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Estado de Minas REDENÇÃO E CRISE MOVEM FRONTEIRA

Turismo de compras nos lados brasileiro e uruguaio sofre com inflação alta


postado em 30/06/2014 06:00 / atualizado em 30/06/2014 07:23

Comércio encolheu na fronteira entre Brasil e Uruguai, afetado pela volta da carestia e o endividamento dos brasileiros, que contêm os gastos (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Comércio encolheu na fronteira entre Brasil e Uruguai, afetado pela volta da carestia e o endividamento dos brasileiros, que contêm os gastos (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)

Chuí (RS) —O Chuí é o retrato de um Brasil que quer dar certo. Isolado e esquecido no extremo Sul do país, em um dos seis pontos de fronteira com o Uruguai, o município de 5,9 mil habitantes – entre legítimos gaúchos, uruguaios com dupla cidadania e imigrantes árabes – ainda espera por um desenvolvimento de verdade. Depois de 20 anos da criação do Plano Real, a cidadezinha manteve o histórico metamorfósico de regiões separadas por dois países. Em 1997, ganhou autonomia política ao se desgarrar da vizinha Santa Vitória do Palmar, mas, desde então, as principais transformações se restringem à consolidação dos requintados free shops do lado uruguaio.

Desde 1994, quando o real nasceu e o Estado de Minas visitou o Chuí pela primeira vez, o tamanho e o total de funcionários da loja de Calabuig, a casa de comércio mais antiga da região, aumentaram cinco vezes. Com reformas e ampliações, foram investidos, nesse período, cerca de US$ 300 mil. O momento atual, avalia ele, é um dos piores da história da fronteira. É dessa realidade que trata a segunda reportagem da série sobre os 20 anos do real.

Os brasileiros estão mesmo precisando de estímulo para gastar do lado uruguaio. Desde 2013, com a inflação persistente, os juros nas alturas e o endividamento recorde das famílias, as vendas nos estabelecimentos livres de impostos caíram até 30% na comparação com anos anteriores. Os resultados não têm agradado aos empresários nem no verão, quando o movimento é tão grande que chega a faltar combustível nos cinco postos do Chuí.

Nos free shops, oito em cada 10 clientes são brasileiros. Os 20 principais centros de compras estão concentrados na Chuy, com y, do lado uruguaio. Em tese, os uruguaios não podem comprar, mas, principalmente fora de temporada, eles acabam encontrando brechas. "Estamos deixando passar para manter o dinheiro circulando. Os brasileiros estão devagar demais", confessa Carlos Javier Calabuig, de 62 anos, porta-voz dos comerciantes.

A sonegação é outra realidade que persiste na fronteira, sem encontrar resistência. "Os comerciantes declaram apenas 30% do que arrecadam. A gente sabe disso", diz, com naturalidade, um dos 320 funcionários do município. A arrecadação não passa de R$ 8 milhões por ano no Chuí, onde a urbanização parou no tempo: falta o básico, como asfalto e sinalização.

Mesmo sem estrutura na cidade, o preço de terrenos disparou nos últimos anos – em alguns casos, triplicou. O aumento se justifica pela oferta reduzida diante da grande procura por parte de uruguaios, que consideram altos demais os impostos cobrados no país vizinho.

Pecuarista, com o ensino fundamental concluído, Renato Hernandez Martins (PP), de 47 anos, é o terceiro prefeito do Chuí – os dois antecessores se reelegeram – e o primeiro não integrante da colônia árabe. "O desenvolvimento aqui é uma questão de tempo", afirma ele, que confessa não saber quais os impactos do Plano Real na cidade.

O dólar mais alto e o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) também ajudaram a afastar os turistas, na opinião de César Navarro, de 51, gerente de free shop há 10 anos. "Aqui não tem nada, além das lojas. Os brasileiros podem estar preferindo ir ao exterior, onde há outros atrativos", cogita ele.

Há cinco anos, esgotado pela instabilidade provocada, sobretudo, pelo câmbio, José Lyrio Fernandes, 50, que vendeu um dos free shops mais movimentados da fronteira para um grupo de paraguaios. "O brasileiro está retraído: não vem nem gasta mais como antigamente. Para mim, é crise, não tem outro nome", diz o uruguaio.

Legado da moeda O Chuí continua pobre, mas não se podem negar os avanços proporcionados pelo real. "A moeda trouxe estabilidade e nos permitiu projetar melhor o futuro", resume José Lyrio Fernandes. Em duas décadas, moradores da fronteira acumularam riquezas, compraram terras, frigoríficos e até apartamentos em Punta del Este, a 200 quilômetros dali. Percorrendo as esburacadas ruas do Chuí, no entanto, ainda sobressai a percepção de abandono em uma das importantes portas de entrada do Brasil.

A população fronteiriça e o comércio incham e encolhem a depender do câmbio, o termômetro da economia local. O varejo, um pouco do campo e, mais recentemente, a prefeitura garantem o emprego dos moradores, que sustentam, em média, renda de 1,5 salário mínimo, algo em torno de R$ 1.086.

A valorização do real quase minou o comércio do Chuí. Antes do fortalecimento da moeda brasileira, os lojistas nem precisavam abrir as portas para faturar alto. Só a correção da inflação garantia lucros exorbitantes de um dia para o outro. A virada do câmbio e o fim do período de hipercarestia, no entanto, inverteram a lógica do ganho e empurraram o lado gaúcho da fronteira para o ostracismo.

Hoje, fica evidente um maior atraso na parte onde se fala o português mais claro. As lojas de tecidos, roupas e materiais de construção – a maioria sem reforma desde a inauguração do Plano Real – contrastam com a modernidade e o glamour nos free shops da Chuy com "y", em constante atualização pelos investidores e por representantes de marcas internacionais. Na semana em que o EM desbravou o Chuí, R$ 1 valia 8 pesos.


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