ilustração de gilberto gil

Em "Não tenho medo da morte", Daniel Kondo se inspirou na própria força de Gilberto Gil para ilustrar a letra

WMF Martins Fontes/Divulgação

As cores vivas e alegres que Daniel Kondo utiliza em seus desenhos e o traço que faz suas obras se assemelharem a de artistas como Rubem Valentim, Abdias Nascimento e Djanira chamaram a atenção de Flora Gil, esposa de Gilberto Gil.

“Ela entrou em contato comigo e disse: ‘Olha, Daniel, eu e o Gil gostamos muito do teu trabalho e queremos te contratar para fazer o logotipo da nossa turnê’, que era o do show ‘Nós, a gente’, que a família Gil fez na Europa entre julho e agosto deste ano”, lembra o ilustrador.

A partir dessa primeira interação com a família do músico, Kondo propôs um novo projeto, que dialogasse com a turnê.

A primeira ideia era fazer um álbum de fotos dos bastidores, relacionando-as com as canções do repertório do show. “Era muito interessante de ver, porque, fora do palco, a relação era de pai-filho, avô-neto”, diz Kondo, que acompanhou os Gil nessa incursão pela Europa.

“Eu via cenas muito curiosas, como o Gil comprando um sorvete para os netos, e tocando violão de maneira descompromissada com os filhos. Era isso que eu queria mostrar para todo mundo”, acrescenta.

O projeto, no entanto, tomou outro rumo, desdobrando-se em três. As fotos, de fato, foram incorporadas em um álbum. Já as letras das músicas foram ilustradas por Kondo nos livros “Nós, a gente” e “Andar com fé”. Todas essas três publicações foram lançadas recentemente pela editora WMF Martins Fontes.

Com organização de Guilherme Gontijo Flores – com quem Kondo trabalhou nos livros "A mancha" e em vários videopoemas –, “Nós, a gente” conta com 40 músicas de Gil ilustradas por Kondo, mais que o dobro apresentado pela família nos shows da turnê.

São canções populares (como “Palco”, “Refavela”, “Expresso 2222”, “Aquele abraço”, “Tempo Rei” e Drão”) e músicas consideradas lado B do tropicalista (como “Babá Alapalá”, “Era nova”, “Serafim” e “Parabolicamará”) que ganharam o traço colorido de Kondo.

Sem se preocupar em representar fielmente a figura humana ou paisagens da natureza, o ilustrador procura trazer os detalhes para o centro dos olhares. A sugestão vale mais para ele do que a representação propriamente dita.

Por isso, ao ilustrar a letra de “Aquele abraço”, ele indica ao leitor o espectro de um morro, que muito se parece com a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, sob um céu listrado azul e branco. As listras podem ter inúmeros significados, mas, considerando o contexto em que a canção foi escrita, não seria exagero supor que elas remetem ao cárcere.

“Gil compôs essa música quando estava indo embora do Brasil, despachado pela ditadura depois de ter sido preso”, lembra Kondo. “Os desenhos, portanto, são cheios de jogos e enigmas visuais para surpreender o leitor”, acrescenta.

Violão sem corda

O livro “Andar com fé”, que é basicamente a letra da canção homônima de Gil dissecada e ilustrada por Kondo, segue nessa mesma toada, com enigmas e jogos visuais.

“Na parte que fala ‘a fé também tá pra morrer / triste na solidão’, optei por fazer um violão. Mas, se você reparar bem, ele está sem a corda central. E, se você virar o livro, vai ver que esse violão assume o formato de um crânio, uma caveirinha, que é o símbolo da mortalidade. Ou seja, é a fé que está para morrer”, explica Kondo.

Nesse mesmo livro, revela o ilustrador, a capa e a contracapa, que representam um prédio colorido, na verdade, formam a palavra “fé”.

O mesmo ocorre no desenho que ilustra o verso inicial “que a fé não costuma faiá”. A imagem do pé do homem negro também forma a palavra “fé”, na qual os dois primeiros dedos são a letra F e os três restantes a letra E.

Tarsila e Volpi

O resultado final dos dois livros, resume o ilustrador, é um mix de referências das artes plásticas e gráficas.

“É possível ver referências a Djanira e Rubem Valentim, sim. Mas há também alusões a Tarsila do Amaral e Volpi. E também há referências que nem sempre são tão diretas e decifráveis”, diz. “Mas, assim como Gil fez, eu tentei fazer um tropicalismo, homenageando os que vieram antes, só que numa leitura extremamente contemporânea”, conclui. 

“NÓS, A GENTE”
• Autores: Gilberto Gil e Daniel Kondo
• Editora: WMF Martins Fontes
• 112 páginas
• R$ 99,90
* O álbum de fotos da turnê vem junto com o livro

“ANDAR COM FÉ”
• Autores: Gilberto Gil e Daniel Kondo
• Editora: WMF Martins Fontes
• 40 páginas
• R$ 64,90 (capa dura) e  R$ 54,90 (brochura)