A cantora Roberta Sá no palco

Depois do nascimento de Lina, sua primeira filha, Roberta Sá retomou a agenda de shows em junho passado e tem viajado com a bebê

Karyme França/Divulgação

A primeira faixa do álbum de estreia oficial de Roberta Sá, “Braseiro”, de 2005, se chama “Eu sambo mesmo”, composição de Janet de Almeida. A afirmação categórica que o título encerra reverbera agora, quase 20 anos depois, quando a cantora potiguar faz um mergulho no mais brasileiro dos ritmos. Ela chega a Belo Horizonte para apresentar, nesta sexta-feira (11/8), n’A Autêntica, o show “Sambasá – Ao vivo”, que promove o registro audiovisual homônimo lançado este ano.

O repertório contempla músicas registradas ao longo da discografia de Roberta mescladas a sucessos de artistas como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Martinho da Vila. De uma safra mais recente, há sambas de autores não tão conhecidos, como “A roda” (Wanderley Monteiro / Deco Romani), “Sem avisar” (Wanderley Monteiro), “Antes tarde” (Nego Álvaro / Marcos Maia) e “Luz da minha vida” (Toninho Geraes / Chico Alves), entre outros.

Todas elas – e também “Nossos planos” (Fred Camacho / Leandro Fab / Carlos Caetano) – foram gravadas no “Sambasá” de estúdio, lançado em 2022. Roberta conta que para seu novo trabalho buscou um clima de roda de samba – intento para o qual contribuíram decisivamente os jovens músicos que a acompanham, todos com traquejo nos redutos dos bambas do Rio de Janeiro.

“Sempre quis fazer um show assim, como uma roda de samba mesmo, em que as pessoas cantam as músicas junto”, pontua a artista. Ela explica que foram dois os estímulos para sua incursão por esse universo: a pandemia e a gravidez – quando fez o registro de “Sambasá – Ao vivo”, no Circo Voador, em setembro do ano passado, ela estava no sexto mês de gestação de sua primeira filha, Lina, que nasceu em 19 de dezembro – mesma data de seu aniversário.

“Houve, depois da pandemia, um desejo genuíno de reencontrar meu público com um abraço, um afago, e o samba me proporciona isso, porque é um lugar em que me sinto feliz. Depois que engravidei, isso ficou mais latente. Eu precisava de paz, de felicidade, de amor, de afeto, coisas que encontro no samba”, comenta.
 
Ela diz que já até tinha na gaveta um repertório pronto para um álbum de inéditas, mas que esse material não correspondia aos seus anseios naquele momento. “Eram músicas que, por terem sido feitas durante a pandemia, eram mais introspectivas, tristes, e eu queria era abrir os braços, ter um momento catártico com o público”, aponta.
 
 

'Testes' há dois anos

O projeto “Sambasá” começou a tomar forma no final de 2021, quando Roberta, seu marido – o produtor e diretor artístico do álbum, Pedro Seiler – e os músicos Alaan Monteiro (cavaquinho e direção musical) e Gabriel de Aquino (violão) começaram a testar canções para montar um repertório só de sambas. Antes de se tornar efetivamente um show, ela e os músicos aglutinados por Monteiro e Aquino experimentaram a seleção que tinham feito em formato de roda de samba.

“Tinha o dobro de músicas em relação ao que entrou no roteiro do show, então essa triagem foi feita muito com base no que estava gostoso de tocar, no que funcionava com o público, no que combinava com as músicas inéditas que tínhamos. Foi tudo muito orgânico. Veio a roda de samba, depois o show e depois o disco e o registro audiovisual, quer dizer, é um trabalho feito na prática”, diz Roberta.
 

'Se o Brasil está com a imagem ruim, a gente chega e mostra: 'Ó, o Brasil também é isso aqui'. Muitos artistas brasileiros estavam circulando pela Europa nessa temporada de meio de ano, todos com shows lotados. O Velho Mundo está vibrando com o Brasil. A gente está num momento de virada'

Roberta Sá, cantora

 

Ela observa que a seleção de repertório foi guiada, em boa medida, pelo desejo de jogar luz sobre a produção de mulheres sambistas – ou que, não sendo, transitam pelo universo do samba. Assim, músicas compostas ou interpretadas por nomes como Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara, Beth Carvalho e mesmo Adriana Calcanhotto (que em 2011 lançou o conceitual “Micróbio do samba”) entraram no roteiro.

Depois da gravação de “Sambasá – Ao vivo” no Circo Voador, Roberta deu uma pausa para cuidar da gravidez, do parto e dos primeiros meses da maternidade. O projeto foi retomado em junho passado, também no Circo Voador, e, em seguida, ela partiu para uma série de cinco shows na Europa, acompanhada da filha e do marido.

Experiência europeia

A cantora passou por Oeiras (Portugal), Madrid (Espanha), Bruxelas (Bélgica), Paris (França) e Montreux (Suíça), onde se apresentou na mesma noite que Gilberto Gil no prestigiado festival realizado anualmente desde 1967. Ela destaca que participar do Festival de Montreux era um sonho antigo, e que foi muito simbólico chegar lá justamente com um repertório de samba a tiracolo.

“Foi incrível. Eu estava dividindo a noite com Gil na Sala Stravinsky, a principal do festival. Achei que as pessoas só iam chegar mais tarde para assistir ao show dele, mas o lugar já estava lotado para a minha apresentação. A força do samba me impressiona muito”, diz. Ela chama a atenção, ainda, para a dimensão “diplomática” que a música brasileira encerra.

“Se o Brasil está com uma imagem ruim, a gente chega e mostra: 'Ó, o Brasil também é isso aqui'. Muitos artistas brasileiros estavam circulando pela Europa nessa temporada de meio de ano, todos com shows lotados. O Velho Mundo está vibrando com o Brasil. A gente está num momento de virada, recuperando uma perspectiva de futuro para a cultura, e isso se expressou lá, foi bonito de ver”, afirma.
 

'Ando exausta, para ser sincera. É uma jornada dupla, com um bebê de quase oito meses que mama no peito o tempo inteiro, então você não dorme direito. Vou fazer o show tendo dormido um total de duas horas na noite anterior. A Lina fica com o pai. Para ela é muito tranquilo'

Roberta Sá, cantora

 

Desde que o show estreou, pouca coisa mudou em seu roteiro e estrutura, conforme aponta, mas ele ganhou corpo. “Tem uma coisa ou outra que a gente está fazendo diferente, como o bis, por exemplo, mas a estrada dá um brilho para o show. Quanto mais a gente toca esse repertório, mais ele fica introjetado, todo mundo fica mais relaxado e desse relaxamento saem maravilhas, a interação com o público vai ficando mais orgânica”, pontua.

Se em 2005 Roberta já cantava “Eu sambo mesmo”, ela não hesita em afirmar que “Sambasá” é a reafirmação de um lugar, a despeito de já ter transitado por tantos outros. “Nunca menti. Sou uma cantora que passeia por muitos universos, porque gosto disso, dessa pluralidade, de cantar com orquestra na Sala São Paulo e depois me apresentar em uma roda num boteco. Isso é maravilhoso, é tudo o que eu quero, mas o samba é uma constante. E ele também é sofisticado; os arranjos do Alaan para esse show são muito elaborados.”

Ela observa que sua relação com o gênero vem desde a infância, quando foi introduzida nesse universo pelo avô, que costumava reunir músicos para tocar na varanda de sua casa, em Ceará-Mirim (RN). A cantora conta que a avó de Paulinho da Viola também era de Ceará-Mirim e, por isso, as famílias acabaram se aproximando. “Meu avô ficou muito amigo do Paulinho, que costumava ir lá em Ceará-Mirim para alguns eventos, como inauguração de praça, por exemplo, então o samba sempre esteve nesse meu imaginário”, comenta.
 
Com a mudança para o Rio de Janeiro, quando tinha 9 anos, a relação de Roberta com o samba foi ficando mais forte. Ela diz ter, anos depois, encontrado sua turma no momento em que a Lapa passava por uma revitalização, com o surgimento de diversos grupos e artistas ligados ao samba em bares e casas noturnas do tradicional bairro carioca. 

Embora tenha o samba como “um lugar emocional importante” em sua vida, ela diz que, ainda assim, está sempre em busca de arejar esse lugar, o que explica ter se cercado de músicos de uma nova geração, com os quais nunca tinha tocado antes – André Manhães (bateria), Jéssica Araújo (surdo, tantã, pandeiro, tamborim, efeitos), João Rafael (baixo) e Thiaguinho Castro (pandeiro, congas, caixa, repique de anel, tamborim, efeitos), além de Alaan Monteiro e Gabriel de Aquino.

Cutucada dos jovens

“Estou com 42 anos e precisava de uma cutucada, de gente jovem me levando para outro lugar. Eu queria uma proposta que me desse uma rasteira. O Alaan e o Gabriel são muito jovens. Pedi a eles que trouxessem sua turma. É sensacional, porque são músicos incríveis, que somam com uma percussão de quem frequenta roda de samba, de quem tem saúde para isso. É uma energia maravilhosa, que traz um olhar novo até para o meu repertório pregresso”, destaca.

Conciliar a maternidade com a vida artística não tem sido fácil, ela conta. A família tem cumprido as agendas da turnê junta – sem babá, por opção mesmo –, se organizando da forma que é possível.
 
“Ando exausta, para ser sincera. É uma jornada dupla, com um bebê de quase oito meses que mama no peito o tempo inteiro, então você não dorme direito. Vou fazer o show tendo dormido um total de duas horas na noite anterior. A Lina fica com o pai. Para ela é muito tranquilo; para a gente é que é pauleira, mas é também muito gratificante”, diz.

Só quando sobe no palco é que a mãe cede lugar para a artista, conforme ela diz. “Estou o tempo inteiro com a Lina, mas naquelas quase duas horas de show, sou eu e meu público em comunhão. O samba é esse lugar de afeto, de amor, de acolhimento, e tudo o que uma mulher que está amamentando precisa é disso”, reitera. 

“SAMBASÁ”

Show de Roberta Sá, nesta sexta-feira (11/8), a partir das 21h, n’A Autêntica (Rua Álvares Maciel, 312, Santa Efigênia). Ingressos de R$ 30 a R$ 120, à venda na bilheteria, das 10h às 15h, e no site da casa de shows.