Gabriel O Pensador iniciou a carreira na música em 1992, aos 18 anos, quando ainda era aluno de comunicação social na PUC-Rio. Na época, o artista, que já rimava desde os 10, não tinha o desejo de ficar famoso, mas, sim, de colocar para fora seus sentimentos e anseios por meio da música. Três décadas depois, Gabriel volta à cena pelo mesmo motivo: a urgência em falar sobre os temas que o cercam.
“Antídoto pra todo tipo de veneno” chega às plataformas digitais nesta sexta-feira (15/9), com 12 faixas inéditas e recheado de parcerias com artistas como Lulu Santos, Xamã, Armandinho, Black Alien, Papatinho, além do surfista havaiano Makua Rothman.
Nas faixas, o músico passeia pelo rap e seus subgêneros, como o boom bap e o trap, traz referências do reggae e fala sobre sua trajetória até aqui, sobre liberdade, medos e a paixão pelo mar.
Gabriel O Pensador segue sendo voz ativa nas denúncias sociais, característica que o colocou sob os holofotes, e neste trabalho revisitou um dos maiores hits de sua carreira. Em “Cachimbo da paz 2”, o artista versa sobre a violência, a guerra às drogas e o aumento da intolerância. São temas que ele aborda na entrevista a seguir.
'Basicamente tudo começa comigo no quarto compondo como uma forma de fazer um desabafo muito pessoal, mas que precisa de muita gente para ficar pronto e chegar até as pessoas'
Gabriel O Pensador, rapper
Em suas redes sociais, você disse que resolveu parar de lançar discos para seguir a tendência do mercado do formato de singles. Por que decidiu voltar com um disco completo agora?
Percebi que o público voltou a entender a importância do álbum. Me parecia que o formato físico realmente tinha morrido e que a música digital se concentrava mais no single do que no conceito de um álbum. Mas, agora, acredito que as pessoas voltaram a prestigiar o álbum digital.
Com single é assim: você precisa optar se vai fazer uma música mais séria ou uma mais alegre, o que que vai te representar melhor naquele momento… Acho que acabei de concluir aqui contigo que eu tinha tanta coisa para dizer que não saberia escolher só uma música, o que seria mais importante dentro de tudo que eu tenho a dizer. Mais do que o mercado ou o formato que as pessoas estão consumindo, o que eu tinha para mostrar não caberia mais em um single. Essa é a resposta mais certa.
O que significa o título “Antídoto pra todo tipo de veneno”?
Essa frase saiu da letra da minha música com o Armandinho que se chama “Liberdade”. Tem um momento nela em que eu falo: “Já rodei pelo mundão pra saber que ele é pequeno e cada sonho é sagrado e infinito/ Tenho antídoto pra todo tipo de veneno defendendo e dividindo a fé naquilo em que acredito”. Esse nome me ajuda a traduzir algo em que acredito muito. Em um mundo cada vez mais envenenado, com tanta coisa que nos sufoca e nos mina a esperança e, às vezes, até diminui a nossa vontade de viver, a gente precisa buscar nessas situações difíceis a força e as respostas. Tento buscar o alívio na dor e a coragem no medo para achar respostas nos momentos de dúvida, de insegurança.
Passei por decepções na vida com situações de ingratidão, traição e desilusão, e eu falo um pouco disso no álbum também, na música “Ultimamente”. Falo que as pessoas que eu já ajudei só me fizeram de otário. Nessas horas, a gente tem que lembrar daquela pessoa boa, daquela amizade verdadeira, de quem te levanta quando você precisa, daquele estranho que te trata como irmão, e não só enxergar as coisas ruins, as pessoas ruins e o comportamento negativo do ser humano. A gente tem que buscar sempre o antídoto no veneno em qualquer situação. A música é um antídoto para mim que me ajuda muito.
'Em um mundo cada vez mais envenenado, com tanta coisa que nos sufoca e nos mina a esperança e, às vezes, até diminui a nossa vontade de viver, a gente precisa buscar nessas situações difíceis a força e as respostas. Tento buscar o alívio na dor e a coragem no medo para achar respostas nos momentos de dúvida, de insegurança'
Gabriel O Pensador, rapper
Como foi o seu processo criativo desse novo trabalho? Há alguma composição mais antiga nele?
Boa parte das músicas foi desenvolvida nessa fase final de produção do álbum, criando junto, ali, experimentando ideias musicais e letras. As letras normalmente eu faço mais sozinho na minha casa, não sou daquele que vai fazendo a letra junto no estúdio. Faço com calma, escrevo e mexo bastante nas letras. O processo no estúdio Malibu foi muito importante na experiência de trazer a mistura de ritmos. Kevin Ribas é um produtor jovem muito contemporâneo. Ele faz muito pop, trap, funk, tudo muito bem, e produz muitos artistas que admiro.
Sobre o que você quer falar nesse disco? Depois de todos esses anos de carreira, a denúncia social continua sendo o seu norte ou agora você também quer se abrir para falar sobre outros temas?
Continua, sim. Continuo sendo um cronista com tema livre. Tem um caso que cito na letra de “Linhas tortas” que fala sobre quando a professora de redação que me alfabetizou dava um exercício com tema livre durante a aula e eu demorava muito para escolher sobre o que eu iria falar, reclamava muito dessas aulas, mas depois eu viajava. Uma vez eu voltei até essa escola com uma equipe de TV e quando eu cheguei lá essa professora me disse: “Ainda bem que você entendeu a importância de inventar os seus temas, Gabriel”.
Isso faz parte não só do meu rap. Falar sobre os problemas sociais da vida e do dia a dia é a essência desse tipo de música. Certos assuntos já foram abordados em letras que já existem e, infelizmente, continuam muito atuais. Às vezes falo de outra forma sobre os mesmos temas, mas algumas questões não retomo porque já foram muito bem colocadas em trabalhos passados e ainda fazem parte do repertório do meu show. Um exemplo é o “Cachimbo da paz 2”, que vem constatando problemas que continuaram e, em alguns pontos, até se agravaram.
Falando sobre “Cachimbo da paz 2”, como foi o processo de retomar esse sucesso? A faixa traz temas novos e muito urgentes, como a defesa dos povos indígenas. Quando surgiu essa ideia?
Voltar para esse sucesso foi um desafio interessante, é uma música que tanta gente gosta. Por isso não é fácil retomar e fazer a parte dois. Um detalhe é que o personagem principal já tinha morrido na letra da música antiga, então a gente teve que pensar em um caminho criativo para poder voltar nisso.
De toda forma, eu achava importante falar disso, e olha que, quando comecei a fazer essa letra, ainda não havia ninguém falando da votação sobre o porte de maconha. Ainda nem tinha essa informação rolando, foi mesmo para falar sobre o aumento da intolerância, o massacre dos povos indígenas, a hipocrisia e o atraso em relação ao tráfico de drogas e toda a violência que isso gera, até os medicamentos derivados da cannabis que as pessoas ainda têm dificuldade para conseguir o uso. Tem todo um atraso ligado a esse tema e por isso achei importante voltar nessa música.
Então chamei o Lulu Santos, que trabalhou comigo na primeira versão. Ele aceitou logo de cara o desafio de criar um novo refrão à altura do maresia. Isso para o Lulu foi fácil e eu adorei o novo refrão que ele trouxe. Depois pensei no Xamã, nós já tínhamos feito outros trabalhos juntos e ele veio para somar como um porta voz das causas indígenas, tinha tudo a ver. Nosso produtor Kevin também somou na composição dessa faixa, trazendo um beat moderno com um espírito que remete à música original, mas totalmente atualizado com traços de trap na batida.
'O importante é buscar originalidade sempre, criar um conteúdo diferente, não copiar o que já existe, não ser mais um falando as mesmas coisas, essa é a dica que eu dou para quem quer começar a fazer música independente do gênero'
Gabriel O Pensador, rapper
Desde o lançamento da primeira versão, você acha que avançamos ou retrocedemos no que tange à legalização?
Acho que ainda não avançamos. Estamos caminhando a passos de formiguinha agora para discutir sobre o porte de uma determinada quantidade de maconha. Isso é melhor do que nada e vai diminuir uma parte do problema, que é o do usuário enquadrado como traficante e o da corrupção que existe em parte da polícia que, quando pega um cara com um pouco de maconha, às vezes pede um dinheiro para liberá-lo. Isso torna a situação ainda mais grave e desigual porque prejudica sempre quem tem menos dinheiro e acaba correndo o risco de ser preso como traficante sem de fato ser. Essa votação não deixa de ser importante, mas não resolve o problema do tráfico, que afeta a sociedade como um todo, afeta os policiais e os inocentes que morrem porque vivem nas comunidades em zonas de conflito até os jovens que são aliciados muito cedo para entrar no tráfico. São jovens inocentes que se deparam com esse caminho como uma opção muito atrativa. Sei disso porque tive uma ONG aqui na Rocinha de hip hop e reforço escolar que lutava contra o tráfico no sentido de disputar a atenção dessas crianças para que elas resolvessem estudar, aprender a fazer rap, dançar, grafitar… A gente sabe do poder sedutor deste mercado gigantesco que existe porque a droga é proibida. É um problema gigante e um assunto muito importante a ser debatido.
Esse disco tem muitas referências de subgêneros do rap, como o trap. Como você, um dos pioneiros deste movimento, vê a cena atual do estilo no país?
Acho que a maneira de se distribuir música hoje é muito democrática, tem espaço para todo mundo. É bom que as pessoas tenham canais independentes de produzir música e toda essa facilidade tecnológica. Antigamente nós tínhamos que ir até as gravadoras para pagarem estúdios caríssimos para produzir uma música, não tinha jeito de fazer isso com um notebook ou algum outro equipamento mais simples. Hoje tudo isso já é muito mais acessível, e as pessoas estão aproveitando isso para tentar a sorte como artistas. Acho que agora o importante é buscar originalidade sempre, criar um conteúdo diferente, não copiar o que já existe, não ser mais um falando as mesmas coisas, essa é a dica que eu dou para quem quer começar a fazer música independente do gênero. Você precisa ter ideias próprias nas letras, na musicalidade, na interpretação. Sinto falta de artistas únicos, como o Chico Science (1966-1997), do Nação Zumbi; o Raul Seixas, os Paralamas quando surgiram, Milton Nascimento… Todos eles trouxeram coisas que ninguém fazia antes e isso eu gostaria de ver mais hoje em dia. Apesar disso, temos muita gente boa e muita coisa boa surgindo. O brasileiro é muito criativo e a música está no nosso sangue. Mas sempre podemos buscar algo mais.
“ANTÍDOTO PRA TODO TIPO DE VENENO”
• Gabriel O Pensador
• 12 faixas
• Disponível nas plataformas digitais
*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes
Sign in with Google
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Estado de Minas.
Leia 0 comentários
*Para comentar, faça seu login ou assine