Mural do documentário 'Pele'

O diretor mineiro Marcos Pimentel optou por registrar as paisagens urbanas e reconstruir os sons das ruas posteriormente, oferecendo várias possibilidades de interpretação ao espectador

Embaúba Filmes/Divulgação
O diretor, roteirista e produtor mineiro Marcos Pimentel sempre cultivou o hábito de andar por Belo Horizonte – e por outras cidades – observando as paisagens urbanas, com especial atenção aos conteúdos expressos em paredes e muros. Dessa prática nasceu “Pele”, documentário que estreia nesta quinta (26/10), no UNA Cine Belas Artes, em Belo Horizonte.

Em suas andanças, o diretor começou a perceber as interações espontâneas que as pessoas têm com a arte urbana – não só com ela, mas também com publicidades, letras, declarações de amor, palavras de ordem, hieróglifos, mensagens políticas, palavrões e outras formas de expressão impressas pela cidade. 

“Me chama a atenção essas coisas muito pulsantes da arte urbana, das imagens e dizeres espalhados pelos muros, e como os habitantes da cidade estão sempre interagindo, mesmo sem se dar conta, com esses conteúdos. O filme surge de uma vontade de falar dessa interação entre os corpos que habitam a metrópole e o conteúdo que habita o concreto”, diz Pimentel.

Apesar de “Pele” trazer imagens capturadas também em São Paulo e no Rio, 90% das filmagens ocorreram em BH. Não há no filme preocupação em situar as cenas, assim como também não há narração, depoimentos ou entrevistas.



O filme todo é construído pelo registro dos conteúdos dos muros, pelos diálogos possíveis que estabelecem com as pessoas e por algumas sequências de intervenções artísticas realizadas no ambiente urbano. 

Parceiro do montador Ivan Morales Jr. há 20 anos, Pimentel conta que a montagem foi o momento de transformar o material filmado em uma narrativa sobre o Brasil contemporâneo. Ele entende as intervenções nos muros e paredes como gritos silenciosos.

“As narrativas urgentes das ruas estão sempre ali, estampadas nos muros, que são encarados como espaços onde os artistas e os moradores das cidades podem gritar para o mundo tudo o que pensam e também extravasar as muitas opressões a que são submetidos no cotidiano”, afirma.

História recente 

Duas premissas orientaram a escolha dos lugares das filmagens. Uma delas diz respeito ao conteúdo, no sentido de capturar imagens que ajudassem a construir uma narrativa, já que é um filme que se ocupa de contar a história recente do país.

“As jornadas de junho de 2013, os protestos contra as Olimpíadas e a Copa do Mundo, o Fora Temer, o Lula Livre, a Lava Jato e a Vaza Jato, os movimentos raciais, o movimento feminista, o assassinato de Marielle, está tudo ali, nas ruas. Isso foi um norte”, diz.

Outro critério de escolha das locações implicou um mapeamento prévio, que buscou identificar os locais onde fosse mais provável o registro da interação dos habitantes da cidade com o conteúdo dos muros – onde há pontos de ônibus ou em lugares de grande fluxo de pessoas, por exemplo. Nesse sentido, a realização do filme exigiu quase uma estratégia de tocaia.

“A rua é um ambiente que me encanta justamente pela falta de controle quando se filma um documentário. Nunca é fácil, mas também poucos espaços são tão ricos e prazerosos para um documentarista como as ruas. Não tínhamos controle de nada e nunca nos propusemos a isso. Era um filme em que precisávamos esperar muito e filmar pouco. Eram horas esperando, até que determinada situação acontecesse espontaneamente diante de algum grafite ou pichação”, comenta.

No que diz respeito às intervenções artísticas ou físicas que ocorrem pela cidade, que correspondem à parte “encenada” do documentário, ele explica que o diretor de produção e assistente de direção, Vinícius Rezende Morais foi atrás de pessoas que habitualmente já praticavam dança, capoeira, ioga, parkour e as convidou a fazê-lo diante das câmeras, tendo os muros como cenário de fundo.

“É um filme no qual poesia e política caminham de mãos dadas o tempo todo, fazendo com que ele seja uma experiência sensorial pelas ruas das cidades e pelas artes e intervenções encontradas ao longo do caminho, sem nunca perder de vista um discurso político bem marcado, que está entrelaçado na construção de praticamente todas as sequências”, pontua.

No que diz respeito à camada política, Pimentel assente que o documentário não se furta a tomar partido e se alinhar ideologicamente. Ele observa que os conteúdos que os muros apresentam expressam as carências, opressões e anseios que boa parte da população sofre – em alguns casos, há séculos. “São lutas e causas em que a gente acredita e defende”, diz.

Pimentel chama a atenção para o fato de que o viés político é intrínseco às manifestações artísticas urbanas. “Um brasileiro que assistiu ao filme no exterior veio me dizer que fomos tendenciosos, por só mostrar um lado. Eu disse: olha, se você quer outro tipo de conteúdo na arte urbana, vai ter que inventar o grafiteiro de direita, porque eu não conheço nenhum.” 

Carreira em festivais

Rodado em 2019, “Pele” fez sua estreia mundial em 2021, no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (Holanda), no qual rcebeu menção especial do júri. No Brasil, foi exibido na Mostra Competitiva do É Tudo Verdade. Na Rússia, recebeu o Grande Prêmio da Crítica no Festival Message to Man, em São Petersburgo, e já foi exibido também em outros países, como França, Canadá, Itália, China, Nova Zelândia, Indonésia, Áustria, Alemanha e Colômbia.

“PELE”
(Brasil, 2021, 75 min.). Direção: Marcos Pimentel. Documentário. Em cartaz a partir desta quinta (26/10), no UNA Cine Belas Artes (Sala 3, 17h30).