Pintura de mulher presa dentro de piscina

Pinturas de Ligia Teixeira se inspiram em imagens que ela viu na internet durante a pandemia de Covid-19

Lígia Teixeira/reprodução

A série “Confinadas” foi criada por Lígia Teixeira durante o isolamento social imposto pela COVID-19. A pintora se inspirou em imagens de mulheres solitárias e enclausuradas que viu na internet. Em cartaz na Casa Fiat de Cultura, 32 telas da carioca poderão ser conferidas até 1º de outubro.

Em meio às incertezas vividas naquele momento, este trabalho significou uma espécie de salvação, conta a pintora. “Foi um período em que passei a sentir enorme vazio. Todos nós estávamos buscando uma saída, algo para dar sentido à vida e para não nos desesperarmos. Então recorri à arte.”

Sem ter como sair de casa e desmotivada para criar trabalhos em grandes dimensões, Lígia decidiu usar o que tinha à mão. Reciclou telas guardadas em seu ateliê, pintando novas imagens sobre trabalhos que já não faziam mais sentido.

“Não havia como fazer algum projeto ou plano de exposição, porque estava tudo parado. O único projeto era sobreviver e não se contaminar. Não fazia sentido pensar em grandes gestos quando o nosso mundo estava restrito ao triângulo de uma janela”, explica.
 
Mulher deitada em sofá em série de pinturas de Lígia Teixeira

Detalhe de pintura da série 'Confinadas', de Lígia Teixeira

Lígia Teixeira/reprodução
 

Metáfora da prisão

Lígia Teixeira decidiu, então, voltar ao tema principal de suas pesquisas: o universo feminino. Percebeu que tinha em mãos a metáfora do silenciamento e do apagamento impostos pela sociedade às mulheres. Dessa forma, o título “confinadas” se refere, sobretudo, ao aprisionamento físico e de ideias.

“O confinamento dos nossos corpos não veio só com a pandemia, mas sempre esteve presente no controle da liberdade de onde ir, o que fazer, como se vestir e se portar. As mulheres são enclausuradas, confinadas constantemente pela repressão sobre seus corpos e mentes”, diz Lígia, chamando a atenção para o “confinamento existencial”.
 

Com dimensões que variam de 30cm por 30cm a 25cm por 20cm, as telas ganharam ambiente ideal no espaço intimista da Casa Fiat. Em “Confinadas”, as mulheres são representadas em situações banais, mas sempre há alguma provocação que leva ao contraste com a realidade.

“Mais confinada do que isso, impossível”, comenta Lígia. Uma das personagens está submersa na piscina. Outra vestida, dentro da banheira. A moça fuma enquanto a frigideira queima.

“É um mundo meio Clarice Lispector. Na aparente banalidade da vida, algo está sendo gestado ali e pode irromper a qualquer momento”, observa Lígia Teixeira. “Aquela mulher presa na rotina pode de repente soltar um grito e virar a mesa.”

A artista visual é arquiteta formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Decidiu ser artista aos 12 anos devido à paixão pelo desenho. “Era quase compulsão”, diz. O desenho a levou ao curso de arquitetura e, posteriormente, à formação artística no Museu de Arte Moderna (MAM) e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
 
Mulher em quadro de Lígia Teixeira

Banalidade da vida é tema da série de pinturas exposta na Casa Fiat

Lígia Teixeira/reprodução

'O confinamento dos nossos corpos não veio só com a pandemia, mas sempre esteve presente no controle da liberdade de onde ir, o que fazer, como se vestir e se portar. As mulheres são enclausuradas, confinadas constantemente pela repressão sobre seus corpos e mentes'

Lígia Teixeira, pintora

 

Desamparo, UTI e chacina

Inquietações femininas são recorrentes em seu trabalho desde 1993, quando o filho recém-nascido teve graves problemas de saúde e foi internado às pressas na UTI neonatal. Lutando contra a morte, Lígia passou a observar mães na mesma situação de desamparo, com seus bebês no colo.

Em 23 de julho de 1993, ao ligar a TV do quarto do hospital, deparou com a notícia da Chacina da Candelária, a chocante execução de oito jovens moradores de rua por policiais militares, no Centro do Rio de Janeiro.

“Estava vivendo a iminência de perder meu filho e quando ligo a TV, vejo mães desesperadas por terem perdido os filhos. Entrei em desespero” relembra. “Naquela UTI, pensei: poxa, todas nós aqui temos a mesma vivência.”
 
Lígia criou a série “Pietá”, com Nossa Senhora com o filho morto nos braços, e desde então, abordou as representações sociais e do imaginário coletivo sobre a mulher.

Nesta quarta-feira (16/8), às 19h, a carioca participa de bate-papo virtual, no canal da Casa Fiat de Cultura no YouTube. As inscrições gratuitas devem ser feitas na plataforma Sympla.

“CONFINADAS”

Exposição de Lígia Teixeira. Casa Fiat de Cultura (Praça da Liberdade, 10, Funcionários). Abre nesta terça-feira (15/8), das 10h às 18h. O espaço funciona de terça a sexta, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Tour virtual: www.casafiatdecultura.com.br

* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria