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Estado de Minas TRANSFOBIA

'Não pode, é homem': mulher deve ser indenizada em R$ 30 mil por lanchonete

Ela afirma ter sido constrangida ao perguntar onde era o banheiro; caso ocorreu em janeiro de 2022 e só teve resolução em fevereiro deste ano


13/02/2023 17:43 - atualizado 13/02/2023 20:23

Montagem com a foto de Julie, uma mulher trans de cabelos longos e castanhos com luzes loiras, e um post em story do Instagram denunciando o caso
Julie Correia deverá ser indenizada por lanchonete cujos dono e funcionário foram transfóbicos (foto: Redes Sociais/Reprodução)
Uma mulher transgênero deverá ser indenizada em R$ 30 mil por danos morais por afirmar ter sofrido transfobia em um restaurante em Santos (SP), localizado na Avenida Conselheiro Nébias, no bairro Boqueirão. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu pela condenação em 2ª instância, e a sentença foi assinada em fevereiro, pouco tempo depois de o caso ter completado um ano de denúncia.

O caso ocorreu com a nutricionista e cabeleireira Julie Correia de Araujo, que afirma ter sido vítima de transfobia ao perguntar sobre o banheiro feminino da lanchonete. Ela estava voltando da praia com a família e amigos e resolveram parar no estabelecimento para almoçar. Quando seus primos foram ao caixa pagar a conta, ela seguiu à procura de um banheiro, solicitando ajuda a um dos funcionários.

“Eu dei boa tarde e perguntei onde ficava o banheiro feminino. Aí, ele falou assim para mim: ‘Você não pode usar o banheiro feminino, porque você é homem’. Sabe quando você não está esperando? Porque eu simplesmente perguntei onde era o banheiro. Poderia ser para mim, ou para qualquer outra pessoa. Eu não falei que era eu quem ia usar o banheiro”, contou ela à época do caso, contando também que ele teria indicado a ela o toalete masculino.

Ela também afirma que chegou a chamá-lo de “babaca” e se dirigiu ao caixa para perguntar sobre o gerente, mas ouviu mais uma vez que não poderia usar o banheiro feminino. “Me disseram que era proibido. ‘Você é homem’. Ou seja, ele reiterou aquilo que o funcionário tinha falado”, disse. “Uma mulher que viu a situação até falou para eu ir, que era meu direito, me apoiando. Ele [gerente] estava me deslegitimando como mulher porque, na concepção dele, eu não sou. Quer dizer que é ele quem decide se eu sou mulher ou não? Me senti constrangida”, completou.

Após muita insistência, ela conseguiu usar o banheiro feminino, mas ainda fez uma postagem denunciando o caso de transfobia em uma página de militância trans nas redes sociais. Na publicação, Julie afirmou que é muito cansativo ter que pedir todo dia para ser respeitada como mulher e que pretendia entrar na Justiça contra o estabelecimento. O caso foi registrado no 7º Distrito Policial de Santos e levado à Justiça.

Andamento do caso

Em setembro de 2022, a 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Santos julgou que a ação não tinha fundamento, alegando que Julie "jamais foi impedida de usar o banheiro feminino" e que “tudo não passou de um grande mal-entendido”.

“É preciso verificar que estamos tratando com pessoas humildes, e que muitas vezes há enorme dificuldade de saber com quem se está interagindo. Em pesquisa em qualquer site da internet, verifica-se que existem de 30 a 50 tipos de gêneros, o que causa ainda maior embaraço e dificuldade”, escreveu o juiz Guilherme de Macedo Soares, da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Santos.

A defesa da cabeleireira enviou um pedido de recurso, analisado e julgado pela 3ª Turma Cível do Colégio Recursal de Santos, que condenou a lanchonete a pagar R$ 30 mil por danos morais por transfobia em fevereiro de 2023.

O juiz Castro Neto, relator do caso, afirmou que “as pessoas trans estão amparadas pelo princípio de dignidade da pessoa humana e são titulares dos direitos da personalidade. A identidade de gênero é uma escolha pessoal. À sociedade, resta a função de romper com o paradigma da patologia estruturada sob a doutrina binária [feminino ou masculino] e transmutar-se para o plano de construções de identidade de gênero por meio da cultura e do meio social [...] e permitir ao sujeito expor seu ser, externar suas escolhas e desejos, sem o receio de ser excluído, discriminado ou violentado”.

Julie também relatou que o caso foi bastante noticiado na mídia local e que, em uma das notícias, conforme consta na petição inicial, o dono da lanchonete havia comparado a vítima a um “ladrão”. No depoimento que deu à Polícia Civil, ela também afirma que o dono do estabelecimento a havia caracterizado como “pessoa com trejeitos homossexuais”, referindo-se a ela sempre no pronome masculino.

O advogado Reginaldo Mascarenhas, que defende o estabelecimento, negou as acusações e afirmou que “inexistiu o impedimento dela usar o banheiro” e que vai recorrer da decisão. Ele também afirmou que os juízes Orlando Gonçalves de Castro Neto, Renata Sanchez Guidugli Gusmão e Frederico dos Santos Messias, responsáveis pelo caso, teriam julgado a afirmação que saiu na mídia que comparava a mulher a um “ladrão”.

"A decisão de segunda instância foi fundamentada em matéria de jornal que atesta a fala do dono [da lanchonete] que nunca aconteceu e não em produção de prova. A suposta fala em jornal nunca existiu, não sabemos de onde tiraram isso", disse Mascarenhas. "O juiz de segunda instância se apega a essa suposta fala dizendo que, no jornal, o dono equipara ela a um ladrão, e isso, além de não ter acontecido, não faz parte do reclamo. Inclusive, inexistiu o impedimento dela usar o banheiro, por isso o juiz de primeira instância foi tão certo na decisão", completou.

Procurado pela reportagem do EM, o dono do estabelecimento ainda não deu um pronunciamento sobre o caso.

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