Unido, em 2008, voltou ao Brasil, mais precisamente para Belo Horizonte, que, segundo ele, vivia um interessante momento de fomento à indústria.

Na gestora de investimentos Fir Capital, desbravou no país o universo do chamado “venture building”– organizações que criam negócios usando as suas próprias ideias e recursos, rompendo com outros modelos de investimento de risco, como o de incubadoras e aceleradoras de startups. Um dos primeiros passos desse projeto foi a criação, no Centro de Inovação e Tecnologia (CIT) da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), em BH, e um centro de pesquisa aplicada privado, independente e sem fins lucrativos, o Csem Brasil, parte do ecossistema do Centro Suíço de Eletrônica e Microtecnologia (Csem).

“Foi uma parceria que inspirou o nosso modelo de negócio, que nos abriu mercado. Não tem a ver, portanto, com o desenvolvimento de tecnologia suíça. A iniciativa é daqui, a tecnologia desenvolvida é brasileira, temos de ter muito orgulho disso”, faz questão de frisar. O resultado dessa trajetória é a criação, em 2015, da Sunew, empresa que nasceu com o objetivo de reduzir o impacto ambiental provocado pela emissão de gases de efeito estufa e de revolucionar o modo como se consome energia, sendo hoje líder global na produção desses filmes solares orgânicos. Nesta entrevista, conheça detalhes sobre essa energia do futuro e o futuro da energia.

Como surgiu a ideia da Sunew?
Na Fir Capital, quando iniciamos a estruturação da frente de Venture Building. O primeiro passo foi o grupo definir no que acreditava: investir em algo que pudesse mudar a vida dos filhos – que tivesse relevância desenvolvimentista, econômica e de impacto social; em escala global, reunindo os melhores do mundo; que fosse compatível com a nossa capacidade de investimento. Estabelecidas as crenças, definimos o quê e como faríamos energia renovável. Naquela época, por volta de 2008, o Brasil tinha zero de penetração de energia solar, hoje são 2%. Há muito a desbravar. Começamos pelo Csem, um laboratório de pesquisa antes mesmo de construir a empresa, onde reunimos profissionais de 18 nacionalidades. A Sunew nasceu ali, como uma spinoff (jargão da economia digital que se refere a uma empresa que deriva de outra). Deixamos de ser pesquisa e passamos a ser indústria, com a missão de levar a próxima geração de tecnologia em energia para o mundo.

Quais são as gerações de energia e por que a próxima é um recado do Brasil para o mundo?
A geração 1.0 da energia se refere ao carvão; a 2.0, fóssil, como petróleo e gás; a 3.0 são os renováveis, como vento e outros recursos naturais que não são limitados na natureza. Já a 4.0 é a face habilitadora da energia, sem fio nem tomada, a da internet das coisas (IoT), das smart cities (cidades inteligentes). A Sunew, empresa 100% brasileira, fabrica filmes fotovoltaicos com material orgânico e lidera mundialmente a capacidade produtiva dessa geração de energia solar. Tem capacidade de gerar 1 milhão de metros quadrados por ano de filme fotovoltaico orgânico, o OPV. A Sunew tem a maior fábrica do mundo de OPV e 80% de marketshare (participação do mercado global). Além de nós, há uma empresa na França e outra na Alemanha. Havia uma no Japão, mas que fez associação com a gente. É um segredo industrial único, altamente valioso, não adquirível, que pode escalar a nível global.

O que são filmes fotovoltaicos orgânicos?
O OPV (do inglês organic photovoltaics) é a alternativa mais verde de geração de energia. É produzido com polímeros orgânicos semicondutores, com uma combinação de cinco camadas de tintas impressas em um filme flexível e reciclável. Os insumos utilizados são abundantes na natureza e de fácil produção em laboratório. Difere das tecnologias anteriores devido à sua versatilidade: permite a aplicação em qualquer superfície, de fachadas de vidro de edifícios inteligentes até mobiliário urbano e veículos. Devido à sua leveza, flexibilidade, transparência com bloqueio de luz UV e infravermelha, e adaptabilidade a condições de iluminação adversas, o OPV integra projetos de arquitetura inovadores, sustentáveis e de alta qualidade.

Por que o OPV é transformador?
A alta tecnologia tem três grandes pilares econômicos que fazem com que ela seja transformadora frente às tecnologias tradicionais: o material, o processo de produção e a versatilidade no uso. Pela primeira vez na história da humanidade, materiais conseguem transformar diretamente a energia mais limpa, abundante e barata, que é a do Sol, diretamente em eletricidade, com materiais que são 100% fabricados pelo homem, não tóxicos, recicláveis e sem resíduos. Até então, o efeito que transformava luz em energia elétrica, chamado efeito fotoelétrico, precisava de uma categoria de materiais semicondutores, que ocorrem na natureza, como o silício, germano, cádmio, e, portanto, precisam ser minerados, transportados, purificados. Agora, moléculas e suas rotas de síntese são simuladas em computador e, assim, podem ser fabricadas em qualquer laboratório de química fina do mundo. Até a luz artificial é capaz de gerar energia.

Qual é o papel no contexto das tecnologias exponenciais?
Está na alma da descentralização da inteligência, do sensoriamento, da comunicação, da internet das coisas. A gente está desenvolvendo, por exemplo, produtos para uma multinacional, presente em mais de 150 países, para levar a energia 4.0 para dispositivos domésticos e inteligentes. A sociedade começa a pensar energia como serviço: o interesse não seria comprar o filme fotovoltaico pelo custo mais baixo, mas sim pelo que a energia habilita. Afinal de contas, teremos incontáveis sensores espalhados em nossas casas. Como alimento todos eles? Teremos fios? Seriam incontáveis baterias? O OPV é capaz de gerar energia fora do buraco da parede, nos liberta das tomadas.

Haveria uma desmonetização?
Hoje, já tem tecnologia solar que custa R$ 0,07 o quilowatt/hora. Com o OPV são R$ 0,02, um custo perto de zero. O ponto principal não será o preço do quilowatt/hora, mas sim ter a disponibilidade de energia para novas demandas. A monetização será de outra forma. Atualmente, se você está perdido em uma cidade e precisa saber do hotel, a informação se dá por meio de poucos bytes, mas paga-se caro pela informação – o custo do seu plano de dados de internet, por exemplo. Do ponto de vista do orçamento doméstico, praticamente não se paga mais uma conta de telefone fixo. São muitas transformações. A energia será cada vez mais barata e o importante será o que ela habilita, como um 5G onde não se tem cobertura.

Onde está sendo aplicado?
Em três grandes mercados: smart buildings (os chamados edifícios inteligentes), como em fachadas e claraboias de shoppings; smart cities (cidades inteligentes), como em mobiliário urbano; e mobilidade, que é a integração em veículos, a exemplo de ônibus, caminhões e carros, não para alimentar o sistema de locomoção, mas para automação, aumentando a autonomia dos sistemas eletrônicos. Tudo isso é energia 4.0, a energia onde não existia. Os projetos de geração de energia solar executados por nós nos shoppings Iguatemi e Morumbi, ou na Natura, ninguém no mundo teria condições de fazer.

O que foi feito na Natura? 
Instalamos 1.800 metros quadrados de OPV em um dos prédios da sede da empresa, em Cajamar, Região Metropolitana de São Paulo. A instalação, que utiliza o total de 1.580 painéis, é a maior do mundo no momento. A tecnologia da Sunew foi escolhida por sua eficiência e o menor impacto no meio ambiente, além de design inovador das películas, que possuem 1,5 milímetros de espessura. Em um ano, o projeto chegará a 73,4MWh de energia gerada – o que corresponde a uma produção energética até 40% superior ao esperado em instalações de mesma potência composta por painéis solares tradicionais. Essa energia é o suficiente para abastecer o dobro de toda a iluminação do prédio e das 160 posições de trabalho. A estimativa é que a energia gerada pelos painéis contribua para evitar a emissão anual de 37 toneladas de CO2 – o equivalente ao consumo de 459 residências no Brasil em um mês.

Como foi 2019 e quais as expectativas para 2020?
Multiplicamos por 15 o resultado do ano anterior, em faturamento. Vivemos um crescimento exponencial, onde o foco de crescimento está no Brasil, Estados Unidos, Oriente Médio e Japão. Mais do que isso, fechamos o ano podendo falar que temos reconhecidamente a solução para a próxima geração de energia, 80% de marketshare do mercado global, e a maior fábrica do mundo de OPV. Em 2020, o objetivo é continuar nossa expansão geográfica, especialmente na Arábia Saudita. Estamos em negociação com a SaudiAranco, uma das maiores empresas do mundo (seu valor de mercado é de quase US$ 2 trilhões), que em dezembro passado realizou o maior IPO (Oferta Pública Inicial de Ações) da história (US$ 50 bilhões), mas não podemos falar nada mais para além disso. 

As atuais empresas de energia podem ser concorrentes?
A história se repete: não foi ninguém grande de telecom que criou a internet, não tem nenhuma montadora de veículos que fez o que a Tesla faz. Não significa que as empresas do setor de energia não estão enxergando esse cenário, mas não têm agilidade corporativa suficiente para inovar nesse sentido.

A solução vai ao encontro de quem busca ser mais sustentável?
Sustentabilidade não é mais marketing, é uma demanda da sociedade e dos acionistas, passou a ser exigência do investidor. Em 2020, mais empresas perceberão esse recado e, de fato, mudarão seus processos. Algumas começaram a entender que precisam fazer o certo no curto prazo, mesmo que tenham que abrir mão de resultados – e está tudo bem para todos os stakeholders.

O que falta para deslanchar o OPV?
Um desafio é a resistência das empresas ao novo, ao pioneirismo, algumas preferem ser seguidoras. O desafio é quebrar o status quo, a inércia. O que existe hoje está aí há décadas. O OPV é viável – diante das vantagens econômicas, o investimento é marginal. Mas, como é uma nova categoria de produto, as pessoas acabam avaliando com os paradigmas das outras categorias que se conhece, que seriam os painéis. Existe a necessidade de colocar tudo em uma caixinha e essa caixinha está sendo criada só agora. É mesmo complicado enxergar, nosso cérebro é programado para não mudar paradigmas.


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