Daniel Munduruku

Daniel Munduruku vai falar sobre o apagamento imposto aos povos originários em "aulão" na Praça JK, em Belo Horizonte

Nelsin Toledo/Flip/divulgação

Ao receber o Prêmio Camões com quatro anos de atraso, Chico Buarque fez uma síntese de sua árvore genealógica que reflete bem o DNA brasileiro. “O meu pai era paulista; meu avô, pernambucano; meu bisavô, mineiro; e meu tataravô baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco”, afirmou.

A fala do compositor também ilustra a ideia de Bicentenário da Independência abordada pelo Festival de História (fHist), que terá programação em Belo Horizonte e Ouro Preto até o próximo sábado (29/4), com mesas-redondas, “aulões”, conferências, atrações musicais e exibição de filme.

Vozes pretas

Nesta quarta-feira (26/4), será realizado, no caminhão-museu do Projeto República/UFMG, na Praça JK, no Sion, o aulão “Hora e vez das vozes pretas”, com os músicos Gil Amâncio, Anarvore, Iza Reis e Marcelo Dai.

Inicialmente, o festival seria realizado em novembro do ano passado, mas foi adiado por questões internas da coordenação. Na data inicial, lançou-se o livro “Histórias para não esquecer – 200 vidas mineiras”, organizado pelo jornalista Américo Antunes, um dos curadores do fHist, e houve mesa-redonda sobre identidade brasileira com a educadora e artista visual Flaviana Lasan e a poeta e arqueóloga Lara de Paula Passos.

“Desde o primeiro momento, nosso propósito era focar em fatos pouco conhecidos ou até mesmo apagados da historiografia oficial”, conta Antunes. “Por isso, a fala do Chico Buarque ao receber o Prêmio Camões ilustra bem o nosso propósito. Queremos mostrar o DNA mineiro e brasileiro, que é fruto do intercâmbio, algumas vezes violento, de culturas, histórias e trajetórias. É um DNA miscigenado, mestiço”, emenda.

As atividades contemplam grupos que fazem parte da chamada minoria representativa – indígenas, negros e mulheres –, mas com grande influência na formação de Minas Gerais e do Brasil.
 
Historiadora Heloísa Starling sorri para a câmera

Historiadora Heloísa Starling chama a atenção para a participação de mulheres, como Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, na luta pela Independência

Fernando Rabelo/divulgação
 

O aulão “Vozes indígenas na literatura”, por exemplo, será comandado pelo escritor e ativista indígena Daniel Munduruku.

“Esta aula que estão chamando de 'aulão' – nem sei se vai ser ‘aulão’ mesmo ou aula não formal –, eu prefiro chamar de roda de conversa, que é como me sinto mais aldeado”, brinca Munduruku.

Aos 59 anos, ele escreveu 60 livros – a maioria voltada para o público infantil e infantojuvenil –, foi duas vezes finalista do Prêmio Jabuti e recebeu a Ordem do Mérito Cultural, além de acumular prêmios da Academia Brasileira de Letras e da Unesco por sua produção literária.

História escrita pelo colonizador

Daniel Munduruku vai desenvolver a ideia de como a história do Brasil foi construída deixando de lado a fala e a participação dos povos originários que aqui estavam antes da colonização.

“Quero mostrar que a história do Brasil, da maneira como foi construída, seguiu o protocolo do colonizador, cuja escrita é a partir da ideia de vencedor, de conquistador, daquele que se impõe e humilha os outros povos. Isso fez mal para o Brasil, porque separou os povos indígenas da escrita da história, e, portanto, da construção de uma identidade brasileira que estivesse mais arraigada na lógica dos povos originários”, afirma.

Para ele, o silenciamento dos povos originários não se limitou ao discurso e à exclusão da escrita indígena da construção histórica nacional, mas, sobretudo, resultou em atos de violência que perduram até a atuallidade.

“A gente foi vítima da violência do próprio Estado, que obrigou a criança indígena a ir para a escola aprender justamente o modo ocidental de viver”, observa Daniel Munduruku, ressaltando que a não assimilação da cultura dos povos originários significa “educação para o esquecimento”.

“A gente sofria as consequências da história, que estava acontecendo ali ainda”, afirma. Por isso, o escritor decidiu levar a narrativa indígena para as crianças, buscando conscientizá-las.
 
 

O “aulão” de Munduruku, ou melhor, a roda de conversa, vai tratar das histórias contadas por ele nos livros. O bate-papo ocorrerá no caminhão-museu do Projeto República da UFMG, coordenado pela historiadora Heloisa Starling, que ficará estacionado na Praça JK, no Bairro Sion.

Starling vai participar de duas mesas-redondas, em Belo Horizonte e Ouro Preto, respectivamente, na sexta (28/4) e no sábado (29/4).
 
Caminhão-museu da UFMG

Caminhão-museu da UFMG vai receber exposição e "aulões"

Reprodução
 

Heroínas da Independência

Na capital mineira, Heloísa e as historiadoras Cidinha da Silva e Marcela Telles vão apresentar, na mesa “As mulheres que estavam lá (e quase ninguém ficou sabendo)”, personagens femininas que participaram das lutas da Independência do Brasil. São elas Bárbara de Alencar, Urânia Vanério, Maria Felipa de Oliveira, Maria Quitéria de Jesus, Maria Leopoldina da Áustria, Ana Lins e a mineira Hipólita Jacinta Teixeira de Melo – esta última, após a prisão de Tiradentes, instigou os inconfidentes à revolta armada.
 

Em Ouro Preto, mesa-redonda discutirá o papel de Hipólita na Inconfidência Mineira, com participação de Heloísa, da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia Antunes Rocha, e das cantoras Zélia Duncan e Ana Costa.

“Cármen Lúcia tem uma história com a Hipólita que vem do governo Itamar Franco, no final da década de 1990. A ministra já havia pesquisado sobre ela no passado. Quando foi procuradora do Estado em Minas Gerais, indicou-a para receber postumamente a Medalha da Inconfidência”, explica Américo Antunes. Zélia Duncan e Ana Costa homenagearam a inconfidente em canções autorais.

A programação do fHist terá exposições e projeções interativas dentro do caminhão-museu, que ficará na Praça JK de hoje a sexta-feira (28/4); roda de samba com Manu Dias; o bate-papo “Salve o patrimônio cultural”; e a exibição do filme “O índio cor-de-rosa contra a fera invisível – A peleja de Noel Nutels” (2020), de Tiago Carvalho.

PROGRAMAÇÃO

BELO HORIZONTE

>> Nesta quarta (26/4)
•9h às 17h – Exposição “Itinerários da Independência”, no caminhão-museu do Projeto República/UFMG. Praça JK, Sion

•15h – Aulão “Hora e vez das vozes pretas”, com Gil Amâncio, Anarvore, Iza Reis e Marcelo Dai. Praça JK

>> Quinta (27/4)
•9h às 17h – Exposição “Itinerários da Independência”. Praça JK

•15h – Aulão “Vozes indígenas na literatura”, com Daniel Munduruku. Praça JK

•17h – Roda de samba, com Manu Dias. Praça JK

>> Sexta (28/4)
•9h às 17h – Exposição “Itinerários da Independência”. Praça JK

•11h – Mesa “As mulheres que estavam lá (e quase ninguém ficou sabendo)”, com Heloísa Starling, Cidinha da Silva e Marcela Telles. Praça JK

•15h – Mesa “Salve o patrimônio cultural”, com Leandro Grass, presidente do Iphan; Michele Arroyo, historiadora; e Angelo Oswaldo, prefeito de Ouro Preto. Memorial Vale (Praça da Liberdade, Funcionários)

•17h – Exibição do filme “O índio cor-de-rosa contra a fera invisível – A peleja de Noel Nutels”.  Memorial Vale

OURO PRETO

>> Sábado (29/4) 
• 11h – Homenagem à inconfidente Hipólita Jacinta Teixeira de Melo. Museu da Inconfidência

•12h – Mesa “Hipólita estava lá”, com ministra Cármen Lúcia, Heloísa Starling, Zélia Duncan e Ana Costa. Anexo do Museu da Inconfidência

Entrada franca. Informações: festivaldehistoria.com.br.