cantora e compositora Marisa Monte

Com vestido e tiara brilhantes e maior público do evento, Marisa Monte cantou desde "Beija eu", passando por Tribalistas, até músicas do álbum mais recente, "Portas"

Túlio Santos/EM/D.A.Press
 
Teve chuva, atrasos, pequenas ocorrências policiais, um cancelamento, mas sobretudo diversidade. A 10ª edição do Festival Sarará, realizada na noite do último sábado (26/8), na Esplanada do Mineirão, evidenciou que as fronteiras entre gêneros estão cada vez mais tênues, de forma que é possível cruzá-las sem esforço ou estranhamento.

O público que caiu no samba no show de Jorge Aragão é o mesmo que se entregou às batidas do funk e do trap com as apresentações de artistas do gênero no palco apropriadamente batizado Paredão. A plateia que acompanhou o pop rock do Lagum é a mesma que vibrou com a MPB clássica de Marisa Monte e seu convidado, Arnaldo Antunes.
 
Organizadora do evento, a produtora Bell Magalhães havia dito, alguns dias atrás, que essa é a premissa do festival: contemplar a pluralidade de estilos da produção musical brasileira com a expectativa que esse espectro matizado se reflita no público. Trata-se de uma questão de representatividade e, com efeito, havia na plateia pessoas de todos os tipos, todas as cores, corpos, faixas etárias e orientação sexual.

TAMANHO REDUZIDO Menor do que a edição do ano passado, com um palco a menos e redução considerável no número de atrações, o 10º Festival Sarará contou com estrutura eficiente, que atendeu bem ao público presente. As atrações principais se apresentaram em dois enormes palcos montados lado a lado, o Jameson e o Amstel, entendidos como “gêmeos”.
 
Cerca de 200 metros distante desse epicentro do festival foi montado o palco Paredão, pelo qual passaram, ao longo da tarde e da noite, Caio Luccas, Brisa Flow, Gordão do PC, Slipmami, Leall, MC Cabelinho, MC Rick, Tasha e Tracie e WS da Igrejinha. O público tinha, ainda, como opção, o Clube Sary – espaço dedicado ao tecno e outras vertentes da música eletrônica, comandado pelos coletivos Love Paranoia, Baile da Bota, Baile Room, 1010 e Mientras Dura.

SHOW CANCELADO O primeiro deles foi o cancelamento do show de Rico Dalasam, que subiria ao palco Amstel logo depois da abertura da série de shows com a Timbalada, no palco Jameson. Um comunicado da organização explicou que ele estava em Salvador para fazer uma participação especial em um show de Luedji Luna e não conseguiu embarcar para BH, em função de um duplo cancelamento de voos.
 
O jovem talento local Kaike, que compareceria ao palco de Dalasam como seu convidado, assumiu todo o tempo que seria dedicado ao músico paulista. E não decepcionou. Segurou a peteca e conseguiu esquentar o público para as atrações que viriam a seguir. Ao fim da apresentação de Kaike, Julia Mestre reativou o palco Jameson com seu tributo a Rita Lee (1947-2023).
 
Com um figurino que evocava a artista que morreu em maio deste ano, ela disse que começou a compor por causa de Rita. “Hoje, nesse dia especial, estamos vibrando em uma só energia”, comentou. O primeiro momento catártico do festival veio também por meio de uma homenagem.
 
 Público se emocionou com o show 'Clube da sofrência' e cantou com Johnny Hooker hits de Marília Mendonça

Público se emocionou com o show 'Clube da sofrência' e cantou com Johnny Hooker hits de Marília Mendonça

Túlio Santos/EM/D.A.Press


SOFRÊNCIA Com um atraso de mais de 40 minutos, Johnny Hooker subiu ao palco por volta de 16h45 para apresentar o show “Clube da sofrência”, em que canta músicas de Marília Mendonça e de outros representantes da dor de cotovelo, como Alcione, Chitãozinho e Xororó e Reginaldo Rossi, além de suas próprias composições.
 
O romantismo tomou conta da Esplanada do Mineirão, mas sem prejuízo da pegada roqueira que é uma das características de seu trabalho. O público cantou junto diversas músicas e vibrou quando Hooker pediu um salve para Marília Mendonça. Enquanto isso, no palco Paredão o cronograma de horário vinha sendo cumprido à risca, com o carioca Leall iniciando sua apresentação às 16h45, depois de uma festejada performance de Slipmami.
 
Após a apresentação de Johnny Hooker, a Fat Family mostrou, na sequência, sua mistura dançante de soul, disco, gospel e ritmos afins, mas não chegou a empolgar muito a plateia.

TEMPESTADE Com uma estrutura bem menor do que a dos palcos Jameson e Amstel, mas com excelente qualidade de som, o   Paredão também perdeu o compasso do tempo com o atraso da apresentação de MC Cabelinho, que sucedeu a de Leall. Com quase 10 milhões de ouvintes mensais no Spotify, o representante do rap e do funk carioca atraiu um público numeroso.
 
Pouco antes das 18h, uma tempestade intensa e de curta duração desabou sobre a Esplanada do Mineirão, provocando uma considerável dispersão. Algumas pessoas encararam sem maiores dramas o aguaceiro, mas muitas correram para se proteger no espaço de alimentação e em outras áreas cobertas – não muitas – do festival.
 
A pancada de chuva não arrefeceu os ânimos, mas causou problemas. O equipamento do Clube Sary molhou, o que comprometeu a programação. DJs e produtores que se apresentariam ali se queixaram da produção, que os teria deixado na mão. Não demorou muito, no entanto, para que o problema fosse contornado e a discotecagem retomada, para a alegria dos diletantes da música eletrônica.
 
Sambista Jorge Aragão

Sambista Jorge Aragão, que está em tratamento contra um câncer, entoou sucessos como %u201CCoisinha do pai%u201D

Túlio Santos/EM/D.A.Press
 
 
SAMBA NO PÉ Outro problema, algo recorrente em eventos do tipo, foram os furtos de pingentes e celulares, que geraram queixas pontuais. Alheio a essas questões, Jorge Aragão –  que está em tratamento contra um câncer no sistema linfático (Linfoma não Hodgkin), descoberto em julho –, que já ocupava o palco Amstel quando a tempestade caiu, botou o público para sambar. Com a experiência que os quase 50 anos de carreira lhe conferem, embalou a plateia oscilando entre sambas dolentes e ligeiros, guardando para a reta final do show sucessos como “Coisinha do pai” e “Vou festejar”.
 
Depois de Jorge Aragão, foi a vez de Rubel, que, amparado por uma banda portentosa, entregou o show mais eclético da programação, baseado em seu álbum mais recente, “As palavras”, lançado em dois volumes.
 
Transitando com fluência do samba ao funk, passando pelo pop, o cantor e compositor cativou a atenção do público, que, num primeiro momento, manteve uma postura mais contemplativa. Essa postura mudou completamente a partir do momento em que ele abriu um set de funk com “Glamurosa”(do funkeiro MC Marcinho) e o “Rap da felicidade”.

MESMA TOADA Após dedicar o show a MC Marcinho, que morreu no sábado, aos 45 anos, ele chamou ao palco a convidada especial MC Carol, durante a execução de “Putaria”, um dos singles de seu novo trabalho. O festival seguiu mais ou menos nessa mesma toada com a atração seguinte, a cantora, compositora e modelo trans Urias, considerada fiel escudeira de Pabllo Vittar.
 
Com uma apresentação bastante performática, pródiga em coreografias e sustentada por bases eletrônicas, ela contou com as participações especiais de Ebony e da mineira Paige, num momento mais sossegado do show. Com um público bastante expressivo acompanhando a apresentação de Tasha e Tracie no palco Paredão, o 10º Sarará, a despeito da aposta na diversidade, encontrou um lugar de convergência no funk, no trap e no rap.
 
Nos palcos gêmeos, depois da performance de Urias, foi a vez de a banda mineira Lagum, que cada vez mais ganha projeção nacional, mostrar seu trabalho. O pop rock com ecos dos anos 1990 do grupo quebrou o ritmo das batidas sintetizadas e dos graves que vinham dando o tom em todos os cantos da Esplanada do Mineirão. Foi uma espécie de transição para a principal atração do evento.

BRILHANTES Marisa Monte, que, segundo Bell Magalhães, já estava no radar da produção do festival há tempos, tomou seu lugar no palco Amstel pouco antes das 22h. Ela foi, sem dúvida, a responsável por aglutinar um maior público. A multidão que tomou conta do espaço foi brindada com uma penca de sucessos que a cantora e compositora acumulou ao longo da carreira.
 
Com um vestido e uma tiara muito brilhantes, Marisa começou a apresentação traçando um arco histórico, indo de músicas do álbum mais recente, “Portas” (2021), até “Beija eu”, de seu segundo disco, “Mais” (1991). Com pouco mais de 2 horas de duração, sua apresentação foi a mais longa da programação – o dobro do tempo que os outros artistas tiveram.
 
Sem a pressão do horário, ela pôde relembrar diversos momentos de sua trajetória. Tendo Arnaldo Antunes como convidado, não faltou também um aceno à obra dos Tribalistas. Foram dois os momentos do ex-integrante dos Titãs no palco. Depois de cantar três músicas, ela saiu e retornou ao final, para fechar, por volta de 23h20, com as canções “Amor i love you” e “Já sei namorar”. O público, que mais cedo sentiu a roupa encharcar, saiu de alma lavada.