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Estado de Minas CASAMENTO HOMOAFETIVO

Brasil não tem leis federais que garantam direitos da população LGBTQIAPN+

Todos os avanços de direitos desta população no país foram garantidos pelo Judiciário, e não pelo Legislativo


10/10/2023 13:32 - atualizado 10/10/2023 14:02
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Homem segurando a bandeira LGBTQIA+ com as cores do arco-íris em frente ao prédio do Congresso Nacional
Câmara dos Deputados remarcou para hoje (10/10) a votação sobre PLs que pautam casamento civil homoafetivo no país (foto: EVARISTO SA/AFP)

Na pauta da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (10/10), o projeto de lei que proíbe o casamento civil homoafetivo no Brasil (PL 5167/09) se tornou alvo de debates no final de setembro deste ano. Reconhecida judicialmente há 12 anos, a união entre pessoas do mesmo gênero no país passou a ser ameaçada, já que este foi um direito garantido apenas pelo Poder Judiciário, e não pelo Legislativo.

Apesar de um quórum favorável ao conservadorismo e à aprovação do PL 5167/09, um parecer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional divulgado no início da semana passada concluiu que o projeto de lei é inconstitucional e discriminatório.

Redigido pela Comissão Nacional da Diversidade Sexual e de Gênero e subscrito pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e por 25 comissões estaduais de diversidade, o documento afirma que o projeto “não é razoável [...] por ser segregacionista pretender que toda a parcela de uma população seja proibida de exercer o direito ao casamento civil em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero”.

Casamento civil homoafetivo

Apesar de algumas decisões favoráveis e avanços na visibilidade e direitos da população LGBTQIAPN+ no Brasil – como a equiparação da homofobia ao crime de racismo e o reconhecimento de ofensas a pessoas da comunidade como injúria racial –, o país ainda carece de leis abrangentes de proteção a esse grupo.

O reconhecimento do casamento homoafetivo no Brasil se sustenta por uma decisão judicial desde 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) deliberou em dois processos pela equiparação da união estável entre pessoas do mesmo sexo à heterossexual.

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução obrigando os cartórios a celebrarem o casamento civil homoafetivo e, desde então, já houve o registro de 76,4 mil casamentos homoafetivos no Brasil, segundo um balanço da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

Com tais conquistas – até então tidas como garantias – concedidas há mais de dez anos para a população LGBTQIAPN , a possibilidade de proibir o casamento civil homoafetivo ainda é vista com estranheza. A advogada e desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), Maria Berenice Dias, explica que o preconceito social em uma sociedade conservadora não permite que haja avanços concretos.

“Os direitos da população LGBTQIA sempre foi um segmento muito invisibilizado. No Brasil, não temos nenhuma lei que os assegure, mas sim decisões da Justiça assegurando o casamento homoafetivo, por exemplo. Isso ainda não rendeu frutos no Poder Legislativo, só no âmbito do Judiciário, o que não é suficiente. As pessoas têm o direito de serem inseridas dentro da tutela jurídica e da proteção legislativa do Estado”, afirma ela, que é referência em Direito Homoafetivo e de Gênero, sendo uma das fundadoras e vice-presidenta nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Para ela, apesar de a concessão da Justiça ser importante, a ausência de uma Lei fragiliza a consolidação dos direitos da população LGBTQIAPN .

“A existência de uma lei é fundamental. Não basta só a concessão da Justiça, até para não acontecer isso que está acontecendo de tramitar na Câmara Federal um projeto de lei absurdo que simplesmente quer acabar com a possibilidade do casamento homoafetivo”, explica.

“Esse projeto é uma escancarada inconstitucionalidade. É uma forma muito escancarada de discriminação contra os direitos da população LGBTQIA . Hoje, é essa população, mas quem será amanhã? Os negros; os indígenas; as PcD; as mulheres? Onde tiver uma pessoa discriminada, todos nós acabamos tendo um direito atingido”, complementa a advogada.

PLs na CPASF

Atualmente, tramitam em conjunto dois projetos de lei sobre o assunto: um propõe incluir a proibição da união homoafetiva no Código Civil (PL 5167/09), enquanto outro assegura a união homoafetiva por meio de contrato para fins patrimoniais (PL 580/07). O texto é analisado na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF).

A discussão, que aconteceria inicialmente no dia 19 de setembro, foi adiada após uma obstrução de parlamentares da base do governo. O relatório do deputado federal Pastor Eurico (PL-PE) era favorável à proibição do casamento homoafetivo e o adiamento representou um alívio para o campo progressista.

A última tentativa de votação aconteceu no dia 27 de setembro, quando deputados apreciaram o parecer do relator e a deputada Erika Hilton (Psol-RJ) defendeu que o relatório é inconstitucional, uma vez que promove a retirada de direitos já adquiridos pela população.

“O relatório apresentado pelo Pastor Eurico é [...] um escárnio e um explícito ataque contra a vida, a dignidade e os direitos das pessoas LGBTQIA . Além de defender a retirada de direitos já adquiridos pela população, o procedimento é antidemocrático e inconstitucional por excelência”, afirmou a deputada.

O relator rebateu: “Alguns desses [deputados] disseram que eu estou querendo fazer trampolim político. Gente, o projeto não é meu. Eu estou no quarto mandato e não seria esse o trampolim que eu iria usar”.

No parecer, o Pastor Eurico afirma que o STF “usurpou” competências do Legislativo ao deliberar sobre o tema. Para o deputado, “inexiste qualquer previsão que permita o casamento ou a união estável entre pessoas do mesmo sexo”. Ele diz que a Constituição reconhece apenas como entidade familiar a união estável entre homem  e mulher.

“O Brasil, desde a sua constituição e como nação cristã, embora obedeça ao princípio da laicidade, mantém, na própria Constituição e nas leis, os valores da família, decorrentes da cultura de seu povo e do Direito Natural”, prossegue o texto.

Diante do impasse entre os congressistas em torno do texto, um novo parecer está marcado para ser elaborado pelo relator, junto com quatro deputados, nesta terça-feira.

Por tramitar em regime conclusivo, o projeto só precisa passar pelas comissões temáticas, e não é encaminhado ao plenário para votação. Depois da CPASF, segue para a Comissão de Constituição e Justiça.

Parecer da OAB

A justificativa para a aprovação do PL pelo deputado Pastor Eurico é refutada pela OAB com base em decisões dos tribunais superiores sobre o assunto.

“Ocorre que esse argumento já foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal, quando julgou procedentes a ADPF 132 e a ADI 4277, quando reconheceu que a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo sexo constitui família conjugal e união estável constitucionalmente protegida, em ‘reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva’ segundo a parte dispositiva da decisão. Que tem ‘força de lei’, ante o efeito vinculante e a eficácia erga omnes que a Constituição impõe às decisões de ações de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade”, diz a Ordem.

O parecer foi elaborado a pedido da Aliança Nacional LGBTI e da deputada Erika Hilton.
 

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