A cantora Aline Calixto

A primeira apresentação do show de 'Clara viva' será em Belo Horizonte, na próxima quinta-feira; Aline Calixto planeja circular com o espetáculo pelo país

Márcia Charnizon/Divulgação

É com a canção “Guerreira”, gravada por Clara Nunes em álbum homônimo de 1978 (música que traz os versos “Se vocês querem saber quem eu sou/ Eu sou a tal mineira/ Filha de Angola, de Ketu e Nagô/ Não sou de brincadeira/ Canto pelos sete cantos não temo quebrantos”), que Aline Calixto abre seu mais recente disco, “Clara viva”, em homenagem à sambista de Caetanópolis, morta há 40 anos.

O show de lançamento do disco será realizado em Belo Horizonte, na próxima quinta-feira (17/8), no Grande Teatro do Sesc Palladium. Em seguida, a sambista deverá fazer turnê por outros estados.

Os versos da canção se encaixam também no perfil de Aline Calixto. Embora tenha nascido no Rio de Janeiro, ela adotou Minas Gerais como sua terra e, para muita gente, é conhecida como a tal mineira, que traz em suas músicas as tradições de Angola e da umbanda, religião da qual é adepta há 15 anos.

“Clara Nunes, enquanto artista e enquanto pessoa, sempre foi uma influência na minha vida, desde que eu canto. Afinal, ela foi uma das primeiras cantoras a dar maior visibilidade e trazer a religiosidade afro-brasileira na música nacional”, afirma a sambista.
 
Clara Nunes sorri

Clara Nunes cantou baião, forró, ijexá e afoxé, além do samba que a tornou conhecida

Aldyr Tavares/divulgação

'Uma coisa que eu acho maravilhosa é que a obra da Clara é atemporal. O nome do disco, 'Clara viva', é justamente para mostrar isso, que mesmo passados 40 anos da partida dela, ela continua viva para várias cantoras, cantores, pessoas que conviveram com ela, pessoas que não a conheceram; para várias gerações'

Aline Calixto, cantora

 

Transformista na TV

A admiração, segundo ela diz, é anterior à fase da carreira profissional. “Na infância, quando tive contato com a imagem dela pela primeira vez, já me encantou muito”, relembra, citando que a primeira vez que viu a figura de Clara Nunes foi num programa de televisão em que uma transformista se vestia como Clara.

Ali começou uma espécie de idealização em relação à cantora mineira. “Minha mãe fala que fiquei hipnotizada, que eu levantei do sofá e fui para a frente da televisão. Queria andar e vestir roupa igual, fazer tudo igual. Foi esse o meu primeiro contato com a obra da Clara”, comenta.

Mas foi só na faculdade de música que Aline Calixto de fato conheceu e estudou a carreira e o repertório de Clara. Até teve vontade de gravar algumas canções da mineira, mas ficou com certo receio de as pessoas acharem que ela estaria fazendo uma cópia e, assim, tentando forçar a barra para que fosse vista como uma espécie de herdeira da sambista. Por isso cantava as músicas de Clara somente em casa, sem se atrever a mostrar para ninguém as versões que fazia dos sambas.

A primeira oportunidade que Calixto teve de cantar Clara Nunes para um grande público foi há 10 anos, quando o produtor cultural Afonso Borges a convidou para fazer um pocket show em homenagem à sambista no relançamento de “Clara Nunes: Guerreira da utopia”, biografia escrita pelo jornalista Vagner Fernandes.

Na ocasião, a cantora chamou o violonista e arranjador Thiago Delegado e o percussionista Robson Batata para subirem ao palco com ela. Os três, lembra Calixto, nunca tiveram tanta dificuldade para chegar a um repertório, afinal, não era do interesse de ninguém tocar somente as canções de Clara Nunes que todos conhecem, como “Tristeza pé no chão”, “O mar serenou”, “Portela na avenida” e “O canto das três raças”. 

Lado B

Logo, os três partiram para o “lado B” da cantora. “A gente chegou num formato muito diferente, que não é um formato de samba tradicional. Até porque a Clara não cantou só samba – claro que ela cantou muito samba, mas não se limitou a ele. Ela cantava forró, baião, ijexás, afoxés”, destaca Calixto. “Então, montamos um repertório que contemplasse todos esses estilos que ela gravou”, emenda.

Desse repertório, nasceu o disco “Clara viva”, que somente agora, em 2023, Calixto se sentiu preparada para lançar. No disco, os mesmos Batata e Delegado a acompanham. A novidade no time de instrumentistas é a flautista Marcela Nunes, que, de acordo com Calixto, “chegou para somar, sendo mais uma potência feminina”.
 
 

Para “Clara Viva”, foi necessário acrescentar mais músicas no álbum, que conta com 12 faixas – no pocket show, Calixto tocou metade disso –, o que foi mais uma dor de cabeça para a cantora, conforme conta.

“O repertório da Clara é muito rico e bonito demais. E, assim, para chegar em 12 faixas, eu falei: ‘Caramba, é muito difícil, porque não dá para deixar nada de fora!’ Mas aí percebi que deveria ter um crivo, fazer o meu mapeamento, delimitando em que trabalharia”, explica.

Então, ressalta Calixto, entraram no disco alguns dos grandes sucessos que fazem parte da memória afetiva de todos os fãs de Clara, como “Conto de areia”, do álbum “Alvorecer (1974); “Morena de Angola”, de “Brasil mestiço” (1980); e a já citada “O mar serenou”, de “Claridade (1975). 

Por outro lado, há mais canções “lado B” de Clara Nunes, que, para Calixto, “são maravilhosas num mesmo tanto”.
 

“No disco tem, por exemplo, ‘Afoxé pra Logun’, que, pra mim, é o afoxé mais bonito que existe na vida. Tem também ‘Fuzuê’, ‘Tributo aos orixás’ e ‘Nação’”, cita ela. “Tentei fazer essa mistura, trazendo um pouco do que o grande público já conhece e também um pouco daquilo que não é tão conhecido, tão revisitado pelos intérpretes”, aponta.

 

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Ataulfo Alves e João Nogueira

“Clara viva” conta ainda com “Você passa eu acho graça”, de Ataulfo Alves e Carlos Imperial, lançada em disco de mesmo nome, em 1968; “A deusa dos orixás”, do álbum “Claridade” (1975); “Feira de Mangaio”, de “Esperança” (1979); e “Um ser de luz”, canção de João Nogueira em homenagem a Clara Nunes.

Para o show da próxima quinta, além de cantar “Clara Viva” na íntegra, Calixto vai apresentar interpretações do “lado A” de Clara Nunes. “Porque tem algumas músicas que não podiam ficar de fora, né?”, destaca a cantora. 

Uma das que entram no setlist da apresentação é “Portela na avenida”, canção que Calixto, inclusive, gravou com Monarco e a Velha Guarda da Portela.

“Uma coisa que eu acho maravilhosa é que a obra da Clara é atemporal. O nome do disco, ‘Clara viva’, é justamente para mostrar isso, que mesmo passados 40 anos da partida dela, ela continua viva para várias cantoras, cantores, pessoas que conviveram com ela, pessoas que não a conheceram; para várias gerações”, diz Calixto.

FAIXA A FAIXA

. "Guerreira"
. "Você passa eu acho graça"
. "Fuzuê"
. "Conto de areia"
. "Afoxé pra Logun"
. "A deusa dos orixás"
. "Nação"
. "Tributo aos orixás"
. "Feira de Mangaio"
. "O mar serenou/Coroa de areia"
. "Morena de Angola"
. "Um ser de luz"

Capa do disco de Aline Calixto dedicado a Clara Nunes

Capa do disco de Aline Calixto dedicado a Clara Nunes

Reprodução
“CLARA VIVA”

• Disco de Aline Calixto
• Produção independente
• 12 faixas
• Disponível nas plataformas digitais

SHOW DE ALINE CALIXTO

Nesta quinta-feira (17/8), às 21h, no Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Ingressos à venda por R$ 30 (plateia 1/inteira/esgotado) e R$ 20 (plateias 2 e 3/inteira), no site Sympla e na bilheteria do teatro. Meia-entrada na forma da lei. Mais informações: (31) 3270-8100.