
Garantir que o mês acabe com pizza não tem sido fácil. A massa fina e o queijo derretido continuam à moda antiga. O que tem mudado é o comportamento dos fregueses diante de um cenário de inflação e juros em alta e o temor do desemprego. Nos últimos meses, o setor que fatura R$ 22,6 bilhões por ano, segundo a Associação Pizzarias Unidas, vem sentindo os efeitos da crise. Nem mesmo a entrega em domicílio praticada pelos restaurantes há muitos anos, e até então vista como mecanismo para aumentar o faturamento, vem salvando as vendas nas tradicionais pizzarias de Belo Horizonte. O percentual de pizzas que viajam sobre rodas despencou em torno de 43% em relação ao ano passado nos estabelecimentos consultados pelo Estado de Minas.
Há 50 anos no mercado, as duas lojas da rede O Pizzaiolo correm o risco de fechar as portas no fim do ano. O proprietário Amarildo Alves dispensou metade da equipe, entre cozinheiros, garçons e motoboys, depois que viu seu faturamento cair 60%. No delivery, de onde vem a maior receita, as vendas encolherem 50%. “Não me lembro de ter vivido um período tão difícil como este”, afirmou o empresário, enquanto dispensava o entregador mais cedo por falta de pedidos. Para driblar os efeitos da recessão, Alves vem apostando em promoções para aumentar a clientela. Segundo ele, em um sábado, uma média de 100 pizzas saíam para entrega. Hoje, esse número caiu pela metade. “Se não fizermos promoções, o negócio não sobrevive” disse.
Nas três unidades da Pizzarella, na capital, o movimento caiu 20%. Para segurar as vendas, o gerente Edinaldo Campos Manaces, da matriz em Lourdes, conta com a tradição de 44 anos para manter a entrega de pizzas e o salão cheio. Apesar da baixa nas vendas, a pizzaria ainda não mexeu no preço. “Promoção significa corte. E esse corte reflete na perda da qualidade”, justifica. Os últimos meses também têm sido de baixa para o empresário Marcelo Malta, proprietário da pizzaria Nino, no Bairro Padre Eustáquio. Lá, as saídas de pizzas caíram 50% – somente no delivery. “Num dia bom, a gente fechava 150 pedidos, agora, nem 70”, lamenta.

Com humor No Bairro Ouro Preto, na Pampulha, o dono da franquia Rede Leve Pizza lançou mão do humor para atrair clientes. “Vendo a pizza da crise”, resume Ivan Assunção, que em fevereiro deste ano investiu cerca de R$ 200 mil para montar o próprio negócio. Na porta da pizzaria, uma grande faixa atrai olhares até dos menos curiosos: “A grana está curta? Não deixe de comer pizza”. “Os clientes me perguntam se eu estou oferendo dinheiro (risos)”, conta. Apesar de já colher os frutos do investimento, o empresário afirma que as vendas estão crescendo menos que as suas projeções. “Queria vender o dobro”, lamenta.
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MG), Lucas Pêgo, avalia que o setor de alimentação fora de casa é um dos mais impactados pela crise. Segundo ele, no aperto, o brasileiro muda de hábitos e corta primeiramente gastos com alimentação e lazer. “Os preços subiram e os custos estão sendo repassados ao consumidor, o que reflete a queda do poder de consumo”, disse. Lucas Pêgo reforça também o desafio das empresas do setor formal. Segundo ele, em Belo Horizonte, a maioria das pizzarias – entre as 350 estimadas na capital –, são informais.
Para o presidente do Sindicato dos Motociclistas, Ciclistas e Afins de Belo Horizonte, Rogério Santos Lara, a queda nas vendas do setor de telepizza contribuiu para o aumento da informalização. “Com a alta nos custos, muitas empresas driblam a lei e não registram seus motoboys”, explica. Segundo Lara, no sindicato tem sido frequente a procura de trabalhador dispensado sem sequer ter sido registrado. “Outro agravante é o pagamento por taxa de entrega, que acelera os índices de acidentes, já que o entregador ganha por produção”, reitera.
Aumentos A média dos preços de alimentação fora de casa no 2º trimestre de 2015 ante o mesmo período de 2014 subiu 10,4%, enquanto o preço médio da economia medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período teve alta de 8,5%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em Belo Horizonte, segundo o site Mercado Mineiro, as pizzas ficaram até 13,64% mais caras em setembro deste ano em relação ao mesmo mês do ano passado, percentual também acima da inflação na capital mineira, que subiu para 10,52% nos últimos 12 meses, conforme a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead). “O aumento é signicativo, mas poderia ter sido maior, diante da alta generalizada dos preços”, afirma Feliciano Lopes de Abreu, diretor-executivo do site. Segundo ele, a demanda reprimida não permite que os preços subam muito. “É preciso aumentar a competitividade”, disse.
A advogada Ana Eliza Jácome e a estudante de Direito Bárbara Guerra pediam pizza em casa toda semana. Com a alta dos preços, as amigas resolveram diminuir a frequência para uma vez por mês. “Não é só a pizza. Tem a bebida e a taxa de entrega. No final, a gente acaba gastando quase R$ 100”, diz Bárbara. Para Ana, preparar a própria comida em casa fica mais barato. “Agora eu só peço quando tenho visita”, diz Eliza.
O economista do Ibmec e pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP), Felipe Leroy, afirma que o efeito da queda na renda e o aumento do custo da pizza, com a pressão no preço do trigo devido a alta do dólar, impactaram o consumo final. “Com a renda comprometida, o consumidor substitui produtos considerados supérfluos e que comprometem o orçamento”, observa.
Na mesa
Os efeitos da crise econômica brasileira estão em praticamente todos os setores. O Estado de Minas publicou ma edição de 7 de setembro, reportagem sobre a crise no setor de bares e restaurantes. Segundo cálculos do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Belo Horizonte (Sindhorb), este ano, cerca de 500 estabelecimentos, somando desde os pequenos bares, lanchonetes, até casas de maior porte, fecharam as portas na capital. A atual conjuntura econômica do país, com crescimento da inflação, atinge também restaurantes voltados para as classes A e B, em regiões como Centro-Sul, Oeste e Pampulha.
