
Em um imóvel pequeno no Aglomerado da Serra, o aposentado Mário Júlio Pedro divide o espaço com a esposa e dois netos. A renda mensal de R$ 1,2 mil é o suficiente para o sustento da casa. Mas, dadas as facilidades de crédito, às vésperas de completar 60 anos (hoje ele tem 61) Mário conseguiu um empréstimo de R$ 9 mil para equipar a casa com geladeira, fogão, computador com impressora e telefone. Nos 60 meses seguintes, 25% da renda estaria comprometida com as parcelas e o restante teria que ser suficiente para pagar despesas básicas, como água, luz e supermercado.
O avanço de renda nos últimos anos permitiu às famílias mais pobres ter acesso a objetos de consumo antes vistos somente nas casas dos patrões. Bens duráveis eram desejados, mas quase inatingíveis. O aumento do poder aquisitivo colaborou para traçar outro panorama: resta diminuir o abismo existente em setores importantes para equalizar a qualidade de vida das partes baixa e alta das cidades, como a educação. Segundo o recorte do Censo Demográfico 2010: Aglomerados Subnormais – Informações Territoriais, feito pelo Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística (IBGE), em Minas, quase 600 mil pessoas moram em uma das 978 favelas, sendo mais da metade delas residentes em Belo Horizonte. Na capital, 14,79% dos habitantes estão em um dos aglomerados.

Apesar da alta na posse de certo tipo de bens duráveis, quando se trata de veículos, apenas um quinto tem um carro próprio, enquanto 56,7% dos moradores de outras áreas têm um automóvel. O custo ainda é um empecilho. Afinal, o rendimento médio nas favelas representa 30% da média de quem mora em bairros urbanizados (R$ 740,76, ante R$ 2.433,59). A saída é tentar financiar uma moto. Prova disso é que a proporção de pessoas com moto é maior nos aglomerados, segundo o IBGE.
Até conseguir o primeiro carro, é preciso rodar muito sobre duas rodas, o que, apesar do risco, colabora para agilizar os deslocamentos, reduzindo o tempo gasto até o trabalho e outras atividades. “A mensalidade ficou muito baixa. Chegou-se a brincar que seria possível comprar uma moto com o vale-transporte. Mas já para um carro, mesmo usado, ou colocar o filho numa escola privada a prestação é mais cara”, afirma Antônio Braz. Ele avalia que esse tipo de consumidor se preocupa com o tamanho da prestação, deixando de lado a taxa de juros aplicada ao financiamento.
TELEFONIA Nas favelas, o uso do celular se tornou quase imprescindível, substituindo o telefone fixo. De acordo com os números, em BH, enquanto 21,91% dos moradores de área urbana da cidade têm somente celular como opção para telefonar, nos morros 41,32% dos habitantes usam apenas o serviço móvel. Isso colabora para que o país tenha mais de um aparelho por habitante. A explicação: portadores de contas pré-pagas, os jovens usam dois, três ou até quatro aparelhos ou chips de operadoras diferentes para reduzir o gasto com as chamadas.
A professora de dança Débora Gonçalves Santos, de 22 anos, utiliza um telefone com planos pré-pagos de duas operadoras. Em sua casa não há telefone fixo e ela gasta por mês R$ 25, divididos para os dois chips, aproveitando também promoções de bônus e internet para falar com a família e amigos sem gastar mais. “Minha família utiliza uma operadora e as amigas gostam mais de outra. Optei por ter as duas e economizar no fim do mês. Uso muito o celular, faço tudo por ele e nem sinto falta do telefone fixo. Hoje é pouco comum ligarmos para alguém no telefone de casa”, lembra.
ESCOLARIDADE Se o consumo avançou nas favelas, reduzindo a distância para os bairros, o abismo continua quando se trata de escolaridade. Em BH, 61,5% da população com mais de 10 anos que vive em aglomerados é classificada como sem instrução ou não completou o ensino fundamental. É o quarto nível mais crítico do país, atrás de Salvador, Maceió e João Pessoa. O problema é ainda mais grave se considerado que a capital mineira também tem a quarta pior proporção de favelados com ensino superior completo, à frente apenas de João Pessoa, Teresina e Maceió. A comparação entre o percentual de formados no ensino superior de quem reside em aglomerados e no resto da cidade permite mostrar a desigualdade: 1% e 31,84%, respectivamente.

O pai de Rejane, que também não tem o ensino fundamental completo, trabalha informalmente. “Meus pais querem um futuro diferente para a gente. Eu trabalho e estudo. Meus irmãos só estudam. É difícil colocar comida na mesa para todo mundo”, explica. A vendedora diz que a família tenta conter os gastos e compra apenas o básico no supermercado. Roupas são compradas apenas uma vez no ano ou em ocasiões especiais. “Ainda bem que a casa é própria. Se tivéssemos que pagar aluguel, não sei como faríamos”, diz.

