O grupo de pesquisadores Africanidades BH dedica-se ao projeto de pesquisa “Percursa - Uma Cartografia das Africanidades em Belo Horizonte”. O objetivo é estudar a história da população negra na capital partindo da pergunta “quem são as pessoas pretas que constroem BH e onde estão as africanidades na cidade?”.
Muito além de focar no passado, a investigação é também um movimento para entender a BH do presente. “A gente está falando de perspectivas históricas que estão no passado, no presente e construindo um entendimento de futuro. São dados, informações e construções de imaginários de uma série de outras percepções que contribuem para formação de políticas públicas para formação de pensamento críticos e questionamentos”, conta Karla Danitza, proponente, coordenadora e produtora executiva do projeto.
Além de Karla, o projeto é realizado pela pesquisadora e doutora em história Josemeire Alves, pelo pesquisador doutor em arquitetura e urbanismo Cristiano Cezarino e pela gestora pública e doutoranda em arquitetura e urbanismo Lisandra Mara. Cada um dos integrantes desenvolvia projetos individuais sobre a negritude e participam do coletivo. O projeto envolve interpretações da história da capital mineira, das ocupações urbanas, arte e cultura, e também uma pesquisa do que é a arquitetura, não só física, mas social, que a cidade propõe e como a mesma inclui a negritude.
Como fio condutor foi escolhida a literatura da mulher negra na cidade, que perpassa principalmente a produção de Conceição Evaristo, como o livro Beco das Memorias, que apresenta várias perspectivas sobre os espaços que estão sendo construídos e destruídos dentro da cidade.
“Quando olhamos para essa construção a partir da literatura feminina, entendemos a mulher como uma referência do acolhimento, no sentido comunitário, no cuidado com a família", diz Karla. Ela lembra que as mulheres negras costumam ser as chefes de famílias.
Construção a partir da desconstrução
Belo Horizonte foi uma cidade planejada construída dentro da Avenida do Contorno, e as ruas formam ângulos retos e as avenidas criam ângulos de 45º. Com status de uma cidade moderna, foi inspirada em Paris e Washington. A história da capital tem início com a desocupação do antigo Curral del Rey.
Karla conta que a Praça da Liberdade era uma região ocupada por pessoas negras e que, ao se projetar o centro de poder da cidade, elas foram expulsas . A movimentada Rua Sapucaí era habitada por uma comunidade negra que, com a expansão urbana, foi expulsa.
Esse padrão se repete também no alto da Avenida Afonso Pena, onde as comunidades Pindura Saia e Vila Santa Isabel resistem como Remanescentes de um passado ocupado pela população negra da capital. E é essas narrativas que estão sendo resgatadas nos registros de Belo Horizonte, mas que foram invisibilizadas.
O direito da narrativa histórica
Atualmente, a população negra tem conseguido contar as próprias histórias. “São contribuições que dizem de nossas liberdades e emancipações, como que a gente fala sobre a gente, principalmente”, reflete Karla.
Porém documentos da Fundação de Belo Horizonte foram produzidos por quem tinha o direito narrativo em um determinado momento. O projeto então trabalha com a releitura de documentos que cumpriram um determinado papel. Karla conta que grande parte da pesquisa trabalha com a perspectiva de entender quem são as populações em Belo Horizonte a partir de obituários, pela falta de censos oficiais com dados da população negra brasileira.
“É um desafio de interpretação, um desafio de buscar e fazer o levantamento desses documentos. Um outro desafio, que se apresenta quando a gente está falando de memória da população negra, é a oralidade. São histórias orais que, ao longo do tempo, não são reconhecidas como documentos, como histórias de uma população”, afirma Karla.
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz.
Ouça e acompanhe as edições do podcast DiversEM
O podcast DiversEM é uma produção quinzenal dedicada ao debate plural, aberto, com diferentes vozes e que convida o ouvinte para pensar além do convencional. Cada episódio é uma oportunidade para conhecer novos temas ou se aprofundar em assuntos relevantes, sempre com o olhar único e apurado de nossos convidados.