(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas BRASIL E ARGENTINA

Acordo com União Europeia abre janela para os gigantes do Mercosul

Mergulhados em longa crise econômica, Brasil e Argentina têm oportunidade de fortalecer comércio com Velho Continente e driblar retração, mas precisam fazer duro 'dever de casa'


postado em 02/07/2019 06:00 / atualizado em 02/07/2019 08:24

Porto de Roterdã, porta de entrada dos produtos do Mercosul na Europa: analistas alertam que indústria pode sofrer perdas com sua falta de concorrência (foto: Marco de Swart/AFP/ANP 11/4/19 )
Porto de Roterdã, porta de entrada dos produtos do Mercosul na Europa: analistas alertam que indústria pode sofrer perdas com sua falta de concorrência (foto: Marco de Swart/AFP/ANP 11/4/19 )
Adversários nesta noite pela Copa América, Brasil e Argentina compartilham incertezas não só quanto à qualidade de suas seleções, como também sobre o cenário da economia.

Os dois países sofrem com forte retração desde 2015 e atravessam momento de instabilidade política. O resultado são altas taxas de desemprego e baixo crescimento ou encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB, a soma da produção de bens e serviços).



O anúncio do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) foi comemorado pelos presidentes dos vizinhos, Jair Bolsonaro, e Mauricio Macri, que apostam no aquecimento do comércio com o exterior nos próximos anos. No entanto, especialistas alertam que os efeitos do tratado podem não ser positivos para alguns setores de economia sul-americana, liderada pelos dois hermanos.

Clique para ampliar a imagem
Clique para ampliar a imagem
Assim como os brasileiros, os argentinos enfrentam grave crise no emprego, com subocupação e queda na renda per capta. No primeiro trimestre deste ano, a taxa de desocupados naquele país voltou a entrar nos dois dígitos, chegando a 10,1% da população economicamente ativa, o conjunto de empregados, desempregados e quem busca trabalho.

Segundo o Indec (órgão argentino similar ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), são 1,9 milhão de pessoas sem ocupação atualmente e outros 2,2 milhões subocupados.

Desde 2006, a taxa de desemprego na Argentina não ultrapassava a marca dos dois dígitos. No Brasil, o desemprego afetava, em maio, mais de 12 milhões, representando taxa de 12,3% de desocupação. As duas economias começaram o ano com perspectivas de retomada do crescimento, mas com o passar dos meses a realidade foi impondo números desanimadores.

De janeiro a março, Brasil e Argentina empataram na retração do PIB, com queda de -0,2%. Em comparação com o mesmo período de 2018, contudo, o Brasil cresceu 0,5%, enquanto a Argentina teve forte retração de 5,8%.

Após o acordo entre Mercosul e a UE, assinado durante encontro do países do G-20 (grupo das maiores economias do planeta), no Japão, Bolsonaro e Macri comemoraram a abertura dos mercados sul-americanos.

“Esse acordo irá contribuir com enormes benefícios para os trabalhadores e empresas argentinas. Sentimo-nos felizes e orgulhosos de ter promovido e perseguido esse objetivo desde o primeiro dia”, afirmou o presidente argentino. Bolsonaro também tratou o acordo como histórico: “Missão cumprida. Nossa parceria tem enorme potencial e ainda dará muita alegria aos nossos povos”.

Pouco competivos

Economistas e especialistas em comércio exterior ouvidos pelo Estado de Minas consideram que o acordo pode trazer benefícios e contribuir para o crescimento econômico de Brasil e Argentina, mas ressaltam que será preciso esperar o detalhamento dos termos e são receosos quanto aos benefícios para setores industriais dos sul-americanos.

“Temos uma janela de oportunidades de um lado e de outro. Ao mesmo tempo, tempos um enorme desafio, principalmente no caso da indústria brasileira. Vamos abrir o mercado consumidor brasileiro para a indústria europeia e tenho receito de que nossas empresas possam ser pouco competitivas em relação ao mercado europeu”, analisa o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mauro Rochlin.

Segundo Rochlin, ao se analisar especificamente o setor automobilístico fica clara a vantagem da indústria alemã, francesa e inglesa na disputa por mercado.

“Hoje, eles pagam uma alíquota alta, de 35%, que, de certa forma, impede que os veículos de fora briguem no Brasil. O acordo prevê a redução dessa tarifa. A indústria europeia tem maior produtividade e também está na frente em termos de inovação. Por outro lado, não sei se nossas indústrias conseguirão ter um potencial de vendas no mercado europeu”, explica Rochlin.

Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, para colher benefícios do acordo com a União Europeia o Brasil terá que fazer seu “dever de casa” no período mínimo de dois anos em que o tratado será analisado pelo Congresso Nacional.

“Será preciso reduzir custos da produção nacional, com aprovação das reformas e investimentos na infraestrutura. Sem essas mudanças internas, o acordo sozinho não fará nada. É importante abrir mercados, mas hoje o custo Brasil estimado em 30% é uma barreira que temos internamente e que pode impedir nossos produtos de competir na Europa”, alerta José Augusto.

Vazio de projetos

O economista e coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, avalia que o momento econômico não é ideal para Brasil e Argentina fecharem um acordo com a União Europeia, mas que a médio e longo prazo a abertura de um mercado robusto será importante para os países.

“Passamos por período de um vazio de projetos e ideias tão grande que, quando se fala em um acordo como esse, é importante considerar o lado positivo para os países envolvidos. É uma resposta a Donald Trump (presidente dos Estados Unidos), que aposta apenas nas negociações bilaterais como forma de relação internacional. Mas, para o Brasil, o ideal seria ter uma política industrial de apoio mais sólida, com investimentos em inovação e um monitoramento aos setores mais fragilizados”, diz Balistiero.

Disputas terão time de ‘árbitros’

Brasília e São Paulo – O acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) estabelece um código de conduta para resolver eventuais disputas entre as partes, caso haja divergências sobre a interpretação e aplicação de algum item relativo à área comercial do tratado.

Segundo documento divulgado ontem pela comunidade europeia, qualquer uma das partes pode recorrer ao mecanismo de resolução de litígios se considerar que uma ou mais das obrigações previstas não tenham sido cumpridas. A íntegra do acordo ainda não está disponível.

A primeira etapa no processo de solução de controvérsias é tentar solução amigável, que seguirá procedimento de mediação. Caso não seja possível, é criado um painel de arbitragem com três especialistas em direito e comércio internacional. Os “árbitros” são escolhidos por meio de listas pré-acordadas.

Como forma de transparência, as audiências devem ser abertas ao público e as pessoas interessadas têm o direito de fazer suas próprias apresentações no painel.

O relatório dos três especialistas é considerado terminativo, sem possibilidade de recurso, e tem efeito vinculativo.

A UE espera também que o acordo de livre comércio com o Mercosul represente avanço na criação de regras internacionais de investimento. Na visão do bloco, o conjunto de normas estabelecido poderia suprir ausência de regras multilaterais de concorrência da Organização Mundial do Comércio (OMC). 

Serviços O acordo prevê, ainda, compromissos para exportação e importação de serviços entre os blocos. Os países chegaram a um entendimento para a troca de serviços postais, de telecomunicações, financeiros, e-commerce e marítimos.

A UE dá especial atenção a este último caso e comemora a abertura desse setor, que estava “fechado até agora” para o Mercosul. O acordo cobre serviços marítimos internacionais (transporte e serviços relacionados) pela primeira vez no Mercosul.

Aprovação deverá levar mais 2,5 anos

Brasília – O secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, disse ontem que o debate sobre a política ambiental do Brasil não deve ser uma dificuldade para a aprovação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) pelos parlamentos dos países europeus.

“Apenas a análise jurídica do acordo deve levar um ano. Então nossa estimativa é de que o processo de aprovação por todos os parlamentos envolvidos leve de dois anos a dois anos e meio, a partir de agora”, avaliou.

O secretário esclareceu que o acordo não traz salvaguardas específicas para setores, como desejavam inicialmente os negociadores europeus. “Essas cláusulas caíram nas últimas rodadas de negociação”, relatou.

Ferraz explicou que as salvaguardas previstas não são exatamente iguais aos instrumentos da Organização Mundial de Comércio (OMC), contendo maiores flexibilizações para aplicação. “Mas salvaguarda não é automática, deve haver comprovação de surto de importação e de dano", completou.

Documento divulgado ontem com os detalhes do acordo feito com o Mercosul aponta que o bloco que engloba o Brasil se comprometeu em isentar taxas em setores como carros, partes de carros, maquinário, químicos e fármacos.

Essas reduções, no entanto, serão feitas gradualmente. A importação de veículos de passageiros com base na Europa para o Mercosul, por exemplo, terá desgravação tarifária (prazo para a tarifa ir a zero) de 15 anos, com um período de carência de sete anos em que os carros importados da UE terão taxa reduzida.

O acordo mostra que o Mercosul vai reduzir a zero 91% das importações da Europa em um período de 10 anos. A União Europeia fará o mesmo para 92% das importações do Mercosul no mesmo período, mas uma desgravação de 15 anos está prevista para “alguns dos produtos mais sensíveis” vindos do Mercosul. Em termos de linhas tarifárias, o Mercosul vai “liberalizar” 91% delas e a UE, 95%, gradualmente.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)