Cena da peça 'Sem palavras'

Criado durante a pandemia, "Sem palavras" (2021) encerra a trilogia que teve os espetáculos "Projeto Brasil" (2015) e "Preto" (2017)

NANA MORAES/DIVULGAÇÃO

À primeira vista, "Sem palavras" (2021) e "Descartes com lentes" (2009) se relacionam apenas por serem montagens do mesmo grupo - no caso, a Companhia Brasileira de Teatro, sob a direção de Márcio Abreu. O primeiro, com texto e dramaturgia também de Abreu, nasceu na pandemia e leva oito atores para a cena; o segundo é um exercício cênico com apenas uma intérprete (Nadja Naira) e tem como base um conto de 1967 de Paulo Leminski (1944-1989). 

"Ambos, de maneiras diferentes, têm uma mirada e um gesto artístico para o pensamento decolonial", afirma Abreu, que está em Belo Horizonte para a acompanhar a curta temporada das duas montagens. Nesta quinta (3/8) e sexta, "Sem palavras" será apresentado no Teatro Sesiminas. No sábado (5/8) e domingo será a vez de "Descartes com lentes", no Teatro de Bolso da mesma instituição.

"Sem palavras", explica Abreu, é o terceiro espetáculo de uma trilogia iniciada com "Projeto Brasil" (2015) e que teve sequência com "Preto" (2017). O processo de criação foi totalmente fora da curva na trajetória do grupo, fundado em 2000, em Curitiba. Depois de oito dias de encontro entre dramaturgo e diretor com os atores, em março de 2020, em São Paulo, teve início o período de isolamento. 

"(Por causa disto) A peça foi criada de um modo muito singular. Tive um trabalho mais solitário de escrita e, ao longo de dois anos (em meio à crise sanitária), consegui fazer três residências artísticas em sítios com o elenco", relembra Abreu. Estas imersões foram de no máximo 10 dias e as interações, sempre com máscaras, eram individuais  - o diretor trabalhava com um ator ou atriz por vez. 

"Neste terceiro momento da trilogia ("Sem palavras"), continuo olhando criticamente para o Brasil e para a nossa própria história. Quem historicamente teve direito à palavra e a quem ela foi negada? Na nossa história, quem usa a palavra é o poder hegemônico, e ela se torna uma arma de exclusão. A peça passa por essas questões trazendo outra apropriação da palavra, a partir da pluralidade de corpos, da construção da memória, pela transformação"

Márcio Abreu, dramaturgo e diretor


Olhar crítico

A narrativa acompanha um dia na vida de oito pessoas ao redor de um apartamento. O título é uma provocação pois, como brinca Abreu, "tem muita palavra". "Neste terceiro momento da trilogia, continuo olhando criticamente para o Brasil e para a nossa própria história. Quem historicamente teve direito à palavra e a quem ela foi negada? Na nossa história, quem usa a palavra é o poder hegemônico, e ela se torna uma arma de exclusão. A peça passa por essas questões trazendo outra apropriação da palavra, a partir da pluralidade de corpos, da construção da memória, pela transformação", diz.

Já "Descartes com lentes" é um texto da juventude de Leminski, o ponto de partida para sua grande obra, "Catatau" (1975), o "anti-romance", como o define Abreu. "Ele também está na encruzilhada de linguagens. É um texto literário sonoro, imagético." Leminski escreveu sobre a (hipotética)  vinda do filósofo francês René Descartes ao Brasil, a convite do conde Maurício de Nassau. 

"Ou seja, ele coloca o pensador ocidental nos trópicos. Então o texto traz o confronto desse pensamento ocidental com os pensares e saberes das nossas culturas. Trabalhamos com o texto sob a perspectiva do imaginário político. A Nadja está sozinha em cena, absurdamente despojada", acrescenta Abreu. "Descartes com lentes" nasceu no processo de construção do espetáculo "Vida" (2010), também baseado na obra de Leminski. 

“SEM PALAVRAS”
Com a Companhia Brasileira de Teatro. Nesta quinta (3/8) e sexta (4/8), às 20h, no Teatro Sesiminas, Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia. Ingressos: Setores 1 e 2 - R$ 50 e R$ 25 (meia); Setor 3 - R$ 40 e R$ 20 (meia). À venda na bilheteria e no Sympla.

“DESCARTES COM LENTES”
Com a Companhia Brasileira de Teatro. Neste sábado (5/8), às 20h, e domingo (6/8), às 19h, no Teatro de Bolso Sesiminas, Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). À venda na bilheteria e no Sympla.