Escritor britânico Ian McEwan

Ian McEwan revela que escritores não devem atrelar o conteúdo de seu trabalho a 'histerias em massa' que atingem a população

Joel Saget/AFP

O britânico Ian McEwan está desconcertado com a atual obsessão com a "sensibilidade" no mundo editorial. "Sejam corajosos!", diz ele aos escritores mais jovens. Aos 75 anos, McEwan está longe de ser considerado um escritor conservador. Mas o autor de "Lições" confessa estar chocado com a ascensão do politicamente correto.

"Não sei o que está acontecendo", declara o escritor, que ganhou o Prêmio Booker de 1998 com "Amsterdam", ao ser questionado sobre os "leitores sensíveis", a moda mais recente no mercado editorial anglo-saxão, que consiste em leitores que recomendam alterações em obras que podem ser consideradas ofensivas.

"Isso está acontecendo entre pessoas muito jovens que vivem em sociedades que são relativamente livres, e eles parecem querer amarrar os braços e as pernas de jeitos que são simplesmente triviais", acrescenta, em entrevista à reportagem.

Pânicos morais

McEwan diz que ouviu recentemente um jovem escritor falar sobre seu medo de escrever sobre o desejo masculino. "Eu pensei: 'Coitado!' Porque você perdeu o desejo de metade do mundo", disse ele.

Seu conselho: "Seja corajoso! Que se danem eles. Você tem que escrever o que sente. Você tem que dizer a verdade". "Essas histerias em massa, pânicos morais, atingem a população de vez em quando. E acho que esta é uma delas", completa.

Para ele, a tendência não se aplica a todos os jovens. É apenas "uma coisa estranha que acontece em algumas universidades, que adotamos dos Estados Unidos".

O escritor britânico apoia de modo veemente os jovens que lutam contra a mudança climática, questão "que afetará todos e cada um de nós". E conta que apoiou os estudantes que derrubaram a estátua de um traficante de escravos em Bristol, na Inglaterra, em 2020.

"Exigir um pouco mais de responsabilidade pelo nosso passado imperial colonial é uma exigência perfeitamente válida. Mas dizer que não podemos ler Nabokov (Vladimir Nabokov, escritor russo) ou Conrad (Joseph Conrad, autor britânico) ou o que quer que seja, parece mais do que desprezível", afirmou.

McEwan concedeu a entrevista em Paris, pouco antes do anúncio do Prêmio Nobel de Literatura, do qual é considerado um potencial vencedor. "Todos os anos somos cerca de 50", comenta.  "Acho que meu filho (um pesquisador médico) receberá o Prêmio Nobel antes de mim", acrescenta, rindo. O prêmio deste ano foi para o dramaturgo norueguês Jon Fosse.

Os romances de McEwan exploram uma ampla gama de temas morais complexos, como memória, trauma, implicações éticas do progresso científico, ou o lado sombrio do amor e dos relacionamentos, geralmente com humor ironicamente afiado.

Muitas de suas obras foram adaptadas para o cinema, incluindo "Na praia de Chesil", "Amor para sempre" e o aclamado romance de guerra "Reparação" ("Desejo e reparação", no cinema).

Direita populista

"Lições" conta a história de um homem que segue os principais acontecimentos políticos vividos por McEwan, desde a crise de Suez e a crise dos mísseis cubanos até a pandemia de COVID-19.

McEwan considera o Brexit o evento histórico que cobra o maior preço.  Para ele, é um símbolo da derrota de uma Grã-Bretanha composta por "professores, médicos, bibliotecários... pessoas que trabalham no serviço público (que) já não contam, porque a Grã-Bretanha é realmente governada por pessoas que ganharam grandes quantias de dinheiro em serviços financeiros, e o bem social não lhes interessa".

Ao comentar a escalada direitista que se observa no mundo, afirma: "Acho que vão voltar. A roda vai voltar a girar. Vimos muitos dos episódios estúpidos e vergonhosos da direita populista em nosso país”, completa o escritor.