
Nas últimas duas semanas, o economista tem se dedicado à construção de uma série de sugestões para o país retomar a capacidade de crescer, que serão apresentadas pela recém-criada Associação Brasileira de Cidadania Pela Democracia (ABCD), com sede em Belo Horizonte. Nas projeções da empresa de consultoria que leva o sobrenome de Paulo Rabello, a RC Consultores, o país está às vésperas do ápice da crise, entre setembro e outubro, sob o risco de cair num cenário de “absoluta desconfiança”. Essa é também, na visão dele, a percepção dos brasileiros que vão aderir às manifestações de rua neste domingo. Ele fala sobre os problemas e as saídas da crise nesta entrevista ao Estado de Minas. Fundador e coordenador do Movimento Brasil Eficiente, é também autor do livro O Mito do governo grátis.
Desalinho histórico
“Um dos principais riscos que temos nesse ponto de virada do Brasil, como eu classifico hoje a situação do país e assim o fiz no meu livro (O Mito do governo grátis) é que estamos diante de uma surpreendente e espantosa oportunidade. A crise econômica é real e a sua gravidade enseja o tamanho da oportunidade, porque, de fato, a visão da forca projeta a sociedade para uma ação que, se bem orientada, pode levar a um avanço muito maior do que a gente poderia supor numa situação de normalidade. Há semelhanças do Brasil de hoje com o país do Plano Cruzado (em 1986), que, à época, nós dissemos que não tinha condições de funcionar porque começou errado, com um congelamento geral de preços. Tudo o que começa sem ser sustentável no tempo, a não ser que seja uma paulada, um ajustamento de arrumação como foi a URV do Plano Real (em 1994), não funciona. O truque da URV foi, justamente, a sua transitoriedade. Em 1986 havia um dever de casa fiscal a ser feito, que, tal como hoje, diz respeito, ao controle do estado, à redefinição do seu tamanho e ao seu modo de intervir. Naquele momento, nós tínhamos estatais para tudo quanto é lado, déficit de empresas estatais mais do que hoje, subsídios para segmentos considerados coitadinhos e uma disfuncionalidade cambial decorrente da fragilidade financeira do Brasil. Não temos uma inflação galopante como naquele tempo, mas temos algo que galopa, a carga tributária. Falando em planos econômicos, vamos nos lembrar de que o Plano Real transformou a hiperinflação monetária em hiperinflação tributária.”
Emergência e crescimento
“Essa recorrência histórica nos chama a atenção para a absoluta atualidade do controle fiscal como a condição necessária e suficiente para o Brasil retomar um crescimento sustentado e forte nos próximos anos, já em 2016. Do jeito que estamos não vamos crescer mesmo. As aves de mau agouro da economia estão todas hoje estufando as suas asas. Estimamos para este ano uma queda de 2% a 3% e 2016 é uma grande incógnita, mas, no ritmo atual, vamos ter de crescimento zero a uma retração de 1%. Vamos chegar entre setembro e outubro no ápice da crise com o risco de uma absoluta desconfiança. Por isso, a nossa proposta é uma lei emergencial para o crescimento e o orçamento, que chamamos de Leco. Temos de fazer uma política fiscal de estabilidade e equilíbrio, não para ser bons gestores apenas, mas para propiciar que as forças produtivas da nação se libertem do governo. Na medida em que por tantos anos não fizemos o dever de casa, eu me proporia a uma agenda de crescimento gradual, mas com vistas a estar em 2018, pelo menos, numa velocidade média de crescimento de 5% ao ano. O custo da atual política monetária e cambial é altíssimo. Nos últimos 12 meses até maio, o setor público desembolsou nada menos de R$ 408,8 bilhões em juros da dívida. Comparado ao período do governo Lula, a cifra significa um salto superior a R$ 250 bilhões nos últimos cinco anos na conta dos juros. Isso equivale a mais de oito Copas do Mundo por ano.”
Programa estrutural
“O lado emergencial da nossa Leco consistiria em um ano de aperto, mas seguido de um programa estrutural de melhoria da gestão, que vai atacar, por exemplo, a maneira de o SUS (Sistema Único de Saúde) trabalhar. Gasta-se a mesma coisa, mas atende-se 20% a mais de pessoas, com mais eficiência. Na conta da emergência, ficariam cortes de R$ 110 bilhões distribuídos entre 2016 e 2017, que, basicamente, se limitam a não fazer o repasse inflacionário para as verbas que hoje comandam, obrigatoriamente, aumentos ao arrepio e em ofensa à situação do povo brasileiro. Um Poder Judiciário que hoje envia para a Câmara ou as assembleias legislativas pedido de recomposição da inflação passada fere o preceito constitucional de solidariedade e, portanto, merece rejeição.”
Pura contabilidade
“Eu repudiaria o conceito de ajuste do governo. O ajuste fiscal que ainda se tenta votar num acerto de última hora entre o Senado e o Poder Executivo já parte torto. Não vou citar a figura do ministro porque o respeito muito. Ele vem, inclusive, da mesma escola que eu, tem muita boa vontade, está ali no sacrifício, mas está errando. O que se pretende fazer é o que se fez nos anos 90, mas que não se aplica mais hoje, quando o Brasil continua com uma alta carga de impostos, depois de uma hiperinflação tributária. Naquele momento do Plano Real criou-se um lema hoje repetido por Joaquim Levy: Onde houver despesa pública cobrirei com uma receita correspondente. Não importa a forma. Aí começa a escalada tributária. A inflação de impostos nasce dessa frase. É uma forma de ajuste fiscal arcaico pelo lado da receita. Ela (a proposta) nasce torta, fruto de uma visão de contabilidade, quando o Brasil precisa é de uma agenda transformadora e articulada para a retomada do crescimento, que começa com a volta do controle das contas públicas.”
Recado das ruas
“Que tal olharmos o ajuste fiscal necessário pelo lado da despesa, depois de uma década de esbanjamento das contas públicas? Essa é a mudança filosófica e ideológica que a sociedade brasileira quer. Quer que ao governo caiba solidariamente uma atitude compatível com o sacrifício que a sociedade tem feito há 30 anos para sustentar o estado brasileiro. As pessoas percebem essa necessidade de uma agenda completa. A presidente Dilma Rousseff não pode é continuar o discurso da mandioca e, como ela não tem programa, então que copie a agenda que é do povo. A nossa proposta nesse aspecto é de que, inclusive, se cumpra a própria Constituição, que prevê a criação, por lei complementar, de um Conselho de Gestão Fiscal, para fomentar boas práticas, controlar, acompanhar e avaliar os gastos públicos, como um conselho que existe nas empresas. Seria um órgão anterior ao Tribunal de Contas.”
Economia e futebol
“O Brasil é, realmente, uma grande Nação, perdendo de 7 a 1. Como no futebol, o jogo hoje é outro e a gente continua naquela pelada, centrado num único jogador. Temos uma política econômica tão antiquada quanto é o futebol. Então, temos de fazer duas revoluções. Uma no futebol para fazer o Brasil volta a ser campeão mundial e outra na economia, exatamente a partir do controle fiscal absoluto, inegociável em todas as esferas de governo.”
Pela retomada
A ABCD e o Movimento Brasil Eficiente lançaram ontem em BH a proposta de construir um programa de governo para que o país retome o crescimento econômico. Ideias com esse objetivo serão discutidas em vários estados. A escolha de Minas para o lançamento da iniciativa, segundo Paulo Rabello de Castro, faz uma homenagem a Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira, que se revoltou contra a derrama de impostos promovida por Portugal à época do Brasil Colônia. “Ele (Tiradentes) foi quem primeiro se revoltou contra uma derrama de 20%. Só que hoje a nossa carga tributária é o dobro disso. O nosso Tiradentes deve estar se estrebuchando na cova e nós somos o Joaquim Silvério dos Reis, que, como políticos, entregamos o Brasil ao subdesenvolvimento”, ironiza o economista.
Em busca de soluções
Discutir ideias que possam fomentar e promover o crescimento do Brasil com medidas que complementem a vontade do povo. Este foi o objetivo da primeira palestra promovida pela Ação Brasileira de Cidadania pela Democracia (ABCD), realizada ontem no ICBEU, auditório da Universidade Una, em Belo Horizonte. O evento reuniu mais de 200 pessoas, que participaram de um debate com Ozires Silva, idealizador da Embraer, ex-presidente da Petrobras e atual reitor da Unimonte; além do economista Paulo Rabello de Castro, autor do livro O mito do governo grátis, que aponta possíveis rumos para o país sair da crise política e econômica.
No evento, o diretor da ABCD, Márcio Cadar, afirmou que o importante é fazer política apartidária, propondo soluções para o país independentemente de partido político. Segundo ele, é preciso ter organização para ter voz e criar soluções eficazes. “Temos que discutir ideias, apresentar propostas efetivas e transformá-las em ações para pautar nossos governantes”, explica. Setores como saúde, educação, segurança pública e economia estiveram na pauta do encontro.
Segundo o economista Paulo Rabello, é necessário que haja um sentimento de urgência tanto de governantes quanto da população para a solução da crise. “O Brasil precisa dessa participação popular, precisa promover discussões e ações eficazes que mudem a política do país para melhor”, afirma. De acordo com o presidente da ABCD, João Batista de Carvalho, em um mês será apresentada em Brasília uma proposta com alternativas de curto, médio e longo prazo para a retomada do crescimento do país.
