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Estado de Minas

Setor elétrico ainda longe de se recuperar do endividamento das empresas

Apesar da bandeira verde nas contas, reservatórios de usinas não estão em nível seguro e empresas endividadas. Medidas do governo geram desarranjo e tarifas devem aumentar


postado em 22/04/2016 06:00 / atualizado em 22/04/2016 08:02

Brasília – Embora o consumidor veja na bandeira verde da sua conta de luz de abril uma trégua às altas faturas que marcaram o ano passado, nem de longe o setor elétrico conseguiu se recuperar do maior desarranjo da história. Com a intervenção do governo federal, promovida pela Medida Provisória 579 – convertida na lei nº 12.783 em janeiro de 2013 –, as mudanças nas regras de geração, transmissão e distribuição de energia no país resultaram em empresas quebradas, prejuízos bilionários, prestação de serviços de baixa qualidade (a despeito das tarifas abusivas) e um ambiente hostil aos investidores.


Para os especialistas, as salas vazias nos últimos leilões são reflexo da falta de atratividade do setor elétrico brasileiro, apesar de ser um serviço essencial que, em qualquer outro lugar do mundo, garante rentabilidade certa. Além disso, os remendos feitos para corrigir distorções provocadas pelas alterações no marco regulatório não resolveram as pendências e resultaram em novos problemas, criando a impressão de “cobertor curto”. “Eu seria otimista em dizer que o setor elétrico está um caos”, resume o diretor do Ilumina — Instituto de Desenvolvimento do Setor Elétrico, Roberto Pereira D’Araújo.

No passado, antes das intervenções desastrosas, as empresas do setor elétrico tinham folga para investir, lembra D'Araújo. “Hoje, as estatais estão sucateadas. O Sistema Eletrobras vale 30% do que foi um dia, acumula prejuízo de R$ 14,5 bilhões. O setor está cheio de custos acumulados, inclusive na bandeira tarifária. O consumidor não pode se iludir. Vem mais aumentos por aí”, preconiza.

O especialista alerta que a mudança para a bandeira verde, sem custo adicional, foi mais uma medida populista do governo, porque os reservatórios ainda não estão em níveis razoáveis e no Nordeste a situação é grave. “Além disso, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) precisa manter térmicas ligadas para garantir segurança energética”, diz. D'Araújo ressalta que se a situação fosse confortável, a Cesp não teria vendido duas usinas grandes aos chineses. “Quando se imaginaria isso?”, indaga.

(foto: Arte/EM)
(foto: Arte/EM)
Sair do Brasil Na opinião de Rafael Herzberg, sócio-consultor da Interact Energia, o intervencionismo do governo afasta os agentes. “As empresas querem sair do Brasil por conta da instabilidade regulatória e insegurança jurídica. A vontade dos investidores tradicionais é se livrar de suas posições no país. Está tudo à venda. O que existiu foi uma grande decepção. O setor elétrico está perdido e sem orientação. As instituições se mostram frágeis e incapazes de resolver os problemas”, enumera.

Para o presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan, existem pendências na regulamentação que provocam distorções e endividamento. “As distribuidoras não conseguem ter os investimentos reconhecidos na tarifa por conta da modicidade tarifária”, destaca. Com isso, diz Vivan, não se pode premiar a eficiência das empresas e o resultado é um serviço de qualidade duvidosa. “Se ela investe, isso é capturado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e transformado em modicidade tarifária. Tem um lado positivo para o consumidor, que paga menos, mas incentiva a empresa a não ser eficiente e desestimula o empreendedor e o acionista”, afirma.

Vivan ressalta que o governo não pode agir unilateralmente. “Mas isso tem ocorrido. Veja o caso da MP 579. Com ela, o governo alterou as regras das concessões para antecipar as renovações e acabou transformando o valor de algumas companhias em pó. É o caso da Eletrobras. Foi catastrófico. E os efeitos perduram até hoje”, assinala. Ele sublinha que o fato de algumas empresas não terem aderido às regras, somado à falta de chuva, provocou estouro do preço da energia no curto prazo. “Aí o governo foi lá e alterou a regra do PLD (preço de liquidação das diferenças) por decreto”, lamenta.

Regras
Os investidores não querem entrar em um mercado onde existem alterações de regras pontuais para tratar questões conjunturais, sem foco nas estruturais, na opinião de Vivan. “O empreendedor aceita correr o risco comercial, nunca o regulatório”, diz. Além disso, o presidente da ABCE aponta que o planejamento do setor é muito malfeito. “A distância entre o que é planejado e o que é de fato verificado, é muito grande. O planejamento passa a ser uma obra de ficção. Há casos de atrasos de obras porque quem venceu não tinha condições sequer de competir”, destaca.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquin, em evento da Aneel e do Instituto Acende Brasil sobre os desafios da transmissão, admitiu que o problema está em tirar os projetos do papel para a realidade e que há atrasos por conta da autorização de propostas inexequíveis. “Muitos agentes não cumprem o contrato. A solução para isso é a inclusão de cláusulas que permitam a cassação e interrupção tempestiva do contrato. É mais rápido conseguir de volta e relicitar, senão a demora é de 5 a 6 anos”, diz.

Mas são justamente cláusulas como essa sugerida pelo presidente da EPE que afastam os investidores. “O planejamento tem que ser crível. Os projetos precisam ser bem estudados para quando o investidor ganhar e for executar não ter surpresas. Já temos problemas demais por questões fundiárias e ambientais. É preciso reduzir os riscos, e não aumentar a insegurança jurídica”, aponta Vivan.

Sem estímulo Rafael Herzberg, da Interact, sentencia que o país não está mais em condições de estimular as empresas de primeira linha a investirem no setor elétrico brasileiro. “O potencial de expansão teórico é bom. Temos demanda. Mas os clientes grandes estão receosos e contraídos”, destaca. A solução para o setor, na avaliação do especialista, passa pela privatização das empresas que são controladas pelo Estado, incluindo as estatais estaduais. “A percepção que o mundo corporativo tem sobre estatais é que são o foco de corrupção. Enquanto o governo puder lotear cargos, sem constrangimento, continuaremos a trabalhar com as piores práticas de governança”, alerta.

 

Estatal sufocada
Com uma dívida de R$ 14,5 bilhões, a Eletrobras precisou de uma injeção de capital para cobrir as despesas previstas no orçamento de 2016. Acionista controlador, a União desembolsou R$ 1 bilhão para o caixa da companhia. A empresa justificou a necessidade devido à frustração de ingresso de recursos previstos “em razão dos prejuízos no exercício de 2015 e do não recebimento das indenizações das concessões de geração e transmissão renovadas pela lei 12.783/2013”. O Sistema Eletrobras engloba Furnas, Eletronorte, Chesf, Eletronuclear, Eletrosul, CGTEE, Amazonas GT, seis distribuidoras – nos estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia e Roraima – e o controle acionário da Celg.


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