A iniciativa confirma o que vem sendo divulgado por seus principais executivos nos últimos anos: a maior fabricante de cigarros do mundo não quer mais depender desse produto para se manter de pé. Em seu site, a Philip Morris classifica a decisão como “dramática” e afirma que será “muito mais do que uma empresa líder de cigarros. Estamos construindo o futuro com produtos sem fumo que são uma escolha muito melhor do que o tabagismo”.
A procura por novos consumidores desse tipo de produto tem provocado uma espécie de disputa paralela entre os gigantes do setor: a própria Philip Morris, a British American Tobacco, com o Glo, e a Japan Tobacco International, com o Ploom Tech.
Na outra ponta dessa indústria bilionária e rodeada por polêmicas – especialmente no que diz respeito à saúde dos fumantes –, estão os produtores de tabaco. O Brasil é o maior exportador do mundo desde 1993 e boa parte da produção está concentrada em Santa Cruz do Pardo, no interior do Rio Grande do Sul, onde a Philip Morris tem sua sede no país.
Em 2016, segundo dados da Associação dos Plantadores de Fumo em Folha no Rio Grande do Sul (Afubra), o país embarcou 483,5 toneladas e as exportações somaram R$ 7,2 bilhões. No Brasil, a atividade tem como característica a produção familiar. Hoje, o cultivo é feito por cerca de 150,2 mil famílias e a área plantada chega a 298,5 mil hectares.
Romeu Schneider, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco junto ao Ministério da Agricultura, diz que a notícia sobre a Philip Morris no Reino Unido preocupa os produtores brasileiros. Atualmente, 88% da produção de tabaco do país tem como destino o mercado internacional. Mas o executivo acredita que ainda seja preciso fazer uma avaliação mais detalhada dos possíveis efeitos dessa decisão.
“Pode ser que os consumidores dos cigarros da Philip Morris procurem marcas de outros fabricantes, pode ser que comprem no mercado paralelo ou importem, ainda é prematuro dizer o que vai acontecer”, avalia. Por ora, Schneider acredita que as alternativas ao cigarro, como as versões eletrônicas, podem afetar mais a produção brasileira. “É fácil entender. Um produto como o iQOS leva de 25% a 30% da quantidade de tabaco de um cigarro normal. É como se o consumo caísse um quarto do que é hoje. Imagine como isso pode impactar no cultivo brasileiro no futuro”, diz o executivo.
Professor de gestão de marcas dos cursos de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), Marcos Bedendo explica que a decisão da Philip Morris de abandonar o cigarro foi tomada há muito tempo e é baseada no fato de essa ser uma indústria que vai deixar de existir. “No curto espaço de tempo a estratégia é mudar o portfólio com alternativas ao cigarro, como o modelo eletrônico, mas não é de hoje que a empresa vem procurando diversificar também os setores em que atua”, diz o especialista.
Para Bedendo, apesar de a Philip Morris ter levantado a bandeira do fim do tabaco em seu site e no anúncio, esse compromisso só deveria ser levado além de uma ação de marketing se a empresa tomasse essa decisão não apenas no Reino Unido, onde tem travado batalhas na Justiça em torno da venda de cigarros, mas em todos os mercados em que atua. Além disso, diz, se estivesse decidida a deixar o tabaco de lado, a multinacional não deveria investir em produtos que servem como substituto do cigarro.