obra 'Do pó ao pó', de José Bento

A obra "Do pó ao pó" foi feita com 15 espécies diferentes de árvores para contar "uma história de devastação, de queimada e de comércio", segundo o autor

Orlando Bento/Divulgação
 

Não tem árvore, mas tem floresta. Uma não, três. Com abertura nesta quarta (1/11), na galeria de arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas, “A qualquer fagulha”, exposição de José Bento, não tem sequer uma árvore de madeira, sua marca registrada. Mas o escultor trata, sob outra perspectiva, dos temas que lhe são caros: a natureza, a preservação do planeta, a humanidade.

Os curadores Rafael Perpétuo e Clarice Steinmüller selecionaram cinco trabalhos - dois conjuntos escultóricos, dois registros fotográficos e um vídeo para a individual, a primeira do artista na galeria do Minas. O de maior impacto leva o nome de "Ar". É uma floresta de cilindros, esculpidos na madeira de 36 árvores que compõem os principais biomas do Brasil: atlântico, amazônico, cerrado e caatinga.

"São cilindros, mas os considero árvores também. Como escultor, estou em débito com a natureza. Neste trabalho, é como se fosse a natureza dando um puxão de orelha: 'Se vocês continuarem derrubando tudo, vai sobrar só tubo de oxigênio", afirma José Bento. 

Esta é a obra mais recente que está na mostra. Foi iniciada em 2020. "Fiz os primeiros cilindros antes da pandemia e completei depois. Mas fiz a floresta não por causa da COVID. Acho um trabalho mais amplo, trata da falta de ar no mundo, tanto na questão ambiental, quanto também no ser humano, diante de uma realidade tão desumana." 

A segunda floresta se chama "Do pó ao pó", frase tirada de um dos sermões do Padre Antônio Vieira (1608-1697). A partir de 15 árvores diferentes, José Bento criou mesinhas, como as de camelô. Em cima, estão caixinhas de fósforo. "(A obra) Conta uma história de devastação, de queimada e de comércio. E um comércio ilegal, pois os camelôs recolhem rápido as mesinhas por causa da ilegalidade."

"São cilindros, mas os considero árvores também. Como escultor, estou em débito com a natureza. Neste trabalho, é como se fosse a natureza dando um puxão de orelha: 'Se vocês continuarem derrubando tudo, vai sobrar só tubo de oxigênio"

José Bento, artista



A terceira floresta está pegando fogo. É um trabalho fotográfico, realizado uma década atrás, com um viés de denúncia. "Sacrifiquei umas 100 árvores em cima de um pedaço de chão, coloquei fogo, fotografei e filmei." O título é "Iracema", e traz como referência o filme "Iracema - Uma transa amazônica" (1975), de Jorge Bodanzky e Orlando Senna.

"Foi a primeira denúncia (em filme) no Brasil sobre as queimadas desenfreadas e brutais, na região amazônica. Ele denuncia não só a devastação ambiental, como a prostituição indígena e ribeirinha. Ou seja, a devastação humana", comenta José Bento.

"Mona" é um vídeo, criado a partir de um cachorro do qual o escultor foi tutor. "Um animal só faz o que quer. A graça é que ele me 'emprestou' a imagem, pois o vídeo, em looping, o mostra olhando estaticamente para a câmera. A partir do olhar dele, falo de humanidade."

Encerrando a mostra, no fundo da galeria, está o trabalho fotográfico nomeado "Mato". Um antigo pastor belga preto de José Bento teve que fazer uma raspagem no corpo. "Ele era muito grande, tinha 65 quilos. Então peguei aquela grande quantidade de pelo, cobri meu corpo e fiz o trabalho."

José Bento entre suas esculturas

José Bento entre suas esculturas

Thiele Elissa/Divulgação

Contrabando em Benin

Foi em 1989 que José Bento fez a sua primeira escultura de árvore em madeira. Nestes mais de 30 anos, não há como se ter ideia de quantas árvores ele esculpiu. São de diferentes tamanhos - de 0,2 grama, que se consegue pegar apenas com pinça, até 2,5 metros de altura, pesando três toneladas.

"A árvore nasceu como um trabalho mais formalista, depois é que fui injetando conceito", conta José Bento. As esculturas trazem histórias incríveis. Uma delas é de 2012, quando o artista foi convidado para a Bienal de Benin, na África. Levou na mala, a partir de Belo Horizonte, 3 mil árvores de pequeno porte.

"Fiz um contrabando. Benin não contrabandeou seres humanos que foram escravizados? Então eu coloquei as arvorezinhas em quatro malas e entrei ilegalmente na África. A 'quadrilha' era formada por mim, meu assistente, o curador da Bienal e o embaixador. Passamos por fora do aeroporto e distribuí de presente, aleatoriamente, para o povo africano. Ela se tornou a árvore da memória." Na Bienal propriamente dita, só ficou uma das árvores. "O resto todo foi para a casa das pessoas, que, desta forma, acabaram também participando da exposição." 

As histórias se multiplicam. José Bento conta que, certa vez, um caminhão foi assaltado na Baixada Fluminense. Ele transportava 500 árvores bem pequenas. Mais tarde, um amigo lhe ligou contando que havia um monte de garotos vendendo suas árvores por R$ 1. "É muito legal, pois a árvore tem muita relação com a vida. Com o bem, o mal. Chega até a religião", comenta.

“A QUALQUER FAGULHA”
• Exposição de José Bento. Abertura nesta quarta (1º/11), às 10h, na galeria de arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes).
• Visitação de terça a sábado, das 10h às 20h, domingos e feriados, das 11h às 19h. Até 14 de janeiro.