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Estado de Minas

Mercado de livros busca saída para vencer a crise

Enquanto Cultura e Saraiva fecham lojas e reestruturam operações, rede Leitura expande os negócios. Movimentação sinaliza que o setor busca se adequar a uma nova realidade


22/11/2018 06:00 - atualizado 22/11/2018 09:23

A rede Leitura pode se consolidar na vice-colocação no ranking do setor, atrás apenas da própria Saraiva, dona de 84 endereços
A rede Leitura pode se consolidar na vice-colocação no ranking do setor, atrás apenas da própria Saraiva, dona de 84 endereços (foto: DIVULGAÇÃO)

São Paulo – Nos últimos meses, o mercado brasileiro de livros escreveu alguns de seus mais dramáticos e decisivos capítulos. Em março, a rede Laselva teve sua falência decretada pela Justiça, com mais de R$ 100 milhões em dívidas. Num enredo semelhante, a francesa Fnac fechou sua última unidade no país, na capital paulista, e zarpou desse mercado em setembro. Enquanto isso, as duas maiores livrarias brasileiras, a Cultura e a Saraiva, anunciavam fechamento de dezenas de unidades e renegociação com de dívidas com fornecedores.

“Não tinha como ser diferente em um ambiente de total ausência de incentivos e com uma pressão de custos insuportável”, diz Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional das Livrarias (ANL). “O mercado de livros terá de se reinventar, com menos lojas e espaços menores, mas precisará também ter uma política fiscal mais apropriada aos novos tempos.”

Nem tudo, no entanto, aponta para um final infeliz para o mercado editorial. A rede mineira de livrarias Leitura está em negociações para a compra de cinco lojas que antes pertenciam à Saraiva, principalmente no mercado paulista. Se a proposta – que não teve o valor relevado – for aceita, a Leitura vai alcançar 75 unidades no ano que vem, se consolidando na vice-colocação no ranking do setor, atrás apenas da própria Saraiva, dona de 84 endereços.

Segundo o presidente da Leitura, Marcus Teles, a ideia é mudar a bandeira da Saraiva para a Leitura e fortalecer a rede em um mercado ainda pouco explorado por ele. Por outro lado, a Saraiva reconhece que, para crescer, terá de encolher. “Em linha com sua estratégia, as iniciativas refletem um esforço da companhia em obter rentabilidade e ganho de eficiência operacional, dentro de uma estrutura mais enxuta e dinâmica. Nesse sentido, as medidas adotadas pela companhia incluem o fechamento de algumas lojas. Com este movimento, a empresa dá continuidade ao seu plano de transformação, que inclui aberturas, reformas e fechamentos de unidades, a fim de manter sua operação saudável e cada vez mais multicanal”, informou a Saraiva, em nota.

O problema é que o possível negócio entre a Leitura e a Saraiva é apenas uma boa notícia em um mar de problemas. Nos últimos 12 anos, segundo a ANL, o mercado editorial despencou 21%, o equivalente a R$ 1,4 bilhão de queda em receita. Diante da sangria, as associações e empresas do setor se uniram para reivindicar um socorro governamental. Junto com a ANL, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) levou ao governo federal um estudo sobre o drama que vive o setor.

Até agora, segundo as entidades, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) não retornou. A pauta basicamente rascunha o conteúdo de uma medida provisória que cria uma Política Nacional de Regulação do Comércio de Livros. O presidente da CBL, Luís Antonio Torelli, acredita que o aval do Planalto daria fôlego para que o setor volte a respirar. “É mais do que urgente combater a perversa guerra de preços”, diz Torelli. “Os leitores perderam a noção de quanto devem pagar na hora da compra. Há critérios desproporcionais entre as concorrentes. As lojas cobram o que bem entendem. Adotam descontos prejudiciais. Não há como resistir a essa prática.”

Os argumentos de Torelli estão detalhados no documento entregue ao Planalto. Pelo menos de imediato, é o que o presidente da CBL vê como esperança parar tirar o setor editorial de uma crise que ele considera monstruosa. “Infelizmente, não vejo de outra forma. Temos pressa”, desabafa. Além da CBL e da ANL, participam do movimento o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), a Liga Brasileira de Editores de Livros (Libre) e a Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEN). 

Uma reação minúscula no primeiro semestre de 2018 é um tímido sinal de esperança: o faturamento do mercado editorial como um todo registrou alta de 9%, e de 5,24% no volume de vendas. O Panorama Cultural do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) aponta que, em 2004, pelo menos 42% dos municípios mantinham livrarias. Atualmente, não passam de 27%. Em 2013, havia 3.095 livrarias no país. Agora, somente 2.500. Segundo a Unesco, o ideal seriam 20 mil – uma para cada 10 mil habitantes.
 
CONCORRÊNCIA
Além da fase crítica na economia brasileira, a situação das livrarias se complica pelas mudanças no contexto internacional. A culpa direta ou indireta seria da Amazon, segundo reclamam alguns empresários do setor. Afinal, a varejista americana é famosa por dominar os mercados onde atua e por achatar a quase zero as margens de lucro.

Nos Estados Unidos, a força da Amazon se reflete nas aquisições virtuais. Tanto é que adota o requisitado sistema “apocalipse do varejo”. Lá, os clientes preferem comprar no conforto de casa. Na outra ponta, shoppings centers e redes antes consolidadas jogaram a toalha, como a Sears, que recorreu à lei de falências dos Estados Unidos na tentativa de sair da UTI financeira. A dívida é de US$ 5,6 bilhões.

A Amazon desembarcou no Brasil há seis anos para comercializar livros. Na ocasião, as editoras pediram ao governo que limitasse a atuação de quem poderia oferecer algum risco ao setor. Admitiu-se a hipótese de criarem um preço único das obras literárias para evitar que a multinacional vendesse mais barato e prejudicasse as concorrentes.

Há uma regra idêntica na Alemanha, Espanha e Argentina. O tema provocou polêmicas. Só que as promoções da Amazon não pararam de atrair consumidores. Há quem atribua as dificuldades da Cultura e da Saraiva à força da Amazon. Mas só o tempo dirá quem está com a razão.

 

Entrevista/Bernardo Gurbanov
presidente da Associação Nacional de Livrarias

 

“O mercado de livros enfrenta uma concorrência predatória”

 

(foto: Divulgação)

Como o senhor vê a crise atual?

Estou muito preocupado. Nem seria diferente. Já demos o primeiro passo lá em Brasília ao levar sugestões ao Michel Temer. O presidente nos recebeu muito bem e me pareceu sensível à criação de uma política nacional de preços. É isso que tem derrubado o setor como um todo. A situação é complicada.

Uma política nacional resolveria tudo?

Existem outras dificuldades, mas já daríamos um passo importante. Infelizmente, o mercado de livros enfrenta hoje uma concorrência desleal, destrutiva e predatória. Digo mais: prevalece uma espécie de concorrência predatória que levou o consumidor a se confundir e a perder a referência de quanto custa uma obra didática ou literária. A crise do país também pesa, mas precisamos adotar medidas que nos tirem dessa urgentemente. Não podemos assistir nem nos acomodar. Os desafios aumentariam se o poder público não interferir.
 
Além do ofício encaminhado ao governo federal, há mais iniciativas em andamento?
Há um projeto parado no Congresso, de autoria de Fátima Bezerra, que acaba de se eleger governadora do Rio Grande do Norte. É o projeto mais completo relacionado à matéria. Nem penso que irão votá-lo quase no fim desta legislatura nem que o governo Temer se manifeste ou tome atitudes imediatas. Estamos no encerramento do ano. Lá, as coisas estão mais para discutir a transição. Vamos aguardar o governo Bolsonaro.

O projeto de Fátima Bezerra sugere o quê?

Basicamente, defende uma política nacional que regule as regras e organize um setor que se baseia na legislação vigente desde 2002. É necessário atualizá-la. Também recomenda procedimentos coerentes para que a gente volte a crescer. Do jeito que está não pode ficar.

A internet tem culpa pela crise dos livros?

Isso é relativo. Afinal, a maioria das lojas atua normalmente e vende produtos pelo sistema on-line. Na verdade, há obstáculos estruturais a superar, principalmente as contradições nas tabelas de preços. É o que devemos combater para que as consequências não piorem.
 
As livrarias poderiam diversificar o leque de opções para manter ou atrair novos clientes?
Isso já acontece. Há quem promova saraus e outros eventos, além de cafeterias e algo do gênero. É claro que se pode avançar nisso. Ao contrário do que prega um livro da inquisição, as livrarias não servem de local para que os frequentadores queiram derrubar o governo. Nosso ambiente, vejam bem, é um cenário que reúne quem valoriza não só a literatura mas também os valores artísticos e culturais. 


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