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Estado de Minas

O ambiente atual não é propício para a competição, diz presidente da Febraban

Bancos lançam campanha para explicar por que os juros são tão altos no Brasil


postado em 16/12/2018 06:00 / atualizado em 16/12/2018 07:37

(foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)
(foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)

 Os bancos prometem cortar os juros, mas a desconfiança é grande. Ao longo das últimas décadas, as instituições financeiras assumiram o papel de vilãs da economia aos olhos da sociedade, registrando lucros recordes, independentemente, da situação da economia.

 

O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, reconhece que houve erro nessa comunicação e, agora, a instituição está empenhada em mudar essa imagem, com uma ampla campanha explicando por que os juros são altos no Brasil. “Chegamos à conclusão de que precisávamos ampliar esse debate, com a participação mais ativa e mais engajada da sociedade”, explica.

 

E, para mostrar o porque de os juros serem altos no Brasil, apesar de a Selic (taxa básica da economia) estar no menor patamar da história, como parte dessa campanha a entidade lançou o livro Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil. O executivo tenta desmitificar que os lucros dos bancos é que pesam nos juros. Segundo ele, 14,9% do spread bancário (margem que inclui lucro e custos de operação) no crédito correspondem ao lucro dos bancos, enquanto os demais custos dos empréstimos respondem por 85,1%.
Portugal conta que o livro tem 20 medidas que podem ajudar os juros a car. Ele reconhece que o setor bancário é concentrado, mas não é o culpado pelos juros altos. Para o executivo, o ambiente atual não é propício para a competição. “E é por isso que estamos propondo uma reforma nesse ambiente de crédito, para aumentar a competição”, afirma.

 

A seguir, a entrevista concedida por Murilo Portugal ao Estado de Minas:

Os bancos estão em uma campanha pesada para tentar melhorar a imagem e mostrar que estão sim, empenhados em reduzir juros. Dá para acreditar que, desta vez, realmente, os juros vão cair?
Mais do que melhorar a imagem é resolver problemas. Sempre fomos um pouco tímidos na nossa comunicação pública, principalmente, nesse tema dos juros. Isso foi um erro e chegamos à conclusão de que precisávamos ampliar esse debate, com a participação mais ativa e mais engajada da sociedade. Os juros já vêm caindo. De outubro de 2016, quando a Selic (taxa básica da economia) começou a cair, até agora, a queda acumulada é de 7,75 pontos percentuais. A Selic afeta, principalmente, os empréstimos do chamado crédito livre, que são dados com os recursos captados com essa taxa. Nos recursos direcionados, há subsídios. Para se ter uma ideia, se a queda da Selic foi repassada para o spread, o melhor é olhar para os recursos do crédito livre. A taxa média, entre outubro de 2016 até outubro de 2018, caiu 15,9 pontos percentuais. Foi mais do que o dobro da queda da Selic.

Isso significa que os bancos abriram mão de parte dos ganhos?
A maior parte dos juros não é composta pelos ganhos. O Banco Central fez uma decomposição do spread entre seus vários componentes e os dados mostram que 14,9% do spread correspondem ao lucro dos bancos e 85,1%, aos custos da intermediação financeira. São custos que os bancos têm na atividade de emprestar e que acabam sendo repassados aos clientes como em qualquer atividade econômica. Os juros já vêm caindo, mas achamos que, para o Brasil crescer mais rápido, os juros precisam cair ainda mais.

Até porque, quando a gente compara com as taxas internacionais, os juros no país em relação às economias desenvolvidas, a gente ainda tem um custo do dinheiro muito elevado...
É verdade. Infelizmente, aqui no Brasil, tudo custa mais caro do que nas economias mais desenvolvidas. As pessoas, lógico, prestam atenção no bem ou no serviço que ela está comprando. Se ela for comprar um carro, ela vai ver que os preços dos automóveis aqui são mais altos do que nos outros países. Se for comprar um celular, o preço do celular aqui, indistintamente, é mais caro. E isso ocorre também com o custo do dinheiro.

E isso ocorre por quê?
Ocorre por uma coisa que a imprensa fala muito, que é o Custo Brasil. Os custos de produzir bens e serviços no Brasil são mais elevados do que nos outros países. Neste livro lançado pela Febraban, Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil, a gente mostra, no caso dos custos dos bancos, a diferença entre o nosso custo e a média de um conjunto de países emergentes e desenvolvidos. E o momento é propício para fazermos uma reforma no ambiente de crédito, que permita que os juros caiam mais do que já caíram até agora e ajudem o país a crescer mais e a criar mais emprego.

Mas por que esse momento é propício?
Estamos em um momento de recuperação cíclica da economia. Existe uma capacidade ociosa grande que é demonstrada pelos 12 milhões de pessoas que, infelizmente, ainda estão desempregadas. Já caiu, mas ainda temos um patamar elevado. E estamos também com uma capacidade física instalada ociosa na indústria e em todos os setores da economia. Na indústria, por exemplo, estamos utilizando 75% da capacidade instalada. Quando temos essa situação, o país pode crescer sem precisar investir. A média de utilização histórica na indústria é em torno de 82%. Além disso, não só a inflação corrente está baixa, como as expectativas futuras estão ancoradas na meta, que é cadente daqui até 2021. Neste ano, vamos ter uma inflação menor do que a meta de 4,5% anuais. Possivelmente, vai ficar um pouco abaixo de 4%, em 3,9%. E, para 2019, a meta é 4,25%, mas as estimativas são de que a taxa ficará em torno de 4%. Talvez, 4,1%.  

O senhor acha que a Selic sobe ainda no ano que vem?
Não sou eu quem acho. Os mercados têm expectativas de que a Selic pode terminar o ano que vem ainda abaixo de 8%, mas acima de 6,5%. As estimativas estão na casa de 7%, 7,5%. Então, com capacidade ociosa na economia e inflação baixa e expectativas ancoradas, e, portanto, taxas de juros ancoradas. Temos ainda uma situação externa confortável. A situação macroeconômica no contexto global piorou um pouco em relação ao que era, porque o crescimento mundial está desacelerando. O crescimento global estará mais dessincronizado, não estará mais todo mundo crescendo ao mesmo tempo, como foi em 2018, quando 120 países estavam se expandindo. Mas o Brasil será um dos países que vai se expandir no ano que vem, ao contrário da maioria.

Nessas suas projeções, onde entra o novo governo?
O novo governo tem uma agenda liberal para a economia e apontou uma equipe econômica que tem uma envergadura intelectual grande. Essa equipe mescla pessoas com formação intelectual muito sólida, como é o caso do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e com um conhecimento grande da máquina pública, como é o caso do ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que também tem experiência internacional profunda e também é da Universidade de Chicago (como Guedes). Esse cabedal intelectual é muito importante para analisar o que está ocorrendo e tomar a direção certa nos grandes assuntos que precisam ser tomados. Aqui em Brasília, é preciso também conhecer o funcionamento da máquina e como interagem as instituições para que as boas ideias se transformem em ações renovadoras e transformadoras. Existe essa oportunidade e teremos desafios, é verdade.

E qual é o maior desafio?
O maior desafio é o fiscal. Isso não é dúvida, nem segredo para ninguém. Estamos desde 2014 tendo déficits primários de uma maneira crescente. Felizmente, com o governo Michel Temer, tanto na gestão do ministro Henrique Meirelles e agora com o ministro Eduardo Guardia, eles interromperam o crescimento que vinha ocorrendo no déficit primário como conseguiram reduzi-lo. Começaram quando o déficit primário estava em 2,5% do PIB e, nos curtos dois anos de mandato, conseguiram ficar sempre abaixo do limite máximo fixado (na LDO). O governo tem um limite de déficit de R$ 159 bilhões (neste ano) e, possivelmente, o resultado deve ficar abaixo, em torno de R$ 130 bilhões ou menos. O ano ainda vai terminar com déficit em torno de 1,5% do PIB, 1 ponto percentual menor em dois anos, que é um esforço muito grande sem aumento de arrecadação. Mas temos problemas fiscais estruturais que decorrem do aumento descontrolado do gasto público, que passou de 10% do PIB, no início da década de 1990, para algo perto de 20% do PIB, atualmente. O principal problema é o crescimento do gasto público mais rápido do que o crescimento do PIB. O governo Temer aprovou uma medida de grande envergadura, que é o teto de gastos primários, que, às vezes, é mal compreendido. Se o teto continuar sendo aplicado, vai gerar uma redução, como já vem gerando, de meio ponto percentual do PIB por ano de redução de gasto, que é um processo gradual. Agora, temos o problema da Previdência. Se ele não for resolvido, vai tornar difícil que esse programa de ajuste gradual seja mantido. Portanto, nosso maior desafio fiscal é esse. Acredito que há um entendimento de várias forças políticas de que esse é um problema que precisa ser resolvido e estamos esperançosos de que ele venha ser atacado pelo novo governo.

O senhor disse que não houve redução do déficit sem aumento de receitas. Mas há uma sugestão do Ministério da Fazenda de aumento de impostos. Tem espaço para aumentar imposto no país?
O ministro tem dito que o problema do país não é a falta de receita, mas o aumento dos gastos. O documento falou de um conjunto de medidas, de aumento de imposto e de redução de despesas. Mas gostaria de voltar a falar sobre o crédito. Os juros vêm caindo, mas achamos que há a perspectiva de que ele possa cair ainda mais. E isso é necessário para que o Brasil cresça mais rápido e gere mais empregos do que vem gerando. E, para a gente conseguir isso, é preciso ter um diagnóstico adequado da situação. A opinião pública prevalente é que os juros no Brasil são altos porque o setor bancário é concentrado, não tem competição e os lucros são muito altos. É verdade que o setor bancário no Brasil é concentrado, porque, no mundo todo, o setor bancário tende a ser concentrado. Todos os setores que são intensivos de capital, que precisam de muito capital para atuar, tendem a ter um número pequeno de empresas que atuam no setor. O Banco Central exige um capital mínimo para operar. É um mito de que o setor bancário brasileiro seja mais concentrado do que em outros países ou mais concentrado do que outros setores intensivos de capital da economia brasileira.

Mas nos outros países há muito mais bancos e os bancos cooperativos de países como a Alemanha praticam taxas muito mais baixas que a média do mercado. Aqui no Brasil, a gente vê mais de 80% do crédito na mão de apenas cinco bancos. Isso não é concentração?
É. Isso é concentração.

Isso não é nocivo?
Não necessariamente. Pode ser nocivo. O que é importante não é ser concentrado ou não, mas ter ou não competição. E ela deve aumentar. Há alguns países em que há um número maior de bancos do que no Brasil. Geralmente, são citados os 4 mil bancos dos Estados Unidos. Lá, por razões históricas, há um grande número de bancos pequenos, com uma agência só e que operam em um único bairro. Eles não fazem um impacto tão grande nem na concentração, nem na competição. Dos 4 mil bancos dos EUA, só 1,8 mil têm o seguro de depósito do governo federal, que paga os depósitos de até U$ 250 mil em caso de falência. Os outros não têm. É engraçado. Em relação aos bancos, as pessoas reclamam dos juros, do spread, da qualidade dos serviços, mas elas gostam de bancos fortes para botarem o dinheiro. Elas não gostam de bancos que são percebidos como frágeis.

Mas o ambiente é propício para a competição? Muitos bancos estrangeiros grandes vieram para o Brasil e foram embora, como Citibank, HSBC... E não só isso, os que ficaram abriram mão da competição e absorveram o modelo brasileiro de ganhar dinheiro...
Infelizmente, o ambiente atual não é propício para a competição. E é por isso que os bancos entram e saem. E é por isso que estamos propondo uma reforma nesse ambiente de crédito, para aumentar a competição. Na realidade, não existe uma correlação direta entre concentração e spread. Há exemplos no Brasil e no exterior de que não há essa relação direta e isso é explicado no relatório de economia bancária que o Banco Central publicou em 2017. O Brasil, no passado, já teve mais bancos. Teve época em que a gente teve 10 grandes bancos e o spread era mais alto nessa época. Deveria ser mais baixo, mas não era.

O que o senhor acha que precisa ser feito?

É preciso é reduzir o custo de emprestar no Brasil. Os dados do BC mostram que o setor bancário todo, no ano passado, teve um lucro de R$ 75 bilhões. Realmente é um número gigante. Mas o capital que é investido nos bancos é muito mais alto que isso, cerca de R$ 600 bilhões. Então, quando você pega esse lucro e divide pelo capital que é a maneira correta de examinar a lucratividade, a taxa de lucro está em 12,5%, que é abaixo que a do Chile.


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