O cantor Ritchie

O cantor britânico deu aulas de inglês no Brasil antes de estourar com 'Menina veneno'. No show, ele intercala a apresentação das músicas com casos sobre sua trajetória

Gal Oppido/Divulgação

Até os 15 anos, Ritchie queria ser mágico. Chegou a fazer algumas apresentações no colégio onde estudava - o mesmo onde também estudou o vocalista do Coldplay, Chris Martin, na Inglaterra -, mas acabou desistindo da ideia, depois que ouviu um grupo de conterrâneos seus, então iniciantes na música, fazendo um som diferente: eram os Beatles.

“Eles estavam começando a fazer sucesso somente na Inglaterra naquela época. Quando ouvi pela primeira vez, fiquei maravilhado. Falei: ‘É esse tipo de mágica que eu quero fazer’”, afirma o britânico radicado há 50 anos no Brasil.

De certo modo, ele fez sua mágica musical. Seu disco de estreia em carreira solo, “Voo de coração” (1983), que conta com o hit “Menina veneno”, vendeu mais no Brasil do que “Thriller”, de Michael Jackson, lançado em novembro do ano anterior. “Menina veneno”, por sua vez, foi a canção mais tocada do ano nas rádios.

Contudo, pouco mais de 10 anos antes disso, Ritchie mal conhecia o Brasil. Dos trópicos, tinha notícia apenas do samba e da bossa nova. Mesmo assim, a versão em inglês de “Garota de Ipanema”. Também tinha ouvido por alto alguma coisa de Gilberto Gil, mas nada que fizesse dele um conhecedor da cultura brasileira.
 
 

Rita Lee e Liminha

Foi por causa de um encontro fortuito com Rita Lee, Liminha, Arnaldo Baptista e outros amigos dos brasileiros que ele veio parar no Brasil. “Sabe aquela coisa que o brasileiro fala: ‘Aparece lá em casa!’? Então, o Liminha me disse isso, e eu fui mesmo”, conta Ritchie.

Era 1972. Ele não sabia que os Mutantes eram o principal nome do rock progressivo da época no país. Chegou e ficou surpreso com a cena que encontrou por aqui - havia desde o som dos Mutantes até Raul Seixas, à época ainda se apresentando como Raulzito e os Panteras, fazendo uma espécie de cover de Elvis Presley.

Não demorou para Ritchie se enturmar com o pessoal da cena do rock. Fundou em São Paulo a banda Scaladácida, depois tocou flauta no grupo de Egberto Gismonti (A Barca do Sol) e, por fim, foi vocalista da Vímana, grupo fundado por Lulu Santos, que contava ainda com Lobão na bateria.

Com o fim da Vímana, quando Lulu e Lobão partiram para outros projetos, Ritchie seguiu carreira solo. Lançou, em 1983, “Voo de coração” e alcançou um sucesso que jamais havia conhecido. Antes da fama, ainda em 1983, ele dava aulas de inglês. Uma de suas alunas num cursinho de idiomas, no Rio de Janeiro, foi Gal Costa.
 
O flautista Ritchie com a banda A Barca do Sol, na década de 1970

O flautista Ritchie com a banda A Barca do Sol, na década de 1970. O grupo era formado por Nando Carneiro (violão e voz), Beto Resende (percussão), Jaques Morelenbaum (violoncelo), Marcelo Costa (percussão), Alain Pierre (contrabaixo) e Muri Costa (violão e voz)

Instagram/reprodução
 

Comemoração

Para comemorar os 40 anos de carreira solo, Ritchie desembarca em Belo Horizonte no próximo sábado (16/9), com o show “A vida tem dessas coisas”, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. A apresentação integra turnê que já passou por São Paulo, Rio e Niterói.

“Este ano de 2023 é muito significativo para mim. Estou comemorando várias coisas: 40 anos de carreira, 45 anos de parceria com o Bernardo (Vilhena), 50 anos de Brasil e 71 anos de idade”, cita.

No palco, acompanha Ritchie a banda formada por Eron Guarnieri (teclados e vocais), Igor Pimenta (contrabaixo), Renato Galozzi (guitarras, violões e vocais), Hugo Hori (saxofone, flauta e vocais) e Luiz Capano (bateria).

O show não se limita às canções de “Voo de coração”. Estão no repertório músicas como “Lágrimas demais”, do disco “Auto-fidelidade” (2002); “A mulher invisível”, de “E a vida continua” (1984), “Loucura & mágica”, do álbum homônimo lançado em 1987; “Transas”, de “Loucura e mágica” (1987), e “Agora ou jamais”, da época em que Ritchie integrou o projeto Tigres de Bengala (1993), com Cláudio Zoli, Vinícius Cantuária, Dadi, Mú e Billy Forghieri.

Há ainda versões de “Shy moon”, de Caetano Veloso, “Mercy Street”, de Peter Gabriel; e “You've lost that lovin' feeling”, do grupo The Righteous Brothers.
 
 

Entre uma canção e outra, Ritchie aproveita para contar alguns casos curiosos de sua carreira. Por exemplo, quando foi confundido com uma personalidade nada agradável, na década de 1980. 

Na época, os fãs tinham o costume de mandar cartas para as gravadoras endereçadas aos artistas. Uma, em especial, chamou a atenção de Ritchie. Sem saber escrever o nome do cantor, o fã começou sua correspondência assim: “Querido Hitler, gostei muito do seu disco…”.
 

Outra curiosidade é sobre “Menina veneno”. Superada a discussão se a cor do abajur é de carne ou carmim (é carne, diga-se), uma particularidade da música é que os primeiros versos são bem literais. “Ouço passos na escada/ Vejo a porta abrir” nada mais é do que referência à filha de Ritchie, que estava aprendendo a andar nesse período. Enquanto ele e Vilhena compunham no quarto, a pequena subia e descia as escadas do apartamento e abria a porta para se encontrar com o pai.
 
Ritchie com a estátua de Chacrinha.

Ritchie com a estátua de Chacrinha, no Rio de Janeiro. Cantor e compositor era presença garantida no programa do Velho Guerreiro na TV

Instagram/reprodução
 

Mágica no show

Ritchie também aproveita o show para lançar mão de recursos da mágica. “Mas não é aquela coisa de parar o show para fazer um número”, brinca o cantor. “É mais no gestual, que eu usava muito na televisão”, explica. 

“Acredito que a mágica e o meu trabalho têm muito a ver. No show, é uma espécie de mágica que está acontecendo ali, você está fazendo as pessoas suspenderem suas crenças por um segundo e entrarem num mundo paralelo”, diz.

Além do gestual, Ritchie também recorreu à inteligência artificial para criar uma espécie de aura mágica e magnetizar o público. Por isso, a cenografia do show - que conta com coordenação do também inglês radicado no Brasil Steve Altit - inclui projeções de imagens que se relacionam com o que Ritchie está cantando.

Na abertura do show, por exemplo, o cantor divide o palco com dois hologramas seus para cantar “Seu olhar”. São releituras da capa do compacto “Menina veneno”, que antecipou o lançamento de “Voo de coração”, na qual Ritchie atravessa um triângulo amarelo.
 

'Este ano de 2023 é muito significativo para mim. Estou comemorando várias coisas: 40 anos de carreira, 45 anos de parceria com o Bernardo (Vilhena), 50 anos de Brasil e 71 anos de idade'

Ritchie, cantor e compositor

 

A julgar pelas apresentações que já fez da turnê, o cantor espera encontrar na capital mineira uma plateia heterogênea, com pessoas de diferentes gerações e classes sociais.
 
“Esse disco (‘Voo de coração’) foi lançado na asa do ‘Programa do Chacrinha’, que atingia todos os tipos de público. E algumas das canções desse álbum acabaram ficando no imaginário das pessoas e foram passadas de geração para geração”, comenta.

“É até engraçado, porque várias vezes já aconteceu de eu estar andando na rua e ver alguém, sem me reconhecer, cantando ‘Menina veneno’. É uma coisa incrível para mim, porque mostra que essa música tem impacto mesmo depois de 40 anos.”

“A VIDA TEM DESSAS COISAS”

Show de Ritchie. No próximo sábado (16/9), às 21h, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Últimos ingressos à venda: R$ 200 (plateia 1/inteira), R$ 170 (plateia 2/inteira) e R$ 150 (plateia superior/inteira), na bilheteria do teatro ou no site fcs.mg.gov.br. Meia-entrada na forma da lei. Mais informações: (31) 3236-7400.