(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Desaquecimento da economia levou vítimas da crise do balcão às fábricas

Mulheres e pessoas em plena idade de trabalhar são as mais prejudicadas com os cortes. Cerca de 7,4 milhões de brasileiros foram levados à desocupação em diversos setores


postado em 19/04/2015 06:00 / atualizado em 20/04/2015 09:17

A demanda por consultoria paralisou no último ano, segundo engenheiro Márcio Zebral(foto: Euler Junior/EM/D A Press)
A demanda por consultoria paralisou no último ano, segundo engenheiro Márcio Zebral (foto: Euler Junior/EM/D A Press)
Quatro décadas de experiências de vida e de trabalho separam o engenheiro mecânico Márcio Seabra Zebral, de 67 anos, da atendente Paola Oliveira, de 23. Por uma infeliz coincidência provocada pela retração da economia brasileira, eles passaram a enfrentar a mesma luta diária por um emprego. Pós-graduado em gestão de projetos, Márcio tenta, sem sucesso, desde setembro de 2014, conquistar um contrato fixo em grandes empresas, nas quais já trabalhou como consultor, ou mesmo em pequenos empreendimentos da iniciativa privada. Paola deixou o Norte de Minas para buscar uma oportunidade em Belo Horizonte, armada da determinação que o currículo de uma iniciante pede. Trabalhar é a chance que ela tem para financiar o desejo de ingressar numa faculdade de administração.

Na economia real, onde as projeções dos economistas são incapazes de retratar as histórias e, muitas vezes, os dramas dos brasileiros, a retomada da curva do desemprego afeta profissionais de diversas áreas, dos balcões de atendimento no comércio aos prestadores de serviços de alimentação e lazer, além das linhas de produção da indústria, um dos ramos mais afetados pelo desaquecimento do consumo no Brasil e o ritmo lento de crescimento no mundo desenvolvido. Mais da metade dos brasileiros, hoje, sem ocupação são mulheres e têm plena idade para trabalhar, com 25 a 49 anos.

Nem a escolaridade serviu de anteparo para os cortes no quadro de pessoal. Quase 61% dos desempregados tem 11 anos ou mais de estudos e 84% já trabalharam antes de receber a carta de demissão, de acordo com o mais recente levantamento de dados, relativo a fevereiro, da Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Na Grande Belo Horizonte, o perfil do desemprego é semelhante ao da média nacional (veja o quadro).

Por trás do aumento das taxas de desocupação no país, 7,4 milhões de brasileiros estavam desempregados de dezembro de 2014 a fevereiro último, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que investiga a situação em lares de 3.500 municípios. São 950 mil pessoas a mais nessa condição, ante os 6,5 milhões de desempregados no período de setembro a novembro do ano passado. A população que estava trabalhando no trimestre terminado em fevereiro diminuiu em 401 mil na mesma base de comparação. A proporção de desocupados subiu de 6,5% para 7,4%, maior índice desde março a maio de 2013.

(foto: Arte / EM / D.A Press)
(foto: Arte / EM / D.A Press)
O engenheiro Márcio Zebral completou 46 anos de carreira, sendo 23 como consultor de companhias gigantescas dos segmentos de mineração e construção civil, participando, inclusive, de projetos internacionais, no gerenciamento de rotinas, planejamento e controle da produção. A queda dos preços dos minérios e metais no exterior, o ritmo mais lento de crescimento da China e da Ásia, motores do consumo mundial, fizeram as empresas pisarem no freio, assim como a construção perdeu fôlego. “Há um ano, os contratos diminuíram muito, até desaparecer. Antes disso, eu emendava um trabalho no outro”, conta o engenheiro.

Paola Oliveira chegou à capital mineira na semana passada para tentar um emprego melhor. Com experiência no atendimento em consultório odontológico, papelaria e posto de gasolina, ela sonha com uma vaga de secretária em uma grande empresa. “Não acho que vai ser tão difícil”, diz, otimista. Sem muita experiência, ela concluiu o terceiro ano do ensino médio e, assim como os primos, sonha em ingressar na faculdade. Administração é o desejo dela. “Não escolho muito, mas tem que ser por um salário de mais de R$ 1 mil para pagar as contas”, afirma.

Cenário de
incertezas

As pesquisas sobre o comportamento do emprego e do desemprego no país serão, de fato, decisivas nos próximos meses, observa Luciene Longo, supervisora de disseminação de informações do IBGE em Minas Gerais. “As taxas de desemprego mais altas nos últimos meses estão relacionadas, a princípio, à crise na indústria, mas elas ainda são menores do que há cinco ou seis anos. Precisamos de mais informações para saber se essas pessoas que saíram das fábricas vão se realocar em outros setores”, diz a especialista do IBGE.

As taxas apuradas em fevereiro estão também influenciadas pelas contratações dos trabalhadores temporários que reforçaram os quadros do comércio e da indústria para atender à tradicional demanda de consumo durante as festas de fim de ano e as posteriores dispensas de parte desse universo de trabalhadores. Enquanto batalha por uma recolocação, o engenheiro Márcio Zebral tem se dedicado aos estudos e feito trabalhos de cobertura fotográfica em eventos.

FACES DA CRISE

(foto: Ramon Lisboa / EM / D.A Press)
(foto: Ramon Lisboa / EM / D.A Press)
Josué Gonçalves,  VENDEDOR, 27 anos

Desempregado desde outubro do ano passado, Josué Gonçalves busca nova oportunidade, preferencialmente como representante comercial, atividade que exerceu em uma indústria de embalagens. Diante da redução do volume de encomendas, a antiga empregadora reduziu o quadro de funcionários e ele foi dispensado. “Estou distribuindo currículos, envio e-mails e converso com os amigos, mas não está fácil”, conta. Enquanto o tão esperado emprego não aparece, ele tem se virado na pele de vendedor de roupas que traz de São Paulo, mas admite estar bastante preocupado. A renda não é suficiente para pagar as contas e a última parcela do seguro-desemprego já foi depositada. “O comércio de roupas está fraco. Sou arrimo de família e espero que as coisas melhorem”, afirma. (Marinella Castro)

(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Amanda Resende, AUDITORA CONTÁBIL, 25 anos

Depois de três anos de trabalho na mesma empresa, a auditora contábil Amanda Coelho Resende decidiu pedir demissão do emprego no fim do ano passado para tentar um novo desafio profissional na área de contabilidade. Preparada para ficar alguns meses fora do mercado, ela já começa a se preocupar, porque não tem sido chamada nem mesmo para entrevistas, a despeito da formação em inglês avançado. “Quando pedi demissão no final do ano, não imaginava essa reviravolta do mercado e que teria tanta dificuldade para conseguir uma nova colocação. Vivemos o pleno emprego e faltava mão de obra. Agora já vejo gente sobrando”, diz. Pagando aluguel, Amanda vê chegar ao limite o tempo previsto para a procura por emprego, e também a reserva de dinheiro. (Francelle Marzano)

 

(foto: Marcos Vieira/D.A Press)
(foto: Marcos Vieira/D.A Press)
Kennedy Souza, CONTADOR, 42 anos

Com a crise que afeta a indústria da mineração, Kennedy Aparecido de Souza deixou o emprego há 15 dias, depois de trabalhar por cinco anos como gerente financeiro de uma empresa do setor. Ele é formado em ciências contábeis e tem MBA em direito tributário e finanças. Em meio ao estresse provocado pela queda da produção e da grande redução de custos na companhia, ele se viu forçado a aderir a um Programa de Demissão Voluntária, mas sabe que não será fácil encontrar outra oportunidade. “Só se fala em demissão. No comércio, as vendas estão caindo. Quem está empregado deve batalhar para se manter”, afirma. Ele lamenta, também, a piora das condições de trabalho numa economia em retração. (Luciane Evans)

 

 

(foto: Beto Novaes / EM / D.A Press)
(foto: Beto Novaes / EM / D.A Press)
Rogério Morais, TÉCNICO, 34 anos

A crise prejudicou por duas vezes o técnico em geoprocessamento Rogério Brito Morais. Em março do ano passado, ele foi demitido de uma empresa de engenheira de transporte devido à redução da demanda de serviços. À época, ele cursava a faculdade de geografia e teve de trancar a matrícula. Em meados de setembro, conseguiu estágio em uma empresa de meio ambiente, mas o trabalho durou cinco meses. “Numa segunda-feira de fevereiro, a amiga que havia me indicado para o emprego foi demitida. Aí se instalaram o medo e a ansiedade”, conta. Na semana seguinte, Rogério e outros colegas foram demitidos. “Éramos seis do setor de geografia e ficaram só dois profissionais”, diz. Para piorar a situação, a mulher, Valentia, com quem tem um filho de 3 anos, também ficou desempregada.(Luciane Evans)


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)