(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Fome e dívidas assombram quem vive com um salário mínimo

Remuneração de R$ 880 é a única para 42 milhões de brasileiros, que sofrem os efeitos da inflação alta. O EM mostra a realidade de pessoas que sobrevivem com dificuldades


postado em 10/07/2016 06:00 / atualizado em 10/07/2016 07:50


Mais de 42 milhões de pessoas no Brasil ganham até um salário mínimo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Minas Gerais, 4,7 milhões de trabalhadores têm que suprir todas as necessidades básicas com R$ 880. Gente que, em meio à turbulência econômica pela qual atravessa o país, tem a medida da inflação no dinheiro ainda mais curto, nas contas atrasadas e na despensa vazia. Para essa parcela da população, a crise não se traduz em indicadores, mas em dívidas, carência e até fome. Hoje, o Estado de Minas conta a história de quatro desses cidadãos – Marly Rodrigues, Maria Braga, Pedro Paulo Domingos e Alcino Nunes – e mostra que, contrariando o que deveria ser essa remuneração, o mínimo não compra o básico.


No terceiro andar de conjunto residencial no Bairro Belmonte, na Região Nordeste de Belo Horizonte, a auxiliar de serviços gerais de uma rede de supermercados Marly Rodrigues, de 38 anos, trava luta pela sobrevivência. Mãe de seis filhos, com idades entre 20 e 8 anos, com o salário mínimo, complementado por tíquete-alimentação de   R$ 180 e vale-transporte, ela sustenta a casa e alimenta seis bocas – a primogênita já se mudou. Marly é a chefe da família e a única moradora que trabalha. “Às vezes, falta comida”, conta a auxiliar, segurando a vasilha de arroz quase no fim e exames indicando anemia.

"Está difícil porque só eu estou trabalhando. Queria muito um emprego para meu menino mais velho" (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

Ela sente na pele o que mostra pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): o salário mínimo de R$ 880 está longe do ideal. Segundo o Dieese, em junho, o salário necessário para atender alimentação, moradia, vestuário, higiene e transporte de uma família composta por dois adultos e duas crianças seria de R$ 3.940,24, mais de quatro vezes o valor do mínimo.


Julho promete ser um mês difícil para a família de Marly. “Recebi meu adiantamento, mas descontaram taxas de sindicato e só ganhei R$ 269, comprei comida e roupa de frio para os pequenos e já acabou”, afirma. Os filhos menores almoçam na escola e os mais velhos, segundo Marly, “se viram” com o que tem. “A gente come arroz e feijão, carne às vezes. O feijão está caro, então estou comprando pacote de dois quilos”, afirma a auxiliar, ao contar sobre os efeitos da inflação, que alcançou, em junho, 8,84% no acumulado de 12 meses.


Os tempos de crise também tornaram a ajuda escassa. O centro espírita onde ela buscava alimentos já não está mais fornecendo comida e o irmão que cedia uma cesta básica ficou desempregado. “Está difícil porque só eu estou trabalhando. Queria muito um emprego para meu menino mais velho”, diz. Como a família da área onde está sendo construída a nova rodoviária foi reassentada num apartamento dado pela Prefeitura de BH, pelo menos não há gastos com aluguel. Mesmo assim, Marly está no vermelho. “Estou com todas as contas atrasadas, devendo condomínio, água, luz”, conta.

NO VERMELHO Dívidas também fazem parte da realidade de Maria Braga, de 55, que está com o nome sujo e tem débitos que ultrapassam os R$ 2 mil. “Estou com nome no Serasa. Sei que é feio, mas fazer o quê”, comenta. Por causa de problemas de saúde, ela não consegue trabalhar e recebe auxílio de um salário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “Sofri depressão cinco vezes”, justifica. Apesar de receber o mínimo, por causa de descontos e taxas ela acaba pondo a mão em pouco menos de R$ 800.


Moradora da Vila Barraginha, em Contagem, a vida de Maria é fazer contas. Se compra o remédio, não dá para ter carne em casa. Se gasta com passagem de ônibus, as finanças apertam. E o dinheiro que era curto, diminuiu ainda mais. “Senti demais o peso da inflação. Não sei por que está acontecendo, mas pesou bem. Sou eu e Deus. Quando a gente é sozinha, é complicado. Passo muito aperto”, afirma Maria, na casa herdada pela falecida mãe.


Na geladeira, poucas verduras, linguiça e dois ovos. Um quadro “Deus está nesta casa” está pregado numa das paredes descascadas, que Maria Braga nem pode pensar em pintá-las. Roupas, só as que ganha. Feijão e queijo já não podem entrar na lista de compras. “Faço artesanato (panos de prato) e dá uns R$ 50. Gostaria de ter condição de pelo menos ir fazer meus exames e minhas consultas no médico”, diz.


Assim como Marly e Maria Braga, é na fé em Deus que o catador de material reciclável Pedro Paulo Domingos de Souza, de 63, se alimenta para seguir. O salário na cooperativa em que trabalha, no Bairro Jatobá 4, na Região do Barreiro, tem ficado em torno dos R$ 600. A renda é acrescida pelos R$ 200 recebidos por um acidente de trabalho que lhe custou a amputação de uma falange de um dos dedos da mão, mas nem assim alcança o mínimo. Há cinco anos como catador, Pedro Paulo, que já foi metalúrgico e pedreiro, viu a remuneração diminuir. Para economizar, ele faz de tudo, até ir a pé para o trabalho, que fica na mesma região do galpão de reciclagem.


“Esse dinheiro não é suficiente, mas a gente vai vivendo. Essa crise afetou tudo. Caiu o material reciclável, houve a demissão de muitos motoristas e ajudantes. Tirava R$ 1 mil aqui”, diz. A renda acaba sendo complementada pelo que é descartado no lixo. “Costumamos achar relógio, roupa. Lá em casa tem uma mesa tirada daqui”, conta Pedro Paulo, que mora em casa própria. Tudo é apertado no orçamento, que só aceita uma única exceção nos itens básicos: a conta da TV por assinatura, por R$ 100. “Adoro assistir ao futebol”, comenta. O dízimo também sempre é pago em dia. “Quando arranjo um bico pra trabalhar, dou Glória a Deus”, diz.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)