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Estado de Minas NA BONANÇA E NAS DÍVIDAS

Número de casais que dividem despesas e investimentos cresce

Percentual de homens e mulheres que se sentem na obrigação de prover sustento do lar despenca em 36 anos


postado em 02/03/2014 06:00 / atualizado em 02/03/2014 07:19

Bruno de Medeiros e Gláucia Teixeira trabalham e cuidam da casa juntos. Mudança em quatro décadas(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Bruno de Medeiros e Gláucia Teixeira trabalham e cuidam da casa juntos. Mudança em quatro décadas (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Guerra dos sexos à parte, o dinheiro se consolidou como tabu dentro de casa. Quem ganha mais? Quem paga o jantar? Quem assume o papel de principal provedor (se é que ele ainda existe)? Como dividir as despesas dos filhos e as contas domésticas? Chegar a essas respostas, por vezes, exige longas discussões, atritos, crises, visitas a psicólogos e a consultores financeiros. Em casos não tão raros, pode acabar com o relacionamento. Ainda sem soluções mágicas, a revolução em curso segue influenciando diretamente na vida financeira e afetiva dos casais.

No fim da década de 1970, quando Bruno Aleixo Santiago nasceu, 74% dos homens dos quatro cantos do planeta avaliavam que eles se sentiam no dever de bancar as despesas do lar. Atualmente, a maioria pensa diferente: “apenas” 42% dos homens mantêm a mesma opinião. Entre as mulheres, o indicador recuou de 52% para 37%. Bruno, de 34 anos, e a esposa, a publicitária Sara Teixeira de Avelar, de 29, dividem os gastos de casa e fora dela. Os percentuais, divulgados pelo instituto norte-americano Families and Work Institute, foram calculados depois de entrevistas com 46 mil pessoas em várias partes do mundo.

Os resultados deixam claro como a maior parte da sociedade mudou o pensamento em relação ao sustento da família. Embora quatro em cada 10 homens entrevistados ainda endossem as “funções tradicionais” de gênero, o dado indica uma queda de 32 pontos percentuais em relação ao indicador do fim da década de 1970 – o resultado daquela época (74% dos homens e 52% das mulheres) foi tornado público em 1977. Esses números estarão no livro O Poder das mulheres fortes, do badalado consultor e pesquisador Marcus Buckingham.

A obra, candidata a best-seller nas prateleiras de autoajuda, será lançada este mês no Brasil. Abertamente, até os mais durões hão de concordar com as estatísticas e se dirão, de fato, dispostos a aceitar a divisão das tarefas domésticas, incluindo o pagamento das contas. Mas, na intimidade de muitos casais, esse fenômeno tem sido dramático, sobretudo para o universo masculino, ainda com dificuldade em aceitar as novas interpretações do conceito de “homem da casa”.

Esse não é o caso de Bruno e Sara, moradores de Belo Horizonte e que se casaram em 2011. No fim do ano, ele deixou de fazer parte do quadro de funcionários de um banco privado na capital mineira e decidiu prestar concurso público. “Estudo de seis a sete horas por dia. E todos os dias da semana”, conta o rapaz. Ele usa parte do acerto – ele prestou serviço à instituição financeira por 12 anos – para as despesas do lar. O mesmo faz Sara: “Dividimos as despesas, mas, caso seja preciso, eu arco com um percentual maior”. As tarefas do lar também são feitas pelos dois, como explica o marido: “Afinal, a casa é de ambos”.

O mesmo ocorre no lar de outro casal de BH, o advogado Bruno de Medeiros Santos, de 31, e a servidora pública Gláucia Silva Teixeira, de 32 – ambos têm salários com cifras aproximadas. “Dividimos contas e tarefas do lar”, orgulha-se o rapaz. “Na verdade, ele faz até mais do que eu no lar, pois vai ao supermercado e faz compras em outras lugares. A mulher tem de trabalhar fora de casa até para ter maior independência”, acrescenta a esposa. A procura por essa independência é confirmada em vários indicadores oficiais.

NO MERCADO
Um deles é o do estudo “A inserção das mulheres no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, elaborado pela Fundação João Pinheiro (FJP). Entre 2011 e 2012, por exemplo, a taxa de desemprego delas diminuiu mais que a dos homens. Enquanto o desemprego entre os indivíduos do sexo feminino caiu de 8,6% para 5,9% (recuo de 31,4%), o do masculino reduziu de 5,5% para 4,5% (queda de 18,2%) – os dados referentes a 2013 serão divulgados no próximo dia 6.

“O mundo de hoje, capitalista, precisa da mulher no mercado de trabalho. Elas são extremamente importantes nesse mercado. E têm assumido ocupações que antes eram só de homens. É o que ocorre na construção civil, onde há mulheres trabalhando”, disse o economista Plínio Campos, coordenador da pesquisa da FJP. Ele destaca, porém, que o vencimento médio delas ainda é inferior ao deles. “Em 2012, elas ganhavam 79,2% do que eles recebiam. A diferença no salário ainda é grande. E leva tempo para mudar. Isso será resolvido um dia”, acrescentou Plínio.

EMPREGADORAS
Em nível nacional, um indicador é favorável às mulheres. Pesquisa divulgada pelo Sebrae mostra que, de 2001 a 2011, o total de micro e pequenos empregadores do sexo masculino caiu de 299 mil pessoas para 294 mil (recuo de 1,6%). No caso das mulheres, houve aumento de 27,3%, pois o total de empregadoras saltou, no mesmo período, de 84 mil para 107 mil. “Não há dúvidas de que a mulher saiu de dentro de casa e foi para o mercado de trabalho, seja como empregada ou como empreendedora”, concluiu Cássio Duarte, analista técnico da unidade de Políticas públicas do Sebrae mineiro.

Na prática, a revolução feminina no mercado de trabalho parece estar só começando. Trinta anos atrás, 29% das mulheres com mais de 25 anos exerciam alguma atividade. Em 2000, esse índice subiu para 40%. E, atualmente, é de 50%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Carlos Chagas.

Elas se tornam referência
Quase quatro em cada 10 residências brasileiras têm a mulher como pessoa de referência. Essa proporção vem aumentando todos os anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador não as rotula necessariamente como as responsáveis pelo sustento financeiro dessas residências, mas ajuda a ilustrar a mudança de paradigma em andamento no país. Com as mulheres na linha de frente da condução do orçamento doméstico, receitas e despesas passam a ser compartilhadas e, mais do que isso, redefinidas.

A despeito das discussões de gênero, a maior presença da mulher na divisão das contas representa um fenômeno econômico na opinião de Tânia Fontenele, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher e autora do livro Mulheres no topo de carreira. “É claro que há questões mais profundas de gênero envolvidas, mas não se trata de o homem querer ou não a mulher provedora. A tendência a uma certa paridade é questão de sobrevivência das famílias, diante de um contexto econômico muito mais complexo hoje em dia”, defende.

Em todas as classes sociais, acrescenta Tânia, a mulher tem deixado de ser somente a dona de casa ou, no máximo, quem complementa a renda. Ao conquistar espaço no mercado de trabalho, ela ganhou poder nas decisões financeiras. “Antes, ele podia garantir, sozinho, o sustento da família. Mulher considerada honesta e digna, inclusive, nem trabalhava”, lembra a pesquisadora, para quem muita coisa mudou, embora os papéis ainda não estejam tão bem definidos. “Elas passaram a dividir as contas, só que as funções domésticas continuam pouco compartilhadas”.

Contraponto Na casa do analista de sistemas Eduardo Souza da Silva, de 41 anos, assim como em milhares de lares brasileiros, sobrevive o modelo do homem provedor. “Não tem nada de machismo. Para nós, é algo completamente natural”, diz ele, que mora em Brasília. A decisão foi tomada três anos atrás, quando ela largou o trabalho de assistente administrativa para se dedicar aos dois filhos do casal. “Não me sinto inferior ou algo do tipo. Conseguimos lidar com isso de maneira bastante equilibrada. Ele é o dono do dinheiro e reconhece o meu papel, a minha dedicação”, emenda Juliana Caixeta, de 32.

Para a renda familiar se resumir ao salário de Eduardo — e aos bicos de Juliana como artesã de festas —, a família teve de abrir mão de um dos dois carros, da doméstica e das viagens em feriados prolongados. “Quando se olha a questão financeira não é fácil. Escolhemos viver um pouco mais apertados para priorizar o bem-estar dos filhos”, justifica a mãe, relatando experiências ruins com creches e babás. “A gente percebeu que seria melhor assim”, reforça ele. (DA e PH)


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