
Novos capítulos da crise no setor elétrico marcam esta semana, carregada de expectativas sobre o leilão emergencial de quarta-feira, instrumento no qual o governo aposta suas fichas para reduzir os preços do insumo no mercado à vista. São também aguardadas as primeiras operações de liquidação, na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), das compras das distribuidoras depois de formalizado na sexta-feira o socorro às empresas no valor de R$ 11,2 bilhões com um grupo de 10 bancos. Embora cercado de polêmica, o empréstimo é encarado por gregos e troianos como a solução possível no curto prazo para impedir o mal maior do calote e até insolvência das empresas, em alguns casos, diante da incapacidade de caixa para que elas continuem a bancar o custo mais alto da geração das usinas térmicas.
Sem a engenharia financeira proposta pelo governo para ser paga pelos consumidores brasileiros no ano que vem, as distribuidoras entrariam em colapso e teriam de suspender investimentos, segundo o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite. “É um socorro ao Brasil”, justificou. As companhias contam com o depósito amanhã da primeira parcela do financiamento, que vai cobrir as compras de energia de curto prazo feitas em fevereiro, no valor total de R$ 4,7 bilhões. As estimativas são de que a operação bancária solucione os pagamentos devidos até abril – a distribuidora paga todo mês pela compra da energia gerada pelas térmicas –, que foi aos picos de preços com a estiagem que sacrifica um sistema de abastecimento do país centrado na produção das hidrelétricas.
O governo se viu forçado a buscar uma solução para garantir o equilíbrio econômico-financeiro das empresas do setor, em razão do compromisso assumido de garantir por meio das tarifas administradas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a viabilidade econômica da atividade. O recurso que caberá à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) é da ordem R$ 450 milhões, cifra que vai recompor parcela da diferença entre os efeitos do reajuste médio autorizado à concessionária em abril, de 16,33%, e o pleito levado à Aneel, de um aumento de 29,7%, que cobriria as necessidades calculadas pela distribuidora.
A solução tem a sua importância por recompor o déficit das distribuidoras em decorrência de um custo sobre o qual elas não têm controle – o da compra de energia –, observa o diretor de Relações Institucionais e de Comunicação da Cemig, Luiz Henrique Michalick. Quando considerada a correção média de 16,33% aplicada às tarifas da concessionária mineira, o empréstimo corresponderia a cinco pontos percentuais que ficaram de fora do reajuste concedido este mês. “É preciso ficar claro que se trata de um encargo federal. O recurso financiado vai pagar energia contratada. Não é dinheiro apropriado pela companhia”, afirma.
Na avaliação de Walter Fróes, diretor-geral da empresa CMU Comercializadora de Energia, com sede em BH, não há dúvida de que o empréstimo constitui um pacote de salvamento apresentado às distribuidoras. O especialista questiona é a opção do governo de instituir a CCEE como a responsável pela operação, tendo em vista as atribuições da câmara de contabilizar a compra de energia e liquidar os contratos, em lugar de uma operação de empréstimo direto da União. “De fato, as distribuidoras não têm caixa suficiente para bancar o déficit. O valor do empréstimo supera o EBITDA (expressão inglesa para o lucro antes de contabilizados juros, impostos, depreciação e amortização) do conjunto das distribuidoras”, destaca.
O contrato de financiamento foi fechado a um custo que tem como base de correção a taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) acrescida de 1,9% ao ano, para quitação até outubro de 2017. Os consumidores brasileiros receberão a fatura nos novos reajustes das tarifas no próximo ano, por meio de um encargo adicional na chamada Conta no Ambiente de Contratação Regulada (Conta-ACR), a partir de fevereiro de 2015. O empréstimo começará a ser pago em novembro de 2015 e a garantia da operação está nos recursos recolhidos à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), outro ingrediente do extrato recebido pelos consumidores.
PREOCUPAÇÃO
O apoio financeiro às distribuidoras está longe do que poderia ser uma saída para o Brasil enfrentar o risco da baixa preocupante do nível dos reservatórios das hidrelétricas. Outra dúvida dos analistas do setor e que só será respondida na quarta-feira é se o leilão emergencial atenderá às necessidades de contratação do insumo. Do contrário, seria preciso recorrer a uma nova operação de financiamento para as companhias. A outra hipótese está numa generosa colaboração de São Pedro para encher os lagos das usinas.
Passou do momento, para Juliana Marreco, doutora em planejamento energético e professora da escola de administração Ibmec em BH, de o governo atuar em campanhas de uso mais racional de energia, no que concorda Walter Fróes. “Ainda é tempo de estimular medidas de eficiência energética e incentivar o consumidor com uma política de racionalização”, defende Juliana. Ela acredita que não há mais como a União fugir de uma proposta de acordo com os fabricantes de produtos que consomem muita energia no processo fabril.
Fróes sugere cortes seletivos de consumo de energia em todos os segmentos de grandes consumidores industriais. “A geração da qual temos controle é somente a das térmicas, que trabalham no seu nível máximo de capacidade. No caso das hidrelétricas isso não existe. Se não vierem pesadas chuvas, as distribuidoras vão depender de outro empréstimo.” No leilão de quarta-feira, poderão ser praticados preços máximos de R$ 271 por megawatt/hora, enquanto no mercado de curto prazo o custo atual é de R$ 822,83. Para diminuir a necessidade de ir a esse mercado, as distribuidoras terão de contratar mais de 3,3 mil megawatts médios.
